Dose contra a desinformação sobre as vacinas

Beta Redação convida três especialistas para derrubar os mitos sobre a vacinação

Deivid Duarte
Redação Beta
5 min readJun 5, 2019

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Por Deivid Duarte e Murilo Dannenberg

A Campanha Nacional de Vacinação contra a gripe foi prorrogada, sem prazo determinado, devido à baixa adesão (Foto: Erasmo Salomão/Ministério da Saúde)

O movimento antivacina cresce e preocupa especialistas. Em janeiro, a Organização Mundial da Saúde (OMS) definiu a crescente recusa à vacinação como uma das maiores ameaças à saúde em 2019 — junto a doenças como o HIV e o ebola. Os efeitos dessa onda começaram a ser notados no Brasil, que perdeu o certificado de país livre do sarampo, antes erradicado com ajuda da vacina. Em 2019, a doença que não registrava casos desde 2016, teve 10.326 ocorrências confirmadas em 11 estados, sendo 46 registradas somente no Rio Grande do Sul.

Outro dado alarmante sobre a crescente recusa da vacinação é a baixa cobertura de sete de oito vacinas oferecidas a bebês pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Apenas a BCG, usada na prevenção da tuberculose, atingiu a meta recomendada. No Brasil, não cumprir a cartilha de vacinação dos filhos é crime, segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), podendo levar a multa de três a 20 salários mínimos e até a perda da guarda da criança.

Para checar quatro dos maiores boatos sobre a vacinação espalhados na internet, conversamos com três especialistas: Lessandra Michellin, PhD em Vacinologia pela Universidade de Genebra e professora de Imunologia na Universidade de Caxias do Sul; João Henrique Corrêa Kanan, doutor em Bioquímica e Biologia Molecular pela Universidade de Boston e professor de Biomedicina na UFRGS; e Ana Paula Herrmann, doutora em Bioquímica pela UFRGS e professora de Farmacologia na mesma universidade.

1. A vacina contra a gripe vai exterminar a humanidade

(Arte: Deivid Duarte/Beta Redação)

Para Lessandra, não há relação de óbito de pacientes com a vacina. “Pelo contrário, o que causa risco é a infecção respiratória pelo vírus Influenza. Isso depende da imunidade, comorbidade, e acontece geralmente em pacientes idosos”, explica. Isto é, a aplicação pode não ter efeito em pacientes que estão fracos ou que já são portadores de alguma doença.

Ainda segundo a imunologista, a vacina é incapaz de causar a doença porque ela possui apenas o vírus fracionado.

“As vacinas da gripe carregam o vírus dividido em vários pedacinhos, então não tem como o paciente adoecer de jeito nenhum. O que pode acontecer é a coincidência da pessoa contrair um resfriado após a vacinação, doença com sintomas semelhantes, mas causada por outro tipo de vírus”, esclarece.

Ana Paula concorda com os argumentos de Lessandra. “Gripe é diferente de resfriado. Muita gente se vacina e depois fica resfriada, mas a vacina não protege contra essa doença, somente contra o vírus Influenza. Desse modo, as pessoas acham que a vacina não funciona ou que causa a gripe”, alerta.

2. As vacinas infantis causam autismo

(Arte: Deivid Duarte/Beta Redação)

Segundo a biomédica Ana Herrmann, a associação entre vacina e desenvolvimento do autismo ilustra um problema da comunicação científica, o que dificulta a compreensão da população leiga.

“ Já se provou que dados foram manipulados para favorecer essa hipótese no artigo que primeiro lançou esse boato. A correção da literatura, nesse caso, demorou: levou 12 anos e, apesar da retirada do artigo, as consequências negativas permanecem”, aponta.

Lessandra complementa que o médico que forjou o artigo associando a vacina tríplice viral ao autismo, Andrew Wakefield, teve sua licença médica cassada e respondeu judicialmente pelo caso. Ele manipulou informações de 12 crianças que serviram de base para a conclusão do estudo. Em 2011, o artigo foi retirado da revista que o publicou.

3. A vacina contra o HPV causa sequelas terríveis

(Arte: Deivid Duarte/Beta Redação)

Lessandra revela que a vacina contra o HPV foi a primeira inventada para a prevenção de um câncer.

“Quem acompanhou casos de câncer de colo de útero sabe o drama que é, pois muitas vezes o paciente morre com dores. Também causa câncer de pênis, ânus e o papilomavírus humano”, ressalta.

A especialista acredita que o tabu que se criou em torno da vacina se deve ao fato de ela ser indicada principalmente para crianças de 9 a 14 anos. Influenciada por diversos setores religiosos, se criou a ideia que a vacina, destinada à prevenção de diversas infecções sexualmente transmissíveis, estimularia a sexualidade na infância.

O único relato de efeito adverso da vacina, aplicada em milhões de pessoas em todo o mundo, foi registrado nos Estados Unidos, como conta o doutor em biomedicina, João Henrique Kanan. “Pode ser apenas uma coincidência, com outros fatores explicando o aparecimento da doença. Os efeitos adversos mais frequentes são dor, inchaço e vermelhidão no local da aplicação, além de febre leve”, explica.

4. A vacina contra a poliomelite causa paralisia infantil

(Arte: Deivid Duarte/Beta Redação)

A vacina contra a poliomielite protege a criança do risco de ter paralisia infantil, e não o contrário, argumenta Ana.

Graças à vacina, a doença pôde ser totalmente erradicada no mundo e, hoje, não vivemos mais uma epidemia. Os casos são poucos”, elucida a biomédica.

Entretanto, o bioquímico João Kanan explica que existe um risco raríssimo de a vacina causar sequelas. Isso, contudo, somente se verifica se a criança estiver com a imunidade comprometida. Ela pode demonstrar sintoma semelhante à doença nos casos em que a vacinação é do tipo Sabin, popularmente conhecida como gotinha, que possuí o vírus vivo atenuado.

Lessandra complementa que, hoje, a vacina mais usada no Brasil é a injetável, que contém o vírus inativo, ou seja, sem risco de proliferação. Mas ela ressalta que “a gotinha só pode vir a causar eventos adversos em pessoas imunossupressas, que tenham câncer ou façam uso de imunológicos”.

5. Resistência a antibióticos pode causar epidemia mortal

(Arte: Deivid Duarte/Beta Redação)

Em 2018, a OMS declarou que o uso sem controle de antibióticos gera bactérias resistentes às medicações. “O uso inadequado de antibiótico teve impacto em longo prazo e criou bactérias multiressistentes, não só no ambiente hospitalar como na comunidade”, explica Lessandra.

“Ficamos com recursos mínimos para tratamento dessas doenças. Muitos estão morrendo porque não têm o que dar para os pacientes. Isso é resultado direto da época em que podíamos comprar qualquer medicamento na farmácia, sem prescrição médica”, alerta.

Entretanto, a imunologista ressalta que a vacina pode conter esse surto de doenças super-resistentes. Ela conta que vacinas para a meningite, pneumonia e hemofilia se demonstraram eficientes em conter essa resistência bacteriana.

Além disso, Lessandra revela que, num futuro próximo, teremos vacinas, em fase de testes, contra bactérias causadoras da infecção hospitalar ou ligadas á assistência em saúde.

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