Doação de cabelos é gesto de solidariedade a quem enfrenta o câncer

Ações solidárias se multiplicam para diminuir o sofrimento de crianças e adultos que lutam pela vida

Clarice Almeida
Redação Beta
7 min readMay 3, 2022

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Jucilaine Lamberte demorou para encontrar uma peruca que se adaptasse ao seu rosto e personalidade.(Foto:Jucilaine Lamberte/Arquivo Pessoal)

Em 2020, o Brasil registrou mais de 626 mil novos casos de neoplasias, conforme dados do Instituto Nacional do Câncer (Inca). A maior parte dos diagnósticos, 309.750, foi constatada em mulheres. Conforme o levantamento nacional do Inca, os tipos mais comuns de câncer são o de mama, cólon e reto, e colo do útero. Cada novo diagnóstico representa também uma batalha pela vida.

Em abril de 2021, Jucilaine Lamberte, 38 anos, descobriu que estava com câncer de mama. A moradora de Montenegro, na região do Vale do Caí, relata que ao receber o diagnóstico sua reação foi de sofrimento e preocupação.

Além da angústia de não saber o resultado final do tratamento contra a doença há também o abalo emocional causado pela possibilidade da perda do cabelo em consequência das sessões de quimioterapia. “Muitas pessoas falam ‘é só cabelo, ele vai crescer de novo’. Claro que a preocupação maior é com a saúde, mas o cabelo é uma questão que mexe muito com o emocional da gente”, comenta Jucilaine. “Acredito que algumas pessoas tirem de letra, mas para mim não foi fácil”, acrescenta.

Junto com o tratamento contra o câncer começaram também as buscas por perucas, em sites. Contudo, o valor dos fios naturais assustaram a consumidora, enquanto as perucas sintéticas não apresentavam as características que ela buscava. “Não me imaginava usando uma peruca de cabelo sintético, aquilo era muito falso. Por um tempo, optei em usar lenço”, lembra.

Ainda assim, o lenço não era a solução que Jucilaine esperava. “Quando a gente sai à rua com lenço na cabeça cria-se o estereótipo de ‘coitada, está doente’. Eu não gostava desse rótulo”. Ao conversar com uma amiga, ela soube que no Instituto da Mama do Rio Grande do Sul (Imama) poderia encontrar uma peruca feita com fios naturais, doados por voluntários. “Fui até lá e consegui uma peruca. Só que acabei não conseguindo me adaptar a ela”, recorda Jucilaine.

Mesmo não totalmente satisfeita com a peruca que conseguiu, ela continuou usando. Até que no mês de setembro a inauguração do Banco de Perucas de Montenegro trouxe aquilo que ela esperava de uma peruca desde o começo de suas buscas. “Fui a primeira pessoa a receber uma peruca do banco. Foi maravilhoso! Era uma peruca de cabelo natural e ficou bem adaptada ao meu rosto. Era quase imperceptível que eu estava usando peruca”, detalha.

Com a nova peruca, Jucilaine passou a ter mais confiança em si mesma quando saia de casa. Mais que isso, encontrou ainda mais força para lutar por sua recuperação.

Para Jucilaine Lamberte, a peruca representou um certo alívio diante do abalo emocional causado pelo câncer. (Foto:Jucilaine Lamberte/Arquivo Pessoal)

Geni de Oliveira Mello, 77 anos, também mora em Montenegro e enfrentou o mesmo sentimento de Jucilaine ao imaginar que perderia seu cabelo em função do processo de quimioterapia para tratar o câncer de mama. “Eu fiquei mais desesperada de perder o cabelo que por causa da doença. Eu não conseguia me ver sem cabelo”, conta Geni, hoje recuperada.

A perda dos fios começou logo após a primeira sessão de quimioterapia e Geni optou por raspar a cabeça. Contudo, ela não queria ficar sem cabelos. Aflita com a situação, a família começou a procurar uma peruca para comprar, mas Geni não se satisfez. “Disse ao meu filho que não tinha gostado de nenhuma peruca, aí ele me falou ‘mãe, já está resolvido, a minha esposa vai cortar o cabelo e vamos mandar fazer a peruca’. Mas eu não quis aceitar”, relata. Foi então que o filho começou a pesquisar uma alternativa para atender ao desejo da mãe. Na época, Montenegro ainda não tinha um banco de perucas.

“Alguém já tinha me falado no Imama. Meu filho pesquisou umas perucas coisas mais linda. Quando chegamos lá tinha uma peruca igual ao meu corte de cabelo. Só experimentei aquela, já fiquei e vim com ela pra casa. Me senti muito bem de peruca”, conta Geni.

Geni de Oliveira Mello sofreu muito com a perda dos cabelos. Para ela, a peruca representou esperança. (Foto: Geni de Oliveira/Arquivo Pessoal)

Paulina Pölking, psicóloga e coordenadora do grupo Amigas do Peito, de Montenegro, aponta que, além do impacto causado pelo diagnóstico e pelo tratamento do câncer, muitas mulheres enfrentam ainda o desafio de verem suas aparências alteradas, devido à perda de cabelo. Essa situação, em muitos casos, abala a autoestima dessas pessoas. Apesar disso, a psicóloga aponta que muito já se avançou no processo de desmistificação da doença e da consequente queda dos fios.

“A perda de cabelo tem sido encarada como uma situação passageira, pois o cabelo vai cair e nascer de novo. Esse tema tem tido uma acolhida social, ou seja, outras pessoas se colocam à disposição para auxiliar, doar seu cabelo, oferecer a peruca. Aquela que perdeu o cabelo recebe esse carinho e se sente beneficiada”, observa Paulina. “Esse envolvimento social, através do gesto de doar o próprio cabelo para que a outra também tenha, é muito importante”, conclui a psicóloga.

Cabelos de aço, corações solidários

A soldado dada Polícia Militar (PM) Cristielen Colomby, 26 anos, sabe da importância que o cabelo tem para as mulheres. Antes de exercer a função de policial militar ela trabalhou, durante oito anos, em um salão de beleza onde aprendeu a confeccionar próteses capilares e perucas. A experiência a motivou, ainda durante o curso de formação, em 2021, a abraçar a campanha Cabelos de Aço, promovida pela Brigada Militar no Estado.

A soldado da Polícia Militar Cristielen Colomby arrecada mechas, confecciona e entrega as perucas para entidades doarem para quem precisa. (Foto: Cristielen Colomby/Arquivo Pessoal)

Com apoio dos colegas da Escola de Formação e Especialização de Soldados da Brigada Militar (Esfes) de Montenegro e da comunidade foram arrecadadas diversas mechas com as quais Cristielen, com as próprias mãos e máquina, confeccionou cinco perucas. O material foi dividido e doado ao Banco de Perucas de Montenegro e ao Instituto do Câncer Infantil, em Porto Alegre.

“É uma realização pessoal fazer esse trabalho. Sei o tanto que as pessoas precisam. A autoestima de uma mulher começa pelo cabelo. Me sinto grata por poder fazer parte dessa campanha e levar um pouquinho de amor para cada uma”, diz a soldado.

O Instituto do Câncer Infantil, em Porto Alegre, recebeu a doação de uma peruca feita pela soldado Cristielen Colomby. (Foto: Cristielen Colomby/Arquivo Pessoal)

Bancos de Perucas

O Imama conta com o maior Banco de Perucas do Rio Grande do Sul. Na sede da instituição há cerca de 179 perucas disponíveis para empréstimo, atualmente. Parte desse banco é composto por perucas naturais, produzidas a partir de doações de mechas de cabelo.

Sabendo da importância do cabelo para a autoestima da mulher, o Imama dispõe de uma equipe composta pelo Núcleo de Relacionamento com o Paciente, que presta auxílio no momento da escolha da peruca ideal, instruindo sobre as dúvidas e cuidados necessários.

Além do Banco de Perucas do Imama, as pacientes em tratamento de câncer também podem se informar sobre empréstimos ou doação de perucas nas secretarias de Saúde ou Assistência Social de suas cidades. Em Montenegro, por exemplo, em 2021, a Secretaria Municipal de Habitação, Desenvolvimento Social e Cidadania abriu um banco de perucas.

O Banco de Perucas de Montenegro é uma alternativa para quem não tem condições de comprar uma peruca feita com fios naturais. O local atende toda a região do Vale do Caí. (Foto: Cristielen Colomby/Arquivo Pessoal)

O Banco de Perucas de Montenegro atende à comunidade local e da região do Vale do Cai. Conforme Carliane Pinheiro, diretora de Assistência Social, o banco fornece perucas para mulheres que passam por tratamento de câncer ou doenças psicológicas que fazem perder o cabelo. As perucas podem ser solicitadas por qualquer pessoa que não tenha recursos para comprar.

O principal parceiro do Banco de Perucas de Montenegro é a Associação de Apoio a Pessoas com Câncer (Aapecan), de Bento Gonçalves, que confecciona as perucas e doa ao banco. A Aapecan está presente em diversas regiões do estado.

Desde que foi inaugurado, em outubro do ano passado, até abril deste ano, o Banco já entregou oito perucas. “O trabalho do Banco de Perucas é muito importante para o acolhimento e fortalecimento das mulheres que estão passando pelo tratamento do câncer”, avalia Carliane.

Na cidade, voluntários interessados podem doar suas mechas de cabelo diretamente ao Banco. Ações esporádicas de cortes gratuitos também são promovidas, junto a empresas parceiras, para incentivar as doações.

Jucilaine Lamberte espera que histórias como a dela e a da dona Geni sirvam de inspiração para que as pessoas comecem a doar seus cabelos. “Antes, meu cabelo era cortado e ia fora. Agora, sei da importância da doação. Gostaria que os salões se mobilizassem, doassem as mechas dos cabelos cortados para os institutos que fazem perucas”, conclui.

Como doar cabelos para o Imama:

Os cabelos precisam estar limpos, secos e com as pontas cortadas;

O cabelo deve medir, no mínimo, 20 centímetros;

Coloque o cabelo em um saco plástico para melhor manuseio, amarrado com elástico nas duas extremidades.

A entrega pode ser feita na sede do Imama: Rua Dr. Vale, 157- Bairro Floresta, Porto Alegre- RS, 90560–010; ou no Espaço Imama, localizado no 3º piso do Shopping João Pessoa — Av. João Pessoa, 1831 — Farroupilha, Porto Alegre — RS, 90040–001. As mechas de cabelo também podem ser encaminhadas para esses endereços através dos Correios.

Fonte: Imama/RS

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