Da brincadeira de criança à profissão

O cartunista Moa Guterres fala sobre a paixão pelo desenho que lhe acompanha desde a infância

Juan Gomez
Redação Beta
5 min readNov 26, 2019

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De chinelo de dedo, chimarrão embaixo do braço, sorriso no rosto e rodeado de livros. Esse é mais um dia comum de trabalho para Moacyr Guterres, o Moa. Natural de Porto Alegre, desde criança ele se destacava com seus desenhos e passava o tempo livre fazendo ilustrações. Distrações de criança fizeram deixar o desenho de lado na época. Mas foi durante a faculdade de Jornalismo que essa paixão voltou. “Aí que me dei conta que levava jeito pra coisa”, relembra.

Para a realização de um jornal da faculdade, além da parte escrita, era necessário que alguém realizasse ilustrações para trazer mais qualidade ao trabalho. Ao ouvir o questionamento se alguém sabia desenhar, Moa respondeu: “Eu sei fazer isso, posso ajudar!”.

Foi assim que ele voltou a desenhar e nunca mais parou. Paralelamente à faculdade, Moa começou a trabalhar como desenhista em jornais de associações. Em 1986, ele festejava sua formatura pela PUCRS. Neste ano, teve certeza sobre seu destino profissional. “Vou ser chargista, cartunista, eu sou bom nisso”, recorda.

Até hoje, Moa atua como ilustrador. Trabalhando por demandas, colabora, atualmente, com a revista Estilo Zaffari, ilustrando os textos dos articulistas, que lhe enviam seus materiais para que possa ser criado o desenho.

Moa com o seu material de trabalho. (Juan Gomez/Beta Redação)

Acompanhando as tendências da tecnologia, Moa costuma fazer desenhos sobre o tema, muitas vezes criticando esses avanços tecnológicos. A ideia começou ao ver o seu filho Rodrigo, “Digo” como costuma chamar, estudando com os amigos à distância, por fotos de celular e com o envio de áudios. “Aí a gente percebe toda a mudança de uma época para cá. Vale destacar que os meus desenhos sempre vão ser feitos dentro do meu tipo de pensamento, da minha ética”, analisa.

Crítica à tecnologia. (Juan Gomez/Beta Redação)

Moa não optou por ser cartunista por acaso. O “feeling” de jornalista ajudou na escolha. Na sua bagagem, trabalhos importantes nos jornais O Sul, Zero Hora e Jornal do Comércio — um dos lugares mais importantes de sua vida profissional. Porém, o seu foco nunca foi voltado para os veículos de comunicação. Ele priorizou trabalhos em revistas e ilustrando livros.

Ídolos que o motivam

Santiago, Edgar Vazques e Rafael Corrêa são nomes de profissionais da área que marcaram a vida de Moa. Sempre que pode, observa bem o trabalho deles porque acredita que ali tem algo que pode lhe ajudar. “Aprendo muito com eles. Muitas vezes, as ideias que vejo servem como incentivo, mesmo tendo uma forma de pensar totalmente diferente”, pondera.

Registro feito antes de Eduardo se mudar para São Paulo. (Arquivo pessoal)

Para Eduardo Gutterres, de 23 anos, não há dúvidas sobre quem é seu ídolo: seu pai. “Sempre achei demais a profissão dele e eu via como um trabalho diferente do que qualquer outro pai, sentia e sinto muito orgulho”. E foi espelhando-se em Moa que Eduardo seguiu a carreira artística como músico. “É bonito ver a maneira como ele lida com a arte como um emprego e não faz arte pela arte. Ele consegue atingir várias frentes diferentes na profissão que exerce: humor, cartoon e desenhos. Às vezes, me assusto com as ideias que ele tem”, enfatiza.

Quando pensa na sua carreira até agora, Moa reconhece que chegou em um patamar bom na profissão. Exigente consigo mesmo, ele percebe que para continuar bem é preciso estar em constante crescimento, não ficar parado. Por isso, Moa está sempre em busca de conhecimento e de realizar várias demandas bem feitas.

Apesar de suas conquistas, às vezes, ele se considera um “enganador”. Como todo profissional, Moa tem seus altos e baixos, e mesmo sabendo do seu potencial, acredita que sempre tem algo que pode ser melhorado. Por isso, sofre com crises e, em alguns momentos, necessita parar de produzir por uns dias para poder voltar ao trabalho e ser eficiente. A saída de Moa para se distrair em meio a essas crises é organizar e limpar a casa.

Alguns dos prêmios recebidos em salões de humor. (Juan Gomez/Beta Redação)

A exigência consigo mesmo não é em vão. Moa ganhou prêmios em vários salões de humor que participou pelo mundo. Um exemplo é o Piracicaba, salão mais antigo do Brasil e um dos principais do planeta. “Até prêmio da Turquia consegui conquistar. Um festival super importante. Esse e os outros troféus mostram como o trabalho é reconhecido”, comemora.

Em 2014, Gutterres participou da criação de uma longa-metragem de animação. O filme foi inspirado no livro de Érico Veríssimo “As Aventuras do Avião Vermelho”. Moa foi diretor de arte dessa produção, algo que se orgulha muito. “Nunca tinha participado de algo parecido, foi maravilhoso”.

Quem é Moa fora do trabalho?

Um dos desenhos feitos por Moa em shows ao vivo. (Juan Gomez/Beta Redação)

A música é uma das paixões de sua vida. Ele vive não apenas em meio aos livros, mas também em meio a instrumentos musicais. E agora, depois de mais de 30 anos de carreira, ele teve a ideia de unir as duas coisas que mais gosta: música e desenho. Com isso, em setembro deste ano, Moa começou um novo projeto em parceria com o bar Agulha. Com o seu caderninho e canetas em mãos, ele desenha os shows que ocorrem no local para que, no ano que vem, possa ser feita uma exposição desses trabalhos. “Estou me sentindo bem fazendo isso, é uma felicidade inédita”, celebra.

As redes sociais, de certa maneira, salvam os momentos de solidão de Moa. Diferente do músico, que ao fazer um show sabe exatamente a reação do seu público, o desenhista faz o seu trabalho e tem menos noção do que as pessoas estão achando. Por isso, Moa procura, de vez em quando, dar uma observada nos comentários das publicações dos seus trabalhos nas redes sociais e nas mensagens recebidas de quem lhe acompanha.

O futuro e a profissão

Com 57 anos, Moa está na expectativa de lançar um livro que resuma sua carreira. A data prevista para o lançamento é junho de 2020. “Acredito que é importante concluir essa etapa para dar valor ao meu próprio trabalho”, assegura.

Mesmo olhando para trás e vendo tudo o que já conquistou, Moa ainda possui um sonho: continuar desenhando por muito tempo. “A minha vida é desenhar, quero fazer isso o quanto puder”.

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