Crise no Instituto de Previdência de Novo Hamburgo chega ao MP e TCE
Comissão da Câmara estudou rombo nas contas do Ipasem, que teve seu déficit aumentado mesmo com a reforma proposta e aprovada pela Prefeitura
A viabilidade do Instituto de Previdência e Assistência dos Servidores Municipais (Ipasem) é o mais recente impasse político em Novo Hamburgo — e já é alvo de procedimento no Ministério Público. O Tribunal de Contas do Estado também foi notificado sobre a situação do órgão.
Com um rombo financeiro nas contas, cujo estudo atuarial indica déficit de R$ 1,5 bilhões, o Ipasem virou objeto de disputa política no município. A crise que, ano após ano, ganha notoriedade tomou novo impulso quando o Executivo encaminhou, no início do ano, projeto de lei solicitando autorização à Câmara de Vereadores para o parcelamento da cota patronal.
Contrariados com a situação, parlamentares da oposição, inflados por servidores públicos municipais preocupados com o futuro, decidiram criar uma comissão especial para examinar o problema. O resultado desse trabalho resultou, há quatro semanas, em um relatório de 421 páginas que explica detalhadamente o instituto desde sua fundação, aponta indícios que levaram o órgão à quase insolvência financeira e apresenta caminhos que tornam o Ipasem superavitário.
O vereador Ênio Brizola (PT), que presidiu a Comissão Especial de Enfrentamento à Crise do Ipasem e dos Impactos da Reforma da Previdência, considera que a viabilidade do instituto passa, exclusivamente, pelo pagamento em dia da cota patronal.
“O nosso estudo, que contou com análise de pessoas técnicas, mostra que o Ipasem só não é superavitário quando o Executivo deixa de recolher o que lhe é devido. E isso tem se repetido praticamente desde o início da atual gestão”, pondera. Brizola expõe que, no ano passado e durante os nove meses de 2021, a Prefeitura deixou de recolher a parte patronal.
O estudo promovido pela Câmara de Vereadores, contudo, é mais detalhado e indica que o Executivo tem uma dívida de quase R$ 500 milhões com o Ipasem. “Está clara a intenção, em especial da prefeita Fátima (Daudt), em tornar o órgão insustentável para que ele sucumba”, opinou a presidente do Sindicato dos Professores (SindProf), Luciana Martins. A entidade tem se destacado por provocar discussões constantes em defesa do Ipasem.
O que diz a prefeitura de Novo Hamburgo
O secretário da Fazenda de Novo Hamburgo, Betinho dos Reis, refuta essa afirmação. Segundo ele, a situação do Ipasem já vem sendo debatida pelo próprio Executivo há muito tempo. “A saúde financeira do instituto interessa muito à administração, pois pode afetar a capacidade de investimentos do município”, coloca. Ele explica, ainda, que a Prefeitura contratou uma auditoria para examinar as contas do Ipasem muito antes mesmo de a Câmara se interessar pelo assunto.
Por isso, diz o secretário, medidas já estão sendo tomadas para resolver o déficit atuarial do órgão, como o recente envio e aprovação pela Câmara de Vereadores de projetos de lei que alteram o regime de previdência para o funcionalismo público que ingressar no quadro efetivo da Prefeitura a partir de 12 de novembro.
“Com a definição, que não atinge os servidores já ativos, os servidores públicos terão suas aposentadorias e pensões pelo Ipasem limitadas ao teto do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), que corresponde ao valor de R$ 6.433,57”, conclui.
Atualmente não há teto.
As 11 medidas que eram 12
Entre as 11 medidas apresentadas pela Câmara, uma das principais, na visão do relator do processo, o vereador Felipe Kuhn Braun (PP), é a realização de uma auditoria independente nas contas do Ipasem para confrontar uma análise apresentada pela entidade contratada pelo Executivo.
Essa empresa justifica o rombo nas contas do instituto com a utilização de recursos financeiros para outros fins, que não os previdenciários, e a aumentos salariais para os segurados do Plano Previdenciário acima da inflação e superando a premissa de crescimento salarial em anos anteriores.
Já Brizola classifica a auditoria paga pela Prefeitura como uma cortina de fumaça para esconder o real motivo do rombo previdenciário — que é a falta de compromisso do Executivo em recolher a parte patronal. Por conta disso, o parlamentar sustenta outra recomendação do relatório final. “Queremos explicações do Executivo sobre o que foi feito com o dinheiro que a Administração deixou de repassar ao Ipasem referente a cota patronal”, finaliza.
“O Ipasem está deficitário porque a Prefeitura não fez sua parte, pois já houve inclusive aumento da alíquota do que é descontado dos servidores. Então, de fato, esse dinheiro existiu e a Prefeitura utilizou parte deste dinheiro em outras áreas”, corrobora Felipe Kuhn Braun.
Antes do relatório ser concluído, os membros da comissão cogitaram apresentar uma 12ª medida, mas essa acabou ficando pelo caminho. Era a instalação, no âmbito do Poder Legislativo, de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI). O que também segue no papel ainda são as 11 recomendações firmadas.
“Ainda não foi feita (a auditoria independente). Na verdade, não temos como realizar ela paga pela Câmara e ainda não chegamos a ver qual vai ser o meio (para realizá-la)”, salienta o relator da comissão especial.
O Executivo não quis tecer considerações em torno do resultado da comissão. “Ipasem e Prefeitura irão realizar uma análise técnica de seu conteúdo”, sintetiza Betinho, secretário da Fazenda.
Beta Redação procurou o comando do Ipasem para comentar a situação, mas a diretora-presidente, Maria Cristina Schmitt, não atendeu às ligações, nem retornou o contato feito. Já o coordenador Jurídico do órgão, o advogado Lucas do Nascimento, disse que não é autorizado a se posicionar em nome do Ipasem, especialmente por se tratar de um “debate com viés político”.
Vereadores querem que MP e Tribunal de Contas investiguem o caso
Os parlamentares que lideraram a comissão especial garantem que o Ministério Público (MP) e o Tribunal de Contas do Estado (TCE) foram notificados da situação e receberam cópia do relatório final. A intenção dos vereadores é de que o documento subsidie investigações que tramitam nos órgãos fiscalizadores desde o segundo semestre do ano passado.
O caso envolvendo o Ipasem chegou ao conhecimento do MP e do TCE por intermédio de denúncias feitas pelo SindProf. “Estamos aguardando posicionamento dos órgãos, enquanto isso, vamos iniciar uma nova discussão e propor a implementação de uma previdência complementar”, adianta Luciana Martins, do SindProf.