Doadores de sangue enfrentam o desafio da mobilidade

Voluntários precisam se deslocar por vários quilômetros para ajudar quem precisa

Clarice Almeida
Redação Beta
6 min readJun 7, 2022

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Sem ter local de coleta em suas cidades, cidadãos recorrem aos hospitais e bancos de sangue na capital do estado. (Foto: Clarice Almeida/Arquivo Pessoal)

De um lado, hospitais e bancos de sangue tentam conscientizar a população sobre a importância do gesto de doar. De outro, muitos cidadãos gostariam de fazer a sua contribuição, porém enfrentam impedimentos como a falta de local para doar sangue em suas cidades. Para fazer a ponte entre quem precisa e aqueles que querem doar, associações e voluntários se mobilizam para levar o público até os pontos de coleta na capital do estado.

Em Montenegro, na região metropolitana de Porto Alegre, há dois locais: o Hospital Montenegro (HM 100% SUS) e o Hospital Unimed Vale do Caí (HU). Apesar de serem instituições de referência para a região e necessitarem de estoque de sangue, nenhuma das entidades conta com local para realizar as coletas.

O Hospital Montenegro chegou a ter um banco de sangue, mas acabou sendo fechado. O motivo para o fim das atividades não foi informado à reportagem. Posteriormente, firmou convênio com o banco de sangue Hemovale, de Lajeado, para que, em períodos esporádicos, equipes do laboratório fossem até o HM coletar sangue em uma sala destinada ao procedimento. Mas isso também teve fim.

Segundo o HM, o Hemovale parou de fazer coletas externas, passando a recolher doações somente em sua sede, em Lajeado. Os motivos são associados a estruturas físicas, equipamentos específicos e equipe, que necessita ser deslocada da cidade para realizar a coleta. Desta forma, o Hospital Montenegro passou a receber bolsas de hemocomponentes processadas do próprio banco de sangue Hemovale.

Situação parecida também ocorre em instituição particular de Montenegro. O Hospital Unimed Vale do Caí encaminha coletas e supre sua demanda através do banco de sangue Hemovida, de Novo Hamburgo.

Promotores da solidariedade

O que acontece em Montenegro não é exceção entre os municípios gaúchos. Localizada na região metropolitana de Porto Alegre, a cidade de Sapucaia do Sul enfrenta desafios para tornar a doação parte da rotina de seus habitantes.

Há 17 anos a Associação Sapucaiense de Apoio aos Doadores de Sangue (ASADS) surgiu para ser o elo entre doadores e entidades que coletam sangue. Na prática, os voluntários da associação conscientizam as pessoas capazes de doar sobre a importância de dar um pouco de si para quem passa por problemas de saúde, conectando doadores aos locais de coleta.

Durante esses anos de trabalho, a associação atuou junto a outras entidades do município na busca por implementar um local para realizar coletas. Hoje, diferente do que ocorre em Montenegro, o hospital da Fundação Getúlio Vargas, de Sapucaia do Sul conta com uma sala especial para o procedimento. O trabalho da associação também expandiu: a entidade passou a colaborar com bancos de sangue e hospitais do estado que sofrem com a falta de doadores.

Osvaldo Faleiro e Renata Vieira integram a Associação Sapucaiense de Apoio aos Doadores de Sangue. (Foto: Clarice Almeida/Reprodução Teams)

Presidente e secretária da ASADS, Osvaldo Faleiro e Renata Vieira são promotores da solidariedade. Para justificar o trabalho feito de forma voluntária, seu Osvaldo costuma tentar se colocar no lugar das famílias que têm entes queridos necessitando de doação de sangue. “Alguém tem que fazer esse trabalho”, diz ele. Renata concorda com o presidente.

O primeiro desafio da associação é recrutar doadores. “A gente faz esse trabalho batendo de porta em porta e dizendo para as pessoas o quanto é importante elas doarem, pois poderão estar salvando vidas”, explica Renata. Muitas dessas pessoas passam a integrar um grupo no WhatsApp, no qual são informadas sobre as datas, locais e horários em que serão realizadas as doações.

Depois de convencer o voluntário a participar da ação, surge a barreira do transporte. Promover a ida dos doadores até as instituições que recolhem sangue costuma ser uma tarefa complicada. “Muitas vezes não conseguimos transporte e levamos as pessoas em nossos veículos particulares, pagamos a gasolina”, acrescenta a secretária da associação. “Muitas pessoas querem doar, mas não têm condições nem para pagar o transporte até o centro da cidade para nos encontrar no ponto de embarque para Porto Alegre”, conta Renata.

Mesmo com todas as dificuldades, a associação tem cumprido seu papel de fomentar e facilitar o caminho para as doações de sangue. Órgãos de saúde pública como o Hemocentro do Estado do Rio Grande do Sul, Hospital Conceição e Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre integram a lista das entidades que recebem doadores através das ações da Associação Sapucaiense.

Em 2021, durante as ações do Junho Vermelho, 50 doadores foram levados ao Hemocentro. Em média, a cada mobilização, de 10 a 20 pessoas são conduzidas aos pontos de coleta de sangue pela associação. Atualmente, a instituição busca 100 doadores dispostos a praticar a solidariedade e ajudar dois pacientes que estão internados em hospitais de Porto Alegre.

Quilômetros de vontade de ajudar

Jovens de Montenegro levaram 41 pessoas até a Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre para doar sangue. (Foto: Movimento Cursilho da Igreja Diocese e Montenegro/Arquivo Pessoal)

Em Montenegro não há uma associação formatada, como a de Sapucaia do Sul, mas a comunidade local também procura fazer a sua parte quando o assunto é doar sangue. Por três vezes, um grupo formado por jovens do Movimento Cursilho da Diocese de Montenegro mobilizou esforços para levar doadores a Porto Alegre.

A última doação do grupo ocorreu em março deste ano, quando 41 pessoas foram até o Banco de Sangue do Complexo Hospitalar Santa Casa. Uma nova ação já está prevista para ocorrer no mês de novembro. Na cidade, também ocorrem campanhas pontuais, ou seja, quando alguém está hospitalizado e o hospital solicita doadores, familiares e amigos desta pessoa costumam fazer chamados em redes sociais para conseguir voluntários. Em alguns casos, a Secretaria Municipal de Saúde fornece o transporte até a capital.

O aposentado João Gilberto de Castro, de 52 anos, e suas filhas Joana, 32, e Júlia de Castro, 30, são voluntários assíduos. Com frequência, eles viajam mais de 60 quilômetros, seja no transporte disponibilizado pelo Município ou em seus próprios automóveis para ajudar ao próximo.

Hoje a família faz contribuições frequentes para o Hemocentro do RS e o Hospital da PUC, mas João lembra que nem sempre foi preciso ir tão longe para doar sangue. Aos 35 anos, ele fez sua primeira doação. “Foi no Hospital Montenegro, o pai de um colega de trabalho precisava de doadores porque iria fazer uma cirurgia”, recorda o aposentado.

João Gilberto doa sangue no Hospital da PUC (acima) e também para o Hemocentro do RS. (Foto: Clarice Almeida/Arquivo Pessoal)

Motivada pelo sentimento de amor ao próximo, Júlia de Castro mobilizou o pai e a irmã quando resolveu fazer sua primeira doação. “Soube que uma criança estava precisando de doadores, então me coloco no lugar de quem precisa. Poderia ser com meu filho, por isso decidi doar”, relata a jovem.

Júlia e sua irmã Joana cresceram vendo o pai visitar hospitais para contribuir com os bancos de sangue. Joana tornou-se doadora em 2011, para ajudar o pai de uma amiga. Em janeiro de 2020 a família viveu um momento especial: foi a primeira vez que os três se reuniram para doar. “Sinto muito orgulho e alegria, porque fazer algo para ajudar o próximo faz bem para quem recebe, mas com certeza a alegria é em dobro pra quem o faz”, diz João sobre o gesto das filhas ao seguirem o seu exemplo.

Joana de Castro, de blusa preta, já doou sangue várias vezes, mas essa foi a primeira ao lado da irmã, Júlia.(Foto: Clarice Almeida/Arquivo Pessoal)

Enquanto os hospitais de Montenegro recebem sangue de cidades vizinhas, muitas famílias, como a Castro, percorrem longas distâncias para cumprir um papel cidadão. “Faltam mais locais para a doação. Montenegro é uma cidade grande que, com certeza, teria muitos doadores, mas não conta com um centro de coletas. Todas as vezes em que fui doar, tive que ir a Porto Alegre e acho que este deslocamento impacta na escolha pela doação”, conclui Joana.

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