Sete em cada 10 municípios pesquisados descumprem a Lei de Acesso

Investigação mostra que mais de 3,1 milhões de gaúchos são prejudicados com deficiências na transparência passiva

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Redação Beta
6 min readJun 23, 2018

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Municípios da Granpal demonstram dificuldades de adaptação à Lei de Acesso, sancionada há seis anos. (Foto: Eric Machado)

Por Bolívar Gomes, Eric Machado e Leonardo Ozório

Difícil. É como a jornalista Jeniffer Gularte, da Zero Hora, define o processo de pedir informação para as administrações públicas. Em vigência desde maio de 2012, a Lei de Acesso à Informação (LAI) ainda é descumprida por parte de alguns municípios do Estado.

“(Os municípios) demoram muito para responder. Quando respondem, apenas indicam onde se deve achar a informação. Não enviam os dados completos. Isso me leva a preferir pedir certas informações via assessoria de imprensa”., condena Jeniffer.

Um levantamento realizado pela nossa reportagem confirma a queixa da jornalista que integra o Grupo de Investigação da RBS. O trabalho feito durante os últimos três meses aponta que 71,4% das cidades que integram o Consórcio dos Municípios da Região Metropolitana de Porto Alegre (Granpal) não atendem às exigências impostas pela legislação federal no que diz respeito à transparência passiva — quando se faz necessário o encaminhamento do pedido via formulário eletrônico. A associação de municípios abrange 3,15 milhões de habitantes, o que corresponde a 27,45% da população gaúcha.

A pesquisa

Visando avaliar o aproveitamento da ferramenta e a qualidade da transparência passiva, a reportagem encaminhou, em 24 e 25 de abril, um pedido de informação às 14 cidades que constituem a Associação de Municípios da Região Metropolitana de Porto Alegre (Granpal).

Acessibilidade

A reportagem quantificou o número de passos que um usuário precisa dar até enviar a solicitação. Para chegar até nessa estatística, foram contabilizados os cliques necessários, desde o momento em que o cidadão entra no site da prefeitura até o momento do envio de seu pedido.

Os resultados

A investigação mostrou não ser possível encaminhar pedido de informação para quatro prefeituras. São elas: Cachoeirinha, Esteio, Eldorado do Sul e Santo Antônio da Patrulha. Os problemas foram desde técnicos até a necessidade de realizar encaminhamento presencial — caso deparado na Prefeitura de Esteio. Na semana em que a pesquisa foi feita, o município de 85 mil habitantes não possuía um Serviço de Informação ao Cidadão (e-SIC).

Cachoeirinha, por sua vez, até dispõe da ferramenta, embora seja inviável encaminhar o pedido no momento da confirmação. De forma semelhante, Santo Antônio da Patrulha não atende aos cidadãos devido a problemas técnicos do formulário. Já Eldorado do Sul é uma das situações em que o acesso à informação depende de e-mail.

Para os outros 10 municípios que constituem a Granpal, foi encaminhada a solicitação através do e-SIC. Os retornos (ou a ausência da maioria deles), porém, foram frustrantes. Somente três deles retornaram dentro do prazo de 20 dias, previsto pela lei. A Capital Porto Alegre solicitou 10 dias a mais para atender às informações, o que também é assegurado por lei. Expirado o tempo extra, porém, não ofereceu as respostas.

“Porto Alegre não responde bem. Sei que recentemente eles reestruturaram o setor. Mas, mesmo assim, não respondem bem. Se a prefeitura da Capital não te responde direito, isso te inibe de pedir para as demais. Segundo a Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo), Porto Alegre figurava em um ranking bem inferior. Então, não se trata de uma surpresa para mim”, comenta Jennifer.

Como se não bastasse, o baixo retorno não sanou todas as dúvidas enviadas pela reportagem. Duas delas, Guaíba e Viamão, atenderam parcialmente o questionário. Arroio dos Ratos, curiosamente, constatou que o e-SIC foi implementado somente em 2017, cinco anos após o sancionamento da LAI.

“Situação é precária”, diz gerente-executiva da Abraji

Resultados ruins não são novidade para a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji). Sendo considerada uma fonte de informação, a plataforma pública acaba atingindo o jornalismo pela ineficiência na aplicação correta da LAI.

Jornalista e gerente-executiva da Abraji, Marina Iemini confirma tal dificuldade. “É precário e preocupante, tendo em vista que são seis anos de Lei de Acesso”, afirma.

Por outro lado, admite que a lentidão no processo de adaptação dos órgãos públicos à lei já era esperada. “Desde o começo a Abraji tinha esse prognóstico. Como é um país muito grande, os municípios teriam dificuldades para se adaptar”, explica.

Marina conta que o problema mais frequente encontrado por jornalistas que utilizam o e-SIC é a ausência de resposta. “Passam os vinte, trinta dias e ninguém viu, ninguém sabe. Principalmente se é sobre dados”, relata a jornalista.

A situação piora se o profissional precisa se identificar. Segundo ela, quando o cidadão se denomina jornalista ou o órgão receptor sabe a profissão do emissor da solicitação, o tratamento é diferente: ou alguma informação é omitida, ou o pedido cai em uma assessoria de imprensa.

O que diz o TCE

De acordo com a auditora pública externa do Tribunal de Contas da União do Rio Grande do Sul (TCE-RS) Francine Trevisan, os municípios que não estiverem com e-SIC ou qualquer outra possibilidade de encaminhamento de pedido de acesso à informação pela internet estruturados recebem um apontamento por descumprimento da LAI.

“Esse apontamento vai para dentro das contas do gestor responsável. Se for o prefeito, vai para as contas de governo. Nesse caso, é possível a aplicação de multa por descumprimento de norma”, alerta a auditora.

Francine esclarece, no entanto, que o TCE-RS age dentro do interesse coletivo. Isso significa que o órgão leva adiante determinada denúncia a partir de diversos fatores.

“Não é um caso isolado que vai ensejar uma atuação do Tribunal e aplicação de multa. A gente sempre precisa olhar os níveis de criticidade e relevância de materialidade da nossa atuação. Uma demanda, de um cidadão, às vezes não é suficiente para justificar um apontamento no relatório”, conclui.

A auditora lembra que os desempenhos dos municípios gaúchos em transparência passiva estão longe do ideal há, pelo menos, três anos. Em 2015, foi divulgado o único relatório de transparência passiva produzido pelo TCE-RS. O estudo, realizado com 91 municípios, indica que apenas 12 cumprem os requisitos estabelecidos. Dentre os sete avaliados da Granpal (Porto Alegre, Cachoeirinha, Canoas, Esteio, Gravataí, Guaíba e Santo Antônio da Patrulha), somente Gravataí atingiu a pontuação satisfatória.

O que dizem as prefeituras

Alvorada — A assessoria de imprensa afirma estar implantando um novo portal e migrando as informações. E prometeu que “em breve” estará totalmente atualizado para a nova plataforma. Sobre a falta do retorno, a comunicação disse que “não é o setor competente”. Segundo assessoria cada secretaria é responsável pelo pedido que recebe.

Cachoeirinha — O município negou a existência de erro, mas informa que a situação será repassada ao setor responsável para verificar o motivo da omissão.

Canoas — A comunicação preferiu não se posicionar sobre o assunto.

Eldorado do Sul — A reportagem tentou três vezes o contato por telefone, mas a assessoria de imprensa não atendeu.

Esteio — A diretoria de comunicação social negou a existência do erro, afirmando que este está na configuração dos computadores.

Glorinha — A assessoria de imprensa alega que o site está passando por restaurações, a fim de se adequar à legislação, e que o serviço esteve inativo. Ainda frisaram que, em dentro de 30 dias, os relatórios pendentes estarão regularizados.

Gravataí — A assessoria de comunicação solicitou o contato via e-mail, mas não retornou ao contato da reportagem até o seu fechamento da matéria.

Nova Santa Rita — A comunicação afirmou estar em um processo de migração do site e do novo sistema de gestão operacional da prefeitura. Em função dessas mudanças pode ser que o pedido não seja visto. Sua assessoria ainda salientou que os órgãos de controle estão a par da situação.

Porto Alegre — A assessoria de comunicação solicitou o contato via e-mail, mas não retornou ao contato da reportagem até o seu fechamento da matéria.

Santo Antônio da Patrulha — A assessoria de comunicação social informou que o site passou por instabilidades, mas que o problema foi solucionado.

Sapucaia do Sul — A assessoria de imprensa não retornou aos contatos da reportagem até o seu fechamento.

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A Beta Redação integra diferentes atividades acadêmicas do curso de Jornalismo da Unisinos em laboratórios práticos, divididos em cinco editorias.