Presos e egressos ganham oportunidades no mercado de trabalho

Em Canoas, detentos atuam na manutenção de escolas e praças e na confecção de roupas hospitalares

Jaime Zanatta
Redação Beta
5 min readApr 16, 2019

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Com Matheus Vargas

Da capina à pintura, apenados buscam experiência que contribuem para a reinserção no mercado de trabalho, em Canoas (Foto: Vinicius Thormann/Prefeitura de Canoas)

Dos 1.353 apenados dos regimes fechado, semi-aberto e monitorados por tornozeleiras eletrônicas de Canoas, na Região Metropolitana de Porto Alegre, 180 tiveram uma nova oportunidade no mercado de trabalho desde o início desse ano. A realocação profissional de detentos é a proposta do projeto Recomeçar, firmado entre a Superintendência de Serviços Penitenciários do Rio Grande do Sul (Susepe) e a Prefeitura.

Existente desde 2010, a iniciativa foi ampliada em 100 vagas no início de 2019. Porém, o Recomeçar é exclusivo para presos dos regimes semi-abertos do Instituto Penal de Canoas (IPC) e para monitorados por tornozeleiras. “Avisamos a Susepe que temos uma demanda e eles indicam quem pode trabalhar com a gente”, comenta a secretária do Desenvolvimento Social, Luísa Camargo.

Atuando na prestação de serviços em áreas públicas da cidade, os presos são contratados para a manutenção de praças e vias, por exemplo. Com essa ampliação no número de vagas de trabalho, os detentos também realizarão reparos em escolas e postos de saúde. Segundo a secretária, os serviços prestados são muito bons, pois “todos estão focados naquilo que fazem”.

A Lei de Execuções Penais (LEP) prevê a redução de um dia da pena a cada três dias trabalhados, com remuneração mensal de 75% sobre o salário mínimo, o que totaliza 748,50 reais. Entretanto, no município de Canoas, os detentos recebem uma bolsa-auxílio de 900 reais e uma cesta básica paga pela prefeitura.

A Susepe exige o sigilo dos nomes dos apenados para garantir a segurança dos presos que trabalham em vias públicas. Um deles aceitou falar por telefone. Ele foi preso há cinco anos por assalto à mão armada em flagrante e, durante três meses, cumpriu pena no Presídio Central de Porto Alegre. Ao ser solto, através do benefício de um habeas corpus, seguiu a vida.

Porém, em uma abordagem de rotina da Brigada Militar acabou preso novamente na Penitenciária Estadual de Canoas (PECAN) porque estava foragido. “Fiquei dois anos na rua e fui condenado nesse meio tempo, mas não dei bola para o processo”, relata. No semi-aberto há cerca de cinco meses, ele almeja uma recolocação no mercado de trabalho com a ajuda do Recomeçar. “Estou tentando arrumar um serviço. Se já é difícil para quem nunca foi preso, imagina para quem está no semi-aberto?”, pontua.

Para os detentos que ainda estão no regime fechado, em um dos quatro módulos da PECAN, também há oportunidades para a reinserção no mercado de trabalho. Além dos serviços internos realizados no complexo prisional, os presos também são responsáveis pela confecção de roupas de cama do Hospital de Pronto Socorro (HPS) e do Hospital Universitário (HU), em Canoas.

Compromisso com a ressocialização

Prestes a inaugurar uma Penitenciária Estadual com capacidade para 600 pessoas, a Prefeitura de Sapucaia do Sul assinou, no final de 2018, um convênio com a Susepe para ofertar vagas de trabalho a detentos.

O convênio tem validade de 12 meses e prevê que 50 apenados prestem serviços relacionados às Secretarias Municipais de Obras e de Serviços e Mobilidade Urbana. Sob monitoramento de tornozeleiras eletrônicas, seis detentos, desde o início de março de 2019, estão fixos no Cemitério Pio XII, realizando capina, corte de gramas e varrição no local.

O pequeno grupo substituiu outros funcionários públicos, deslocados para outros pontos da cidade. “Nosso principal objetivo é dar uma oportunidade de reinserção. Com isso, resolveremos um enorme problema de segurança, que é a reincidência aos crimes e, de quebra, diminuímos o déficit de vagas no sistema prisional”, ressalta o secretário municipal de Segurança e Trânsito de Sapucaia, Arno Leonhardt.

Já a Susepe tenciona que mais prefeituras adotem a iniciativa. “Estamos identificando mais cidades que tenham interesse nessa mão de obra, porém é preciso reforçar que esse funcionário não é eterno. Ao cumprir a pena, ele abrirá vaga para outro apenado”, declara o superintendente da Susepe, Mario Santa Maria Jr.

Cumpri a pena, e agora?

A Unisinos mantém o projeto Chance, que visa acolher o egresso do sistema prisional e adolescentes que cumpriram medidas sócio-educativas, oferecendo atendimento jurídico, social e psicológico. A iniciativa busca a reinserção do ex-detento na sociedade a partir da prática profissional e do apoio da família.

Um dos principais desafios do Chance, de acordo com a psicóloga Janaína Pio de Almeida, é a realocação dos egressos no mercado de trabalho. “Vivemos em uma sociedade em que as pessoas se identificam por suas funções. O que mais esses egressos do sistema prisional desejam é conseguir se manter fora da criminalidade e fazer disso um marco para uma nova vida”, relata.

Quem busca o projeto, além de emprego, está atrás de atendimento médico e social (Foto: Projeto Chance/Divulgação)

Muitos ex-detentos que buscam a iniciativa já foram atrás de vagas, porém não conseguiram se reposicionar profissionalmente. “Eles contam que foram aprovados nas entrevistas, mas quando entregavam a documentação e a ficha de antecedentes, a oportunidade sumia e as empresas nunca retornavam. Isso frustra, enfraquece e desmotiva”, ressalta Janaína.

Para tentar driblar essa realidade, o projeto Chance criou oficinas para a elaboração de currículos em parceria com o Sine, de São Leopoldo. Janaína avalia a necessidade de conscientizar as empresas em relação à iniciativa. “Com mais oportunidades, os índices de reincidência criminal vão diminuir. E, além do nosso trabalho, os ex-detentos necessitam de uma estrutura para dar conta das marcas que o cárcere deixa em suas vidas. Sabemos que para o empresário é difícil, porém, talvez, seja a saída para esse problema”, finaliza.

Apoio da lei

O Governo Federal publicou, em julho de 2018, no Diário Oficial da União (DOU), o decreto n° 9.450 que cria a Política Nacional de Trabalho no sistema prisional. O objetivo é garantir a presos e ex-detentos a recolocação em um emprego.

As empresas que devem garantir essa inserção, conforme o decreto, são as que vencerem licitações para prestar serviços ao Governo Federal no valor superior a 330 mil reais. Os apenados e egressos podem ter oportunidades em trabalhos relacionados à cozinha, limpeza e vigilância.

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