Mais de 6 mil profissionais da saúde são afastados no Brasil por suspeita de Covid-19

Trabalhadores de hospitais e ambulatórios relatam o duro cotidiano de enfrentamento à epidemia em instituições do Rio Grande do Sul

Gustavo Machado
Redação Beta
5 min readApr 14, 2020

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O Brasil soma 18 mortes de profissionais da saúde, sendo 11 da enfermagem e sete médicos. (Foto: Pixabay/Rottonara)

Expostos aos riscos de contágio, os profissionais da saúde precisam adotar medidas minuciosas de higienização para que tanto a saúde própria seja preservada, como também a dos seus familiares. De acordo com reportagem do programa Fantástico, que foi ao ar no último domingo, dia 12 de abril, No total, foram 6.743 profissionais afastados no Brasil e, entre os que conseguiram realizar o teste, pelo menos 1.400 foram confirmados com a doença Covid-19.

A rotina está longe de ser como era há alguns meses. O medo passou a ser uma palavra constante no dia a dia. De fato, eles estão na linha de frente contra um elemento responsável pela morte de 125.476 pessoas no mundo inteiro, de acordo com dados publicados às 19h30 de terça-feira, 14 de abril.

Geórgia Weisheimer, 24 anos, é técnica de enfermagem em Portão. Ela ressalta que, embora todos tenham o mesmo risco de contágio, é o técnico quem tem o contato com a secreção, com a tosse e com o espirro do paciente. Ou seja, é trabalho deles manusear o indivíduo infectado em uma aproximação inevitável, porém necessária para cuidar de uma vida — ainda que as suas também precisem ser preservadas.

A higienização, que sempre foi básica e procedimento padrão entre todos os colegas profissionais, hoje é delicada e cuidadosa. Geórgia descreve como é o procedimento feito por ela após encerrar o seu trabalho. “Meu banho é no hospital. A roupa fica na lavanderia, inclusive o sapato. Lavo a roupa com sabão e o sapato com hipoclorito para desinfetar”, conta.

Nesses casos, ao chegar em casa, os profissionais da saúde já retiram todas as roupas e os calçados, de modo que a vestimenta não tenha contato com os cômodos de suas residências. Geórgia atenta para esse cuidado, que é de fundamental relevância. “Depois que saio do hospital, sapato e roupa não entram dentro de casa. Também deixo pano encharcado com hipoclorito na porta, dependendo o calçado que eu entrar, para que seja desinfetado”, relata.

O cuidado com a família também acaba sendo uma preocupação para essas pessoas, principalmente se há familiares que estão no grupo de risco, já que o vírus tem alta capacidade de disseminação entre idosos e pessoas com doenças crônicas. Como medida de proteção, Geórgia optou por se afastar de seus familiares. “A minha mãe e a minha vó pertencem ao grupo de risco. No momento, não as vejo. Prefiro assim, mesmo sendo difícil a distância”, revela.

Os profissionais da saúde não são imunes, são humanos e convivem, diariamente, com o perigo. Em uma entrevista para a CNN Brasil, no último sábado, 11 de abril, o secretário municipal da saúde de São Paulo, Edson Aparecido do Santos, informou que chegava a 10 o número de mortes de profissionais da saúde nos três dias anteriores.

No Rio Grande do Sul, a primeira morte foi confirmada na terça-feira, 7 de abril. A vítima era uma técnica de enfermagem que prestava serviço ao Grupo Hospitalar Conceição. Residente de Alvorada, ela estava internada desde o dia 2 de abril, no Hospital Conceição. A profissional de saúde pertencia ao grupo de risco, com problemas respiratórios.

Elisa Santos, 36 anos, é enfermeira de um hospital na região do Vale dos Sinos e responsável por atender pacientes com o novo coronavírus. O hospital em questão — que ela prefere não mencionar — , desde que começaram os planos de contingência, está promovendo reuniões diárias, mais de uma vez ao dia, para elaborar estratégias para as equipes médicas e para os pacientes.

Uma agenda cirúrgica, que contemplava os procedimentos de 15 dias, foi cancelada no tempo recorde de dois dias. Nessas cirurgias, Elisa fazia a linha de frente junto a outras duas funcionárias. Com a pandemia instalada e os riscos iminentes, os pacientes entenderam a situação e prontamente aceitaram o cancelamento. Apenas as cirurgias de urgência foram mantidas.

Dentro do ambiente hospitalar, são frequentes as sensações de medo, ansiedade, insegurança, mas também de coragem, conta a enfermeira. “Como profissional, me vi responsável pela minha equipe, sabendo que alguns eram do grupo de risco e pensando como seria a estratégia para o serviço não parar”, pontua Elisa.

“Somos o maior veículo de transmissão, por mais que tomamos todos os cuidados de proteção ”, recorda a enfermeira Elisa Santos.

Elisa também opina sobre o fato de agora todos profissionais da saúde estarem sendo reconhecidos. “Pertencemos a uma classe sem piso salarial na qual ocorre muita desigualdade de salários. Nós trabalhamos com cargas horárias de dupla ou tripla jornada. Isso nos causa um esgotamento, não apenas físico, mas principalmente emocional. Agora somos heróis? Não, não somos. Somos profissionais, como tantos outros. Porém, desvalorizados até então. Será que agora seremos vistos? Sabendo que este é o ano da enfermagem, e tanto se fala do nursing now…”, desabafa.

A campanha “Nursing Now” foi lançada no Brasil no dia 24 de abril de 2019, em Brasília. (Foto: Pixabay/Dimhou)

O termo em inglês, que significa “enfermagem agora”, é o nome dado à campanha internacional de empoderamento dos profissionais da enfermagem. No Brasil, essa ação é vinculada ao Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) com o apoio do Centro Colaborador, da Organização Mundial da Saúde (OMS) para o desenvolvimento de pesquisa em enfermagem, associado à USP/Ribeirão Preto. O intuito da campanha é colocar os profissionais da enfermagem como elementos principais da área da saúde.

A enfermeira Elisa Santos também menciona os cuidados diários que toma para sua higienização, que vão além dos procedimentos padrão. O álcool gel é transportado na bolsa e no carro, tornando-se um insumo indispensável. Uma roupagem descartável é usada por cima do uniforme tradicional. As máscaras precisam ser constantemente trocadas por conta da umidade da respiração. As mãos frequentemente são lavadas, mais que o normal já praticado.

Por estar na linha de frente, a enfermeira consegue descrever a fisionomia de seus colegas: um sofrimento cercado de um medo quase que incontrolável precisa dar espaço a uma aparência calma e tranquila para que haja serenidade ao atender os pacientes. “Por várias vezes choramos ao sair do plantão. Estamos com o pensamento longe, querendo voltar para casa e, ao mesmo tempo, com medo de retornar e contaminar alguém”, confessa.

Elisa faz questão de relembrar a morte da primeira colega de profissão no Estado vítima da Covid-19. “Foi uma dor que atingiu todos os profissionais, pois somente nós sabemos o que vivenciamos diariamente.” Não basta toda a angústia, é preciso ter o equilíbrio emocional para não perder o chão diante de perdas, não só de pacientes, mas também de quem veste o mesmo uniforme branco.

Flávia Almeida é médica clínica e atende em uma unidade básica de saúde e em um pronto atendimento, ambos em Sapiranga. Em entrevista à Beta Redação, ela expõe os perigos vividos, o sentimento de valorização dos profissionais de saúde por parte da população e os procedimentos de higiene que foram adotados no seu dia a dia. Ouça:

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