CRÍTICA: Forte e envolvente, série brasileira retrata sociedade onde a mulher é desacreditada

Bom dia, Verônica mostra com realismo, como a mente cruel de um serial killer inteligente e perigoso funciona

Thariany Mendelski
Redação Beta
4 min readApr 23, 2021

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A personagem Verônica Torres na delegacia de Homicídios de São Paulo (Foto: Reprodução/Netflix)

Suspense e investigação policial são os ingredientes da nova série brasileira da Netflix. Bom dia, Verônica, é inspirada no livro de mesmo nome, assinado por Ilana Casoy e Raphael Montes. Com apenas oito episódios, a história consegue ser bem enxuta e vai direto ao ponto. O enredo traz casos de violência doméstica contra a mulher em todas as suas formas, além de assassinatos em série, abuso de poder, corrupção e golpes virtuais, temas que são de extrema relevância para debates recorrentes no Brasil e no mundo.

A vida de Verônica se transformou completamente depois que seu pai, o delegado Júlio Torres, foi descoberto envolvido em um esquema de corrupção e, na hora da captura, foi baleado juntamente com a esposa. A escrivã carrega nos pulsos o efeito que esse evento causou, mesmo que seu pai tenha sobrevivido — em estado vegetativo. Desde então, Verônica passa seus dias protocolando documentos e todas as burocracias que Wilson Carvana, delegado titular e amigo íntimo de seu pai, exige. A série, desde o início, traz cenas marcantes. Após presenciar um suicídio dentro da delegacia, por uma mulher que não conseguiu denunciar seu abusador de modo apropriado, Verônica decide usar toda a sua habilidade investigativa para ajudar duas mulheres desconhecidas que foram agredidas.

A primeira é uma jovem que se vê enganada por um golpista na internet. E a segunda é Janete, esposa submissa do tenente-coronel Cláudio Brandão, um policial militar de alta patente que a maltrata e leva uma vida dupla. Ele também é um perigoso assassino em série que força sua mulher a auxiliar seus crimes. Por baixo da aparência de dona de casa tranquila, está uma mulher torturada física e psicologicamente por seu marido.

Violência contra a mulher

A submissão e o medo de Janete, que é constantemente agredida e humilhada, está presente em cada olhar ou postura da personagem, garantindo a empatia e o desespero do espectador. Janete é mais uma vítima de uma sociedade machista, com um marido que a afastou de sua família e de qualquer fonte de confiança para quem poderia denunciar. Não é surpresa que a mulher veja Verônica como um porto seguro, repleta de paciência e sensibilidade necessárias para lidar com uma situação desse nível de perigo.

Janete se torna uma prisioneira dentro da própria casa, da própria vida (Foto: Reprodução/Netflix)

Série aborda assuntos atuais da sociedade brasileira

Nos últimos anos, a Netflix vem investindo pesado em produções brasileiras e, mesmo com toda qualidade dos produtos e bom trabalho de divulgação, o público brasileiro ainda possui uma certa resistência para assistir séries nacionais. A série traz uma história envolvente e com um enredo muito bem pensado, além de tocar na ferida de muita gente por aí, falando sobre violência doméstica, feminicídio, corrupção e ética.

Apesar da classificação indicativa ser de 18 anos, o público precisa saber que existem cenas violentas e pesadas na narrativa que podem chocar. O mais triste da situação é perceber que trata-se de uma história que não está muito longe da realidade.

Vivemos numa sociedade onde a palavra da mulher é desacreditada, onde vítimas são taxadas de loucas ou dramáticas, e onde o status social dos agressores tem relevância como fica evidente no caso do tenente-coronel, inclusive na hora de enfrentar a justiça. O flerte com o realismo e o exagero são constantes na obra. A série, em muitos momentos, tenta navegar um caminho entre algo mais sério e complexo, porém, não é raro alguém soltar uma frase clichê ao longo da trama como: “a justiça não serve pra nada”, e outras frases prontas para expressar indignação.

A forma como Brandão ataca as mulheres se torna o foco principal da série, com cenas fortíssimas de violência. Verônica, aos poucos, consegue a confiança de Janete, porém, os encontros das duas trazem agonia para o expectador, pois há sempre o medo de serem vistas e acabar com toda a investigação.

Tainá Müller, Camila Morgado e Eduardo Moscovis estrelam a série

Apesar de se destacar em comparação a outras séries policiais, o roteiro tem pontos fracos, como algumas coincidências pouco verossímeis, além de ações dos personagens que não batem com a realidade. Por outro lado, a série conta com grande elenco e ótima direção. A escolha da trilha sonora também foi certeira, apenas músicas brasileiras, em sua maioria compostas ou gravadas por mulheres.

Bom dia, Verônica é uma série forte, daquelas repletas de gatilhos que nos lembram de como é difícil ser mulher neste país. Mostra como a abordagem da polícia ainda é imprópria em vários aspectos, especialmente na coleta dos depoimentos, ocasião essa em que a vítima é muitas vezes desacreditada e desrespeitada em um dos seus momentos de maior fragilidade.

Histórias como essas devem ser mostradas sim, mas pessoas que já passaram por isso devem ter cuidado ao assistir, pois podem desencadear novo sofrimento.

No geral, Bom Dia, Verônica consegue prender o espectador na cadeira pelo suspense, brutalidade e ação, ao mesmo tempo que conscientiza sobre um dos piores males da sociedade brasileira. A série deixa uma mensagem que muita coisa pode ficar impune, apesar dos esforços, o que não deixa de ser a realidade.

Ao final da série, a personagem principal nos surpreende e a trama toma um rumo bem diferente daquele proposto nos episódios iniciais. Nós, telespectadores, ficamos nos perguntando o que virá em seguida e como será a próxima temporada, já garantida pela Netflix.

Trailer oficial da série Bom dia, Verônica (Divulgação/Netflix)

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Thariany Mendelski
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