Colagem “Hipnose” da exposição “A escolha do acaso”. (Foto: Arquivo pessoal/ Dedé Ribeiro)

Da produção às colagens manuais: a trajetória de Dedé Ribeiro

A produtora cultural, professora e artista mostra seu novo trabalho em “A escolha do acaso”, exposição de 2020

Carolina Santos
Redação Beta
Published in
11 min readJun 5, 2021

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Dedé começou o seu trabalho de Produção Cultural em uma época de efervescência da arte gaúcha. (Foto: Arquivo Pessoal/Martina Mombelli)

Dedé Ribeiro é uma referência nos circuitos de produção cultural. Formada em Jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) em 1979, lançou sua carreira como produtora com a Canazul. Desde então, é responsável pela produção de shows e discos como os de Nei Lisboa, Nelson Coelho de Castro, Arthur de Faria e Quartchêto. Atualmente, tem se aproximado das colagens manuais. Em 2020, lançou a exposição “A escolha do acaso”, com curadoria de Francisco Dittrich.

Com pós-graduação em Produção Cultural pela Universidade de Paris I / Sorbonne, na França, e mestrado em Artes Visuais na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), sua trajetória na Produção Cultural já tem mais de 40 anos. Foi produtora da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), diretora da Usina do Gasômetro e coordenadora geral do Santander Cultural. De 2003 a 2007, foi coordenadora de comunicação da Rede Metodista de Educação IPA, onde foi a responsável pela criação do curso de Música. Também, foi diretora de produção da programação cultural oficial do III Fórum Social Mundial.

Seu trabalho não se prende ao Brasil. Trabalhou com turnês de artistas gaúchos e a criação de festivais na Europa, com destaque para França, Áustria, Portugal e Suíça. Além de trabalhar com a produção em si, é professora de produção e divulgação desde 1988 — lecionando em cursos privados e instituições como IPA, UFRGS, Unisinos e Castelli. Atualmente, conta com um canal do YouTube em que expõe o mundo da Produção Cultural.

Ela é criadora e sócia da Liga Produção Cultural. Hoje, dedica-se à área de formação, com cursos técnicos ministrados no Centro Histórico-Cultural da Santa Casa (CHC Santa Casa), palestras, workshops e também à consultoria personalizada a artistas e produtores. O seu lado artista se encontra na dramaturgia, com algumas peças de teatro, além do trabalho mais recente de colagens manuais.

A Beta Redação conversou com Dedé Ribeiro por videochamada. Falamos sobre sua trajetória, novos projetos e histórias que a marcaram.

Olhando teu Instagram, Dedé, tu tem postado muitos trabalhos com colagens. Quando começou esse teu interesse em colagens?

Eu sempre estive muito perto das artes visuais. Já produzi algumas coisas de artes visuais. O meu filho é curador de arte, sempre teve galeria. Minha nora também. Ela trabalhava em uma galeria de arte em São Paulo especializada em colagens, a galeria Recorte. E eu gostava muito de ver as colagens, de ir lá, mas nem me passava na cabeça fazer. Há seis anos, comecei a estudar neurociência e fiz um seminário muito maluco onde fiz uma dinâmica que eu falava comigo quando era criança. E eu criança falei para mim hoje que eu estava decepcionada com o que eu tinha me tornado, porque eu tinha parado de desenhar. Eu nem sabia que eu gostava de desenhar, foi só esse insight. Voltei pra casa e aquilo não me saía da cabeça. No outro dia de manhã, saí para comprar material, fui atrás, pensei: “vou tentar fazer colagem”. No início, tinha mais desenho do que colagem. Eu queria cortar a narrativa do meu trabalho para separar da coisa da dramaturgia. E após a última exposição, a gente pôde perceber que já tinha horrores de narrativa. Então, o desenho diminuiu e a narrativa em imagens aumentou.

Dedé começou a fazer colagens depois de uma imersão. Acima, obra “Inconsciente” da exposição “A Escolha do Acaso”. (Foto: Arquivo pessoal/ Dedé Ribeiro)

E a exposição “A Escolha do Acaso”, que ocorreu antes da pandemia, em 2020, como foi o processo de produção?

A primeira exposição que eu fiz, que foi “Diagnóstico por colagem”, usava muitos exames médicos. Por isso o nome, inspirado no diagnóstico por imagem, de laboratório. Usava muita coisa de radiografia, porque eu tive um problema. Comecei a desmaiar nos aviões e tive que fazer muitos exames para tentar descobrir o que era isso. Então eu tinha exames incríveis, super lindos, e eu olhava aquilo e pensava: “que bonito esse exame”. E quando o médico descobriu o que era, eu não precisava mais daqueles exames.

Colagem “O que o poder provoca em você?” da exposição “Diagnóstico por colagem”, feita a partir de exames da artista. (Foto: Arquivo pessoal/ Dedé Ribeiro)

A única coisa que eu precisava era beber água antes de entrar no avião, porque eu tenho uma coisa que se chama “síncope vasovagal”. O nervo vago não recebe as informações da despressurização e daí tu apaga. E quando eu tive a notícia que estava tudo ok, eu peguei aquele monte de exame e comecei a fazer colagens em cima deles. Ficou legal e eu usei a neurociência, que eu estudo. Para essa exposição, o nome de cada obra era uma pergunta. E o público, quando entrava na exposição, recebia uma prancheta para responder as perguntas e depois colocava em uma urna. E essa exposição eu fiz em Porto Alegre, depois fiz em São Paulo, justamente naquela galeria que eu tanto gostava, a Recorte.

Depois comecei a fazer um novo trabalho. Comecei a criar “A Escolha do Acaso”. Como diz o nome, a exposição versa sobre essa coisa, o que é o acaso e o que é a escolha, a decisão. É uma coisa muito interessante pensar sobre isso. Então, criei uma roleta toda feita em madeira e colagem e essa roleta ficava na entrada da exposição. O público girava a roleta e, conforme o número que caía, as pessoas iam procurar aquela obra dentro da exposição. A obra tinha um número e um recado para a pessoa, tipo um oráculo. Foi superdivertido. A gente montou no Centro Cultural da Santa Casa a convite deles. O Francisco Dittrich foi curador e foi incrível, porque a gente desmontou dia 12 de março e dia 18 de março fechou tudo por conta da pandemia. Tem um monte de gente que me escreve dizendo “a tua exposição foi a última coisa que eu fui ver”.

Roleta que ficava na entrada da exposição “A escolha do Acaso”, feita de madeira e colagens. Cada parte remete a uma obra diferente que podia ser encontrada na galeria. (Foto: Arquivo pessoal/ Dedé Ribeiro)

Enquanto estava tudo fechado, a Juliana Pandolfo, da Tum Tum Produções, colocou a minha exposição em um edital de Caxias, para levar para lá. E ganhamos o edital. Em dezembro, eu fui pessoalmente com o Francisco e montamos a exposição. Teve uma exposição virtual, gravei uma visita guiada, mas as pessoas também puderam visitar. Só tinha que entrar uma pessoa ou família por vez na galeria.

E como é sair do papel de produtora para o papel de pessoa que está sendo produzida?

Eu evito me produzir, porque acho que não dá para fazer as duas coisas direito. Eu nem coloco meu trabalho em edital nenhum, nada. Se tem algum produtor que quer colocar, beleza, estou aceitando, mas senão eu não faço. Eu acho difícil a gente se vender. Sempre achei complicado isso. Acho mais fácil ter alguém para dizer que teu trabalho é legal, do que eu mesma dizer, “ah, meu trabalho é ótimo”. Mas acho que sou uma artista boa de ser produzida, porque eu entendo a dificuldade dos produtores. Não encho o saco, não me meto muito. Mas claro que dou ideias. Daqui a pouco eu não aguento, eu dou ideias, eu sugiro pessoas para trabalhar junto, essas coisas.

Colagem “Fragmentação” da exposição “A Escolha do Acaso”. A artista também ministra cursos de colagem para iniciantes. (Foto: Arquivo pessoal/ Dedé Ribeiro)

Durante a pandemia nossa rotina mudou totalmente, como foi essa alteração da tua rotina, como produtora, artista e professora?

No começo da pandemia, a gente tinha acabado de gravar o curso em vídeo de Produção Cultural da Liga, sem relação nenhuma com a pandemia. A gente também tinha entregado a sede da produtora. Foi uma coisa muito estranha. A gente fez todo esse movimento em dezembro e logo em seguida começou a fechar tudo.

Temos um projeto gigantesco. Uma peça de teatro que vai para 80 cidades brasileiras, da Fundação Sicredi. A gente começou a ensaiar e começou a fazer o figurino e o cenário, e parou tudo, foi um drama para todo mundo que está envolvido. São 14 ou 15 pessoas na equipe, e todas ficaram sem grana, uma coisa bem difícil. A gente está pensado formas alternativas. Talvez algo híbrido, mas é complicado, porque o elenco é todo muito jovem. Uma peça para adolescente, e ninguém está vacinado.

A tua trajetória começou muito antes das colagens, com a produção cultural, esse interesse começou na faculdade de jornalismo?

Dedé cobrindo o Festival de Cinema de Gramado, para o programa “Opinião Jovem” da rádio Continental. (Foto: Arquivo pessoal/Dedé Ribeiro)

Eu comecei a trabalhar com jornalismo no primeiro ano de faculdade. Eu tinha 19 anos, não sabia nada de nada. Comecei a trabalhar com o Fogaça, que depois veio a ser prefeito de Porto Alegre. O programa foi um sucesso muito grande. Os artistas iam lá e gravavam as músicas e elas entravam na programação. Então, ela estava na base, no alicerce da música popular gaúcha e eu entrei ali. Isso foi em 76. É, faz tempo!

Comecei a conhecer os artistas e os músicos que estavam ali. Como eu era repórter de rádio, entrevistava, por exemplo, o cara que era dono de um teatro, e daí ele dizia “ah, meu teatro está vazio” e os músicos “ah, queria me apresentar em um teatro um dia”.

E eu pensei “não, mas espera aí, eu posso te apresentar para o dono do teatro”. Comecei a fazer essa ponte, que eu nem sabia que se chamava produção.

E daí em 77 eu produzi o meu primeiro show. Era muito estranho isso, porque cada um inventava seu jeito de produção. Todo mundo ia batendo com a cara na porta e resolvendo.

Então, eu comecei a fazer assessoria de imprensa para outras empresas de produção. Eu fazia uma divulgação que era muito criativa, sempre colocava umas coisas nos releases, fazia umas performances nas redações de jornal. Como eu trabalhava com um monte de empresas de produção, comecei a ver o que cada uma delas fazia melhor do que a outra, porque cada uma tinha inventado seu método. Eu fui pegando o que tinha melhor de cada um, montei um método e daí fiz o primeiro curso de produção cultural em 86.

Depois que eu dei esse primeiro curso, que fiz todo baseado no que vi na produção local, pensei que se eu descobrisse como que as pessoas produzem no resto do mundo eu ficaria muito boa nisso. Daí que resolvi ir para a França fazer o mestrado. E foi ótimo. Voltei com um método super afiado.

A Usina do Gasômetro está fechada desde 2017 e, de lá para cá, a reforma dela tem sido adiada, assim como os recursos diminuídos. Como foi ser diretora do projeto em 1996?

Depois que voltei da França, fiquei um tempo fazendo assessoria de imprensa. Voltei de lá querendo fazer gestão de espaço público, de espaço cultural, e não conseguia. Ninguém me dava uma oportunidade de trabalhar em alguma coisa assim. Fui percebendo que os teatros ou eram de famílias ou eram de partidos políticos, e eu não conseguia mostrar que eu tinha um potencial de fazer aquilo render mais. Então, foi bem difícil esse início.

Fiquei bem amarrada lá [na Usina do Gasômetro]. Consegui um dinheiro para fazer a reforma e tudo, só que a Prefeitura perdeu o dinheiro por conta de prazos. Foi muito ruim essa minha experiência, muito frustrante, e desde então decidi que não ia trabalhar no serviço público, não deu. Era muita coisa de política e eu sou uma técnica, não adianta.

Eu adorava trabalhar na Unisinos, e só saí porque eu fui convidada para criar o Santander Cultural e isso eu não podia negar.

Saí de lá e fiquei um pouco no Salão de Atos da UFRGS. Quando estava lá, fui convidada para trabalhar na Unisinos. E aí sim, na Unisinos deu para fazer muita coisa, foi muito legal. Cuidava de todos os grupos culturais, orquestras, corais, grupo de dança, grupo de teatro, cuidava da programação dos teatros, a gente fez disco, levou a orquestra para a Argentina. Nossa! Fizemos horrores de coisas na Unisinos. Eu adorava trabalhar na Unisinos, e só saí porque eu fui convidada para criar o Santander Cultural e isso eu não podia negar.

E quanto aos editais? Desde que o Bolsonaro assumiu, o Ministério da Cultura deixou de ser Ministério, e agora é a Secretária Especial da Cultura. E as Leis de Incentivo estão sendo alteradas. Como isso impacta a forma de fazer Produção Cultural?

Depois que eu saí do Santander Cultural, a gente criou a Liga Produção Cultural. Era só eu e a Luiza Pires. A gente tinha vários eixos na Liga. Um eixo que era de dar aula, outro de representar artista e outro de fazer projetos culturais.

Nos demos conta que não dava mais para atirar para todos os lados, tem que focar em alguma coisa. Então, nós paramos de representar artistas e a gente passou a trabalhar só com projeto cultural. Trabalhar só com projeto cultural te torna totalmente dependente dos mecanismos. A gente ganhava muitos editais, ganhamos tudo: Natura, Banco do Brasil, Caixa Federal e Itaú Cultural. Todo ano a gente ganhava uns dois e trabalhava em função desses patrocínios que eram via Lei de Incentivo.

Quando assumiu o Bolsonaro, a coisa começou a complicar. Eles começaram a criar limites dos projetos. A máquina parou de funcionar.

Então, são projetos que, a priori, não teriam maiores problemas com a mudança de qualquer governo. Mas quando assumiu o Bolsonaro, a coisa começou a complicar. Eles começaram a criar limites dos projetos. A máquina parou de funcionar. Ou seja, tu levava muito tempo para aprovar um projeto. As pessoas não respondiam as demandas. Começou a ficar bem difícil trabalhar, mas a gente continuou trabalhando. E daí veio a pandemia e foi uma pá de cal em cima disso tudo que já estava ruim.

Durante tua jornada como produtora você viabilizou muitos projetos, qual é o teu favorito?

O “Qual vai ser”, a última peça que viajou da Fundação Sicredi. Eu gostava muito, porque o texto da peça era meu, como dramaturga, e foi um sucesso. Era para fazer 100 cidades e acabou fazendo 300 cidades, quatro anos viajando o Brasil. O diretor Daniel Colin e o Teatro Sarcaústico fizeram uma montagem super linda, super criativa. Era um orgulho para mim ter o meu texto viajando o Brasil inteiro. Tudo funcionava, e não é fácil tu colocar as pessoas dentro de um ônibus com cenário, luz, som, figurino e esse ônibus andar o Brasil inteiro.

Atores, técnicos, produtores e motorista com o público no último dia de circulação da peça “Qual vai ser?”, em 2015. (Foto: Arquivo pessoal/Dedé Ribeiro)

A peça era para adolescentes, sobre caminhos de vida. Ela era bem-humorada. O público-alvo era para final de Ensino Médio e primeiro ano de faculdade. A gente apresentava às vezes em faculdade, às vezes em ensino médio, às vezes em teatro aberto. Sempre assim, 400–500 pessoas por apresentação.

O resto é incontável. A quantidade de coisas legais, os festivais no exterior, as turnês com os artistas. Uma coisa que dava praticamente zero dinheiro. Às vezes, até alguma despesa, mas um prazer imenso de fazer. A gente fez turnê com Arthur de Faria, fomos para Praga, para Viena, foi super legal. Festivais na França, em Viena também. Essas coisas são lembranças bem boas do meu trabalho de produtora.

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