Caminhoneiros reclamam de desamparo nas estradas

Transportadores de cargas, cujo serviço é considerado essencial, têm dificuldades para encontrar restaurantes abertos nos pontos de parada. Em algumas cidades, habitantes oferecem marmitas aos motoristas

Ketlindesiqueira
Redação Beta
5 min readApr 1, 2020

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Caminhoneiros não podem seguir a orientação do isolamento social. (Foto: Ketlin de Siqueira)

Segundo o Ministério da Saúde, até quinta-feira, dia 1º de abril, número de casos registrados no Brasil do novo coronavírus, que gera a doença Covid-19, já passava de 6.800, com 241 mortes. A pandemia acendeu um sinal de alerta para os profissionais do volante, especialmente sobre quais medidas tomar para garantir a segurança dos caminhoneiros. Os decretos estaduais e municipais de isolamento social acabaram levando também ao fechamento de restaurantes e lojas de conveniência à beira das estradas. Por causa disso, caminhoneiros reclamam que não encontram lugares para se alimentar.

Caminhoneiro Juliano comenta sobre sua realidade durante este período de quarentena. (Vídeo: Juliano Branco/Arquivo pessoal)

Motorista de transporte de ração há 12 anos, Juliano Branco, 33 anos, relata que não quer deixar de trabalhar, mas está com dificuldade de encontrar algum ponto de apoio com alimentação. “Nós estamos passando fome na estrada, não temos onde nos alimentar. Todos os lugares agora estão fechados. Você passa horas e horas sem encontrar nada. Como querem que mantenhamos o Brasil abastecido se não temos como comer? Ainda que alguns voluntários cedam marmitas, já tive alguns colegas que conseguiram receber, mas não tive esta sorte”, ressalta.

O caminhoneiro Bruno Docena, 55 anos, comenta que ninguém quer parar de trabalhar. “Nós não queremos parar de jeito nenhum, ainda mais em um momento como este. O Brasil precisa de nós para garantir que todos fiquem seguros e abastecidos em casa”, diz Docena.

Desabafo nas redes sociais

Nas estradas, caminhoneiros trabalham em prol de toda a população. (Foto: Ketlin de Siqueira/Beta Redação)

Por meio de um vídeo postado em sua rede social no dia 23 de março, o caminhoneiro garibaldense Ilizeu Kosooski fez um desabafo sobre as dificuldades que a categoria vem enfrentando em tempos de quarentena. Segundo Kosooski, ninguém está pensando nos profissionais que estão “mantendo o Brasil de pé”.

O caminhoneiro afirmou que estava desempenhando suas atividades na cidade de Casimiro de Abreu, no Rio de Janeiro, e ao longo do trecho encontrou apenas um lugar aberto para que pudesse realizar uma refeição. Esse mesmo restaurante foi fechado pela vigilância sanitária durante aquele dia.

Kosooski afirma que nesta época de pandemia a categoria está com enormes dificuldades para desempenhar suas atividades. Além disso, pelas adversidades enfrentadas, está pensando em parar de transportar as cargas. “Eu preciso de alimento para continuar trabalhando”, afirma, destacando também o grande esforço de todos os profissionais de saúde. O motorista disponibilizou o vídeo no Facebook naquele dia e, em menos de 24 horas, mais de 1 milhão de pessoas já haviam assistido o desabafo.

AMG apoia caminhoneiros

Com mais de 500 associados, a Associação dos Motoristas de Garibaldi (AMG) construiu sua história na base do apoio aos caminhoneiros de Garibaldi e região. De acordo com o diretor executivo Arthur Sartori, a direção entrou em contato com a redes de postos de combustíveis e restaurantes. “Pedimos o apoio necessário com alimentação e higiene e fomos prontamente atendidos, além de ajudarmos com carvão e água, porém os motoristas reclamam dos poucos lugares para dormir (pontos de parada com estrutura adequada), insegurança e perigo nas estradas, rodovias mal sinalizadas e o preço dos combustíveis e pedágios”, relata.

O diretor executivo agradece o apoio das pessoas anônimas, mas ressalta que a principal contribuição para a categoria é o apoio dos governantes. “Sem desmerecer as outras classes, sabemos a importância dos médicos, enfermeiros e todos da área da saúde que estão na linha de frente — mas deveriam ter mais atenção com a nossa, pois nesse período da quarentena, praticamente só caminhões estão rodando para que nada falte nas casas, nas farmácias e nos hospitais. Uma simples atitude do governo, como obrigar os pedágios a abrir as cancelas sem cobrança para os caminhoneiros, seria de grande importância”, acrescenta.

População solidária

Voluntários disponibilizam refeições para caminhoneiros (Foto: Portal Leouve)

A maioria dos caminhoneiros não tem estrutura para cozinhar no caminhão. Depois de alguns vídeos circulando nas redes sociais de caminhoneiros pedindo o apoio da população, o motorista de caminhão-baú Gabriel Santin, 23 anos, diz que a população de alguns municípios se reuniu voluntariamente para fazer marmitas e distribuir ao meio-dia para os motoristas que passam naquele horário.

“Como os restaurantes de postos estão fechados, a gente tem que contar com essas iniciativas. Saímos sem nem saber se vamos ter um lugar para comer. Mas tenho esperança de que tudo isso passará rapidamente e todos possam voltar a trabalhar”, diz o caminhoneiro Juliano Branco.

Em um mundo mergulhado no medo e nas incertezas pela pandemia, as boas ações são motivo de esperança. Em Garibaldi, um grupo de amigos, composto por mais de 10 pessoas, decidiu realizar um ato de solidariedade: disponibilizar marmitas para os profissionais das estradas. A ação teve início na segunda-feira, dia 30 de março, e se estenderá ao longo da semana. No mesmo dia, um grupo de voluntários doou cerca de 100 marmitas aos profissionais na ERS-122, entre os municípios de Caxias do Sul e Farroupilha.

Os caminhoneiros cruzam as estradas do país. Transportam alimentos, medicamentos, roupas, combustíveis, ou seja, praticamente tudo o que a população consome. O caminhoneiro Lucas Marques comenta que, para ter a continuidade deste trabalho, também precisam do necessário. “A gente está fazendo viagem de barriga vazia. Achamos um ou outro lugar aberto nas cidades. Está muito difícil. São poucas cidades que tiveram a iniciativa de entregar marmita”, diz Marques.

Efeito coronavírus

O ministro da Infraestrutura, Tarcísio Freitas, afirmou na última segunda-feira, 30 de março, em coletiva de imprensa no Palácio do Planalto, que o Brasil viverá o efeito da greve de 2018, somado à crise do coronavírus, se o transporte de cargas for paralisado. A pasta tem recebido notificações de bloqueios em acessos estaduais e municipais.

O diretor da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transporte e Logística (CNTTL), Carlos Alberto Litti, em declarações reproduzidas na imprensa, disse que a pandemia do coronavírus afetará a logística de transportes dos caminhoneiros, mas nem por isso se chegou a pensar em greve num momento como este.

Aplicativo auxilia motoristas

Aplicativo com novas funcionalidades para os profissionais do transporte. (Vídeo: Ketlin de Siqueira/Beta Redação)

Na segunda -feira, 30 de março, o Ministério da Infraestrutura, com apoio do Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro), lançou duas novas funcionalidades no aplicativo InfraBr para apoio aos caminhoneiros.

Agora, o profissional do transporte pode obter informações sobre o funcionamento de serviços essenciais para continuar nas estradas, como restaurantes, postos de combustíveis, borracharias, oficinas e lojas de autopeças. Além disso, estão disponível na nova aba “ Coronavírus” os postos de atendimento do Sest/Senat que estão distribuindo kits de higiene e de alimentação.

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