Prós e contras do reajuste no salário mínimo regional

Correção de 3,4%, aprovada pela Assembleia gaúcha, ainda motiva debate entre deputados e entidades empresariais

Tainah Gil
Redação Beta
8 min readMay 30, 2019

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Após ser remarcada três vezes por falta de votantes, sessão plenária lotou Assembleia. (Foto: Celso Bender/ALRS)

Por Tainah Gil e Stephany Foscarini

Foi aprovado na última terça-feira, 28, na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, o projeto de lei 172/2019, elaborado pelo Executivo, que reajusta em 3,4% o piso regional do Estado. Foram 43 votos favoráveis e 3 contrários à decisão que corrige as cinco faixas do salário mínimo, que variam entre R$ 1.237,15 e R$ 1.567,81. Essa foi a terceira tentativa de analisar a proposta referente ao piso regional, sendo a primeira em que a sessão não foi suspensa por falta de quórum.

Aprovada pela maioria dos parlamentares em votação, a correção do piso regional não agradou a todos. Conversamos com três deputados estaduais e representantes de duas federações ligadas à indústria e ao comércio para entender suas posições perante essa decisão.

Deputado Gabriel Souza (MDB) diz que governo leva em conta as discussões para formular o índice

Emedebista defende a necessidade de reformular o cálculo do piso regional. (Foto: Reprodução/Facebook)

Para o deputado Gabriel Souza (MDB), é importante ter uma política estadual de valorização do salário mínimo regional baseada em um cálculo. “O governo federal fez isso há alguns anos, calculando o Produto Interno Bruto (PIB) de dois anos atrás somado à inflação do período anterior para se chegar no reajuste fixo do salário mínimo nacional”, relata.

O deputado relembra que no Estado acontecem sempre um debate e uma negociação — que é mediada pelo governo — entre os sindicatos patronais e os trabalhadores. “A partir dessas discussões é que o governo decide o índice. Por isso acho interessante deixar uma proposta de cálculo às claras, ou fazer uma adaptação do cálculo do mínimo nacional”, ressalta.

“Valor pode agravar problema estrutural de alto custo da mão de obra”, critica o deputado Fábio Ostermann (Novo)

Para o parlamentar, o salário mínimo regional deve ser extinto pois dificulta a inserção de jovens ao mercado de trabalho. (Foto: Reprodução/Facebook)

O deputado estadual Fábio Ostermann (Novo) acredita que o piso regional acaba sendo um fator de exclusão do mercado de trabalho, justamente porque eleva a barreira de entrada para os trabalhadores mais jovens, menos experientes e menos qualificados. Para ele, estes são os que mais precisam de uma inserção no mercado de trabalho formal. “Este valor em cada uma das faixas pode agravar um problema estrutural que há no Rio Grande do Sul, de alto custo de mão de obra. Assim, tira a competitividade do Estado e leva cada dia mais as empresas para outros territórios e até mesmo países”, afirma.

Na opinião do deputado, o ideal seria extinguir o piso regional para fazer com que o Estado se volte para o salário mínimo nacional, como é feito em outras 22 unidades da federação. Apenas Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo e Rio de Janeiro têm mínimo regional. “Nosso Estado ainda tem um dos valores mais altos, principalmente na quinta faixa, que chega quase a R$ 1.600, cerca de 60% acima do nacional”, destaca.

“Por mais que seja uma medida bem intencionada, entendo que não é por meio do canetaço que se aumenta o salário dos trabalhadores, mas sim por produtividade, redução de encargos e tributos e pelo fomento à atividade empreendedora, que faz com que sejam criadas mais vagas.”

Mainardi (PT) compara reajuste do mínimo com o de salários da diretoria do Banrisul: “É injustiça e escândalo”

Antes de votar pela correção de 3,4% proposta pelo governador Eduardo Leite (PSDB), a bancada petista tentou garantir, através de emenda, o reajuste total de 4,61% — o mesmo concedido ao salário mínimo nacional. A intenção, no entanto, foi rejeitada.

O piso regional é inaceitável quando comparado ao salário dos bancários, segundo o petista. (Foto: Celso Bender/ALRS)

No ponto de vista do deputado estadual Luiz Fernando Mainardi, o salário mínimo foi criado para oferecer uma vida digna aos brasileiros, com alimentação e moradia. Trabalho, saúde, segurança e educação ficariam por conta do Estado, mas este não está conseguindo atender a demanda. “O aumento proposto por Leite é menor do que o piso nacional, de 4,61%. Atualmente o salário do presidente do banco público gaúcho está em média de R$ 52 mil e dos diretores, em torno de R$ 42 mil. O governo Leite quer subir o salário do presidente do Banrisul para R$ 123 mil e dos diretores para R$ 90 mil”, compara.

Para o deputado, é inadmissível que um cargo como este receba 88 vezes mais do que um professor estadual e 120 vezes mais do que um trabalhador gaúcho com piso regional. “Isso é injustiça e escândalo. O Banrisul aumentou o lucro e os banqueiros dos bancos privados ganham remunerações altas, mas não é justificativa. Um presidente de banco público receber R$ 1,4 milhões anuais é impossível para um Estado em crise”, conclui.

Na terça-feira, 28 — quatro dias após a entrevista de Mainardi à Beta Redação — , a Assembleia Legislativa aprovou as indicações do governo estadual para a diretoria e presidência do Banrisul. No entanto, os valores foram um pouco menores: R$ 72 mil para os diretores e R$ 89 mil para o presidente do banco.

FIERGS argumenta que a decisão interfere nas negociações coletivas de salários

Diretor da FIERGS também é a favor da extinção do piso regional. (Foto: Reprodução/Linkedin)

Para o diretor e coordenador do Conselho de Relações do Trabalho da Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul (FIERGS) Thômaz Nunnenkamp, o argumento de que o piso regional traz crescimento e dinamismo para economia é falacioso. “Os altos reajustes no piso regional dificultam o ingresso e a permanência dos trabalhadores mais fragilizados no mercado de trabalho, agravando o quadro do desemprego”, afirma.

De acordo com os dados mais recentes do IBGE, apontados por Nunnenkamp, o Rio Grande do Sul teve o segundo menor crescimento do PIB entre as 27 Unidades da Federação no acumulado de 2003 a 2016: apenas 27,6%, um resultado 32% abaixo do verificado para o Brasil no mesmo período (40,6%). Os estados que também adotam a política de mínimo regional — Paraná, Rio de Janeiro, Santa Catarina e São Paulo — figuram entre aqueles com a menor expansão do PIB nessa base de comparação. Na Indústria, a situação se mostrou ainda mais crítica: o PIB industrial gaúcho caiu 0,7% no período — também o segundo pior resultado entre as Unidades da Federação — , enquanto no país houve crescimento de 22,4%.

Segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED), dos 4,4 milhões de desligamentos ocorridos no Estado entre janeiro de 2015 e dezembro de 2018, 2,9 milhões foram de vínculos com remuneração de até 1,5 salário mínimo (65,6%), e 3,7 milhões de até 2 salários mínimos (84,1%).

(Fonte: CAGED)

Segundo Nunnenkamp, essa política representa uma interferência nas negociações coletivas de salários e esvaziamento do papel do sindicalismo. “A FIERGS reforça a posição pela extinção do piso regional, visto que não se trata de um instrumento capaz de gerar emprego e renda. Ao contrário, eleva os custos das atividades econômicas no território gaúcho, desestimulando o crescimento e afastando novos investimentos. Ele acaba contaminando os reajustes de outras categorias, mesmo que essa não seja sua função”, argumenta.

Para a Fecomércio, a correção está distante da realidade

O presidente da Federação do Comércio de Bens e de Serviços do Estado do Rio Grande do Sul (Fecomércio-RS), Luiz Carlos Bohn, diz que o reajuste leva o valor do piso estadual a um patamar descolado da realidade econômica do Rio Grande do Sul e, por isso, é inadequado. “Não existe nenhum parâmetro econômico relacionado à renda ou à produtividade médias, que poderia balizar pisos salariais e que se situe em patamar 24% superior à média nacional, como ficou a distância do nosso piso salarial estadual em relação ao salário mínimo nacional.”

Para Bohn, o piso salarial estadual só atinge categorias que não possuem negociação coletiva, que são uma minoria muito pequena de trabalhadores. “Nesse grupo, a produtividade e a renda média são mais baixas. Portanto, o efeito do piso é excluir trabalhadores mais humildes, justamente os que precisariam de mais proteção legal do mercado formal”, conclui.

Presidente da Fecomércio-RS argumenta que o salário mínimo regional não é favorável à maior parte dos trabalhadores. (Foto: Reprodução Flickr Fecomércio-RS)

Faixas corrigidas pelo piso regional

R$ 1.237,15: trabalhadores na agricultura e na pecuária, nas indústrias extrativas, em empresas de capturação do pescado (pesqueira), empregados domésticos, em turismo e hospitalidade, nas indústrias da construção civil, nas indústrias de instrumentos musicais e de brinquedos, em estabelecimentos hípicos, empregados motociclistas no transporte de documentos e de pequenos volumes — “motoboy” e empregados em garagens e estacionamentos.

R$ 1.265,63: trabalhadores nas indústrias do vestuário e do calçado, nas indústrias de fiação e de tecelagem, nas indústrias de artefatos de couro, nas indústrias do papel, papelão e cortiça, em empresas distribuidoras e vendedoras de jornais e revistas e empregados em bancas, vendedores ambulantes de jornais e revistas, empregados da administração das empresas proprietárias de jornais e revistas, empregados em estabelecimentos de serviços de saúde, empregados em serviços de asseio, conservação e limpeza, nas empresas de telecomunicações, teleoperador, “telemarketing”, “call centers”, operadores de “voip” (telefonia pela internet), TV a cabo e similares e empregados em hotéis, restaurantes, bares e similares.

R$ 1.294,34: trabalhadores nas indústrias do mobiliário, nas indústrias químicas e farmacêuticas, nas indústrias cinematográficas, nas indústrias da alimentação, empregados no comércio em geral, empregados de agentes autônomos do comércio, empregados em exibidoras e distribuidoras cinematográficas, movimentadores de mercadorias em geral, no comércio armazenador e auxiliares de administração de armazéns gerais.

R$ 1.346,46: trabalhadores nas indústrias metalúrgicas, mecânicas e de material elétrico, nas indústrias gráficas, nas indústrias de vidros, cristais, espelhos, cerâmica de louça e porcelana, nas indústrias de artefatos de borracha, em empresas de seguros privados e capitalização e de agentes autônomos de seguros privados e de crédito, em edifícios e condomínios residenciais, comerciais e similares, nas indústrias de joalheria e lapidação de pedras preciosas, auxiliares em administração escolar (empregados de estabelecimentos de ensino), empregados em entidades culturais, recreativas, de assistência social, de orientação e formação profissional, marinheiros fluviais de convés, marinheiros fluviais de máquinas, cozinheiros fluviais, taifeiros fluviais, empregados em escritórios de agências de navegação, empregados em terminais de contêineres e mestres e encarregados em estaleiros, vigilantes, marítimos do 1º grupo de aquaviários que laboram nas seções de convés, máquinas, câmara e saúde, em todos os níveis (I, II, III, IV, V, VI, VII e superiores).

R$ 1.567,81: trabalhadores técnicos de nível médio, tanto em cursos integrados como subsequentes ou concomitantes.

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