Dossiê Coronavírus: um caleidoscópio de histórias

Juliana Coin
Redação Beta
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33 min readApr 10, 2020

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O Covid-19 é o nome da doença causada pelo vírus SarsCov2, que já vitimou 100 mil pessoas no mundo e 800 no Brasil, 9 no Rio Grande do Sul e 5 em Porto Alegre. É neste momento que as histórias individuais, de superação, de autoconhecimento e de solidariedade passam a ter importância crucial. Este dossiê tem o objetivo de mostrar um caleidoscópio de realidades, com histórias de pessoas do Brasil e de fora, de diferentes idades e profissões, e sobre como uma pandemia nos obriga a repensar nós mesmos e o mundo no qual vivemos.

Um caleidoscópio é um instrumento óptico que cria efeitos visuais pela existência de um conjunto de espelhos e lâminas coloridos. Num caleidoscópio, cada imagem projetada ao fundo é única, tal qual cada história que será contada aqui. Apesar da singularidade de cada personagem, existe uma realidade coletiva a ser contada. E assim, a pandemia mostra, talvez da pior maneira possível, que a vida é multifacetada. Vamos enxergar através deste dossiê.

Dossiê editado por Guilherme Machado e Juliana Coin.

Duas famílias e rotinas semelhantes

A história de duas famílias que foram obrigadas a mudar sua rotina devido ao isolamento pelo Covid-19

Alexsander Machado e Felippe Jobim

Após a publicação do Decreto Estadual de N° 55.154, mudanças na rotina dos moradores aconteceram. Entre os artigos, a recomendação é de distanciamento social, evitando ao máximo convívio em espaços públicos. Também restringiu operações de estabelecimentos comerciais em todo o Rio Grande do Sul temporariamente para evitar a propagação do novo coronavírus. Com isso, muitas pessoas passaram a trabalhar remotamente e outras não. Entretanto, as que precisam continuar trabalhando em seus locais de serviço, possibilitam a contaminação dos familiares isolados em casa.

Álcool em gel foi colocado ao lado da porta de entrada da casa. (Foto: Alexsander Machado/Beta Redação)

Este é o caso da família do João Machado, de 58 anos, que precisa sair para o trabalho, mas tem a sua esposa que precisa da quarentena, por causa da luta contra um câncer. Além disso, a nora também precisa de cuidados redobrados, pois tem um filho de um ano.

Esse dilema é vivido por João, que trabalha no depósito do mercado Zaffari e não foi dispensado pois tem 58 anos. Foram liberados para isolamento apenas funcionários acima de 60 anos, considerados grupo de risco. “Por muitos colegas terem sido liberados, o trabalho aumentou. Mas é preciso continuar a rotina, pois as contas chegam no meu endereço”, relata.

Com a chegada da Covid-19, as recomendações governamentais funcionam para evitar a circulação e aglomerações. É o caso de transportes coletivos que não podem exceder à capacidade de passageiros sentados. Com isso, é preciso ter todos os cuidados específicos com a higiene em qualquer lugar.

“Eu carrego um tubo de álcool em gel na minha mochila, e utilizo várias vezes ao dia, principalmente ao descer de ônibus ou lugares com aglomerações. Isso tudo é para driblar o vírus e não levá-lo para a minha família, que está de quarentena”, reforça Machado.

João Machado é o único da residência que está trabalhando. (Foto: Alexsander Machado/Beta Redação)

Na casa do João, estão de quarentena a sua esposa Maria Machado, de 57 anos e a nora Rute Oliveira, de 19, mãe de uma criança de um ano. Preocupada com a saúde de seu bebê, a jovem descreve que precisa ter cuidados redobrados para proteger o filho: “Minha rotina mudou totalmente com a quarentena. Antes gostava de ir ao mercado e levar o meu filho na pracinha próximo da minha residência. Hoje, me reorganizei e faço atividades com ele no pátio da casa. É ali, que ele se diverte”.

A aposentada distribuiu diversos frascos de álcool em gel pela casa, pois a mesma já teve outras doenças, o que tornou os cuidados mais corriqueiros. “Na minha vida já passei por um câncer e dois tumores, por isso meus cuidados precisam ser duas vezes maiores que uma pessoa que não teve essa doença. E isso explica os tubos de álcool na porta e a limpeza do meu lar com água sanitária. E pra quem chega em casa o banho é urgente e imediato!”

A alteração da rotina por conta do distanciamento social também é algo vivido por Agnes Christimann, 44 anos, formada em ciências contábeis. Desde 2002 trabalha na área de exportação em uma multinacional do ramo de engenharia mecânica. Ela precisou repensar o dia a dia de trabalho e viver através deste novo momento — ao menos por enquanto.

A vida é feita de rotinas, às vezes estamos em uma e só abrimos os nossos olhos quando somos forçados a mudar os hábitos. Durante 17 anos, Agnes trabalhou apenas de uma forma, acordando todos os dias 6h da manhã e voltando do às 17h. Porém, o coronavírus mudou completamente sua realidade, a obrigando a trabalhar remotamente.

Apesar de parecer mais simples e fácil trabalhar em casa, o ambiente domiciliar não favorece o foco de quem está acostumado a ir para escritório, além de gerar despesas em alguns casos. Dado este fator, Agnes precisou comprar uma escrivaninha para colocar o computador disponibilizado pela empresa, além de duas extensões e um multiplicador de tomadas (popularmente conhecido como “T”). “A mais barata que encontrei estava R$300, e sei que eu não vou usar depois que a quarentena acabar. Talvez eu coloque algumas coisas em cima, mas vai ocupar espaço” conta Agnes.

Os fios do modem — que precisou sair do lugar onde estava pois o computador que ela recebeu não tem Wi-Fi — passam de um quarto para o outro, ficando no meio do caminho e atravessando um corredor. A cadeira teve que ser improvisada, utilizando uma das que estão na sala de estar, o que causa certo desconforto. “Até queria fazer algo para atrapalhar menos, mas como o fio da internet passa por dentro do forro e sai no outro quarto, não tenho escolha. É horrível do jeito que está, mas não tem outra forma”, desabafa.

Qualquer ambiente profissional é estressante, é comum nos sentirmos mais à vontade e calmos em casa. Porém, todo esse conforto do espaço domiciliar pode acabar prejudicando o rendimento do trabalhador. Como não há o costume de fazer atividades nesse local, qualquer barulho é um gatilho para perder o foco.

“Sinto falta da minha mesa do escritório. Aqui tem criança gritando na casa da frente, um galo cacarejando na outra, cachorro latindo, é uma barulheira. As vezes preciso me levantar para pegar algum doce ou fazer um chimarrão para não surtar” destacou Agnes. “Óbvio que faço o serviço, mas é muito ruim trabalhar assim, mal posso esperar para a quarentena acabar.”

O notebook fornecido pela empresa precisa estar constantemente ligado à energia elétrica, e, como está conectado por um “T” em uma extensão, o contato está frágil e qualquer movimento que encoste no fio pode acabar desligando o aparelho e atrapalhando seu trabalho.

Além dos problemas com fiação, Agnes mora em uma área onde quedas de energia são frequentes. Na última quinta-feira, 02/04, ela estava trabalhando quando faltou luz durante duas horas. “Eu estava em fechamento no dia, preenchendo relatórios quando simplesmente a luz caiu, precisei ligar para o meu chefe e avisar o que tinha acontecido. Ele entendeu, mas ficar duas horas parada me atrasou demais, quando a luz voltou às 21h fiquei até a meia noite trabalhando e finalizando o serviço, pois eu precisava terminar no dia.” Comenta.

Outra adversidade que ela precisa enfrentar é com a internet. Durante o tempo em que está trabalhando remotamente, já passou por vários momentos onde perdia a conexão. “Quase todo dia a internet cai. Às vezes volta rápido, e em cinco minutos já estou trabalhando de novo, mas existem momentos que demora uns 30 minutos. Isso é mais um problema que me atrasa” explica.

O Covid-19 mudou a vida de muita gente, estamos em constante adaptação na nova realidade em que fomos inseridos. É importante analisarmos a forma como cada um está lidando com a quarentena para entendermos o que o outro sente. Se o home office para Agnes é ruim, pode ser que outra pessoa ache produtivo e menos cansativo. Podemos melhorar se entendermos o que outras pessoas pensam.

De que forma as crianças estão lidando com o isolamento social?

Crianças se adaptam melhor ao isolamento social gerado pela pandemia do coronavírus

Jessica Montanha

Desde a chegada do novo coronavírus no Brasil, milhares de adultos e crianças foram obrigados a permanecer em casa. Os adultos se adaptam às suas novas rotinas de trabalho, mas também existe a adaptação ao isolamento social. Com as crianças, o momento atípico não está sendo muito diferente

Segundo a publicação do Fundo das Nações Unidas (Unicef), 154 milhões de crianças da América Latina e Caribe estão sem aulas por causa da pandemia do novo coronavírus. O número que representa 95% do total de crianças desta região, foi divulgado no dia 23 de março. Devido a medidas de isolamento social decretadas para evitar a propagação da Covid-19, milhões de crianças estão dentro de suas residências 24 horas por dia. Sem aulas e sem poder sair de casa, elas tentam se adaptar a uma rotina inédita. A Beta Redação conversou com três crianças, moradoras de Porto Alegre (RS), para entender a partir das suas perspectivas o que todos nós devemos e o que não podemos fazer durante a quarentena.

Crianças ensinam como combater o coronavírus

A gravidade da pandemia é vista com muita autenticidade pela Julia Montanha, de apenas 5 anos: “o coronavirus tá matando todo mundo, é um bichinho que faz muito mal”. Com sabedoria infantil, Julia complementa rindo “sabia que eu coloquei um apelido nele? Chamo de cocovírus.” A coordenadora de departamento pessoal e mãe da Julia, Vanessa Montanha, 37 anos, segue trabalhando normalmente, mas com os devidos cuidados, conforme ela afirma “ a Ju está me surpreendendo com o isolamento social, ela adora sair e passear, mas está entendendo super bem a importância do porquê estamos e temos que ficar em casa, ficou claro que temos que lavar as mãos com sabão e também utilizar o álcool gel, colocar o antebraço sobre o rosto para espirrar”. Vanessa comenta que se tornou mais cansativo fazer as atividades escolares em casa “Fiquei mais sobrecarregada, além da carga horária do trabalho, tenho que realizar com a Julia as atividades escolares colocadas no aplicativo da escola semanalmente. Claro que é prazeroso, sim, mas também cansativo” ressalta.

Julia, de 5 anos, realiza atividades escolares em casa. (Fotos: Arquivo pessoal)

Já, o Henrique Lemos, de 11 anos, comenta que apesar de querer sair, entende que o isolamento social é por um bem maior “Queria muito sair, brincar em uma praça e jogar bola, mas se é para o bem de todos, estou ciente que ficar em casa é melhor”,enfatiza. Eliane Lemos, 37 anos, mãe do Henrique é bombeira civil, afirma que a rotina entre eles não mudou muito, mas em relação ao pai está diferente. “Eu fico mais tempo com ele em casa, mas da parte do pai, já mudou bastante, porque o Júnior (pai) tem mais convívio com ele agora.” Sobre os cuidados necessários para evitar o contágio e informações da pandemia, Eliane explica como aborda o assunto com o filho “Como ele está fazendo muitos trabalhos da escola, então, é frequente aparecer alguma notícia. Tem vezes que ele pergunta para a gente e nós respondemos, somos muito abertos com ele”. Henrique sabe que é uma doença perigosa, pode levar a morte, então, é preciso ter todos os cuidados.

Henrique, de 11 anos, entende a necessidade do isolamento social. (Fotos: Arquivo pessoal)

Para a Manuela Luge, de 9 anos, os cuidados para evitar o contágio estão na ponta da língua “lavar as mãos por 25 segundos, passar álcool em gel e evitar sair de casa”. Manuela já faz planos para quando a pandemia passar “quando acabar o isolamento, eu quero ir para a escola, por que eu tô morrendo de saudades das minhas coleguinhas e da minha professora. Também quero ir para a minha vó e poder brincar com meus primos. E eu quero sair com a minha mãe e o meu pai para ir ao mercado, e ir ao parque com o meu irmão” diz. A mãe da Manuela, Rosana Luge, de 32 anos, que trabalha na área de departamento pessoal, também é mãe do Felipe de 11 anos e comenta a consciência das crianças sobre a pandemia “eles entendem que no momento devemos evitar o máximo sair de casa, por causa do vírus”, ressalta. Rosana fala sobre a mudança no dia-a-dia devido a quarentena ”a rotina de casa mudou, passamos mais tempo juntos, aderimos brincadeiras e jogos com eles”.

Manuela, de 9 anos, mantém rotina diária entre estudos e lazer (Fotos: Arquivo pessoal)

Rotina, organização, metas curtas e empatia

A psicóloga Aline Sá Copetti, especialista em Terapia Cognitivo-Comportamental, conversou com a Beta Redação, a partir da perspectiva dela, que continua atendendo de forma remota e online, sobre como está o estado mental de adultos e crianças no meio dessa pandemia: “É muito singular o estado mental de cada indivíduo.Todos nós somos bastante afetados sobre a questão da pandemia, porque envolve muitos limites, e muitas emoções das mais desagradáveis, como o medo”. A psicóloga confirma que temos que saber lidar com as frustrações e tanto os adultos quanto as crianças podem ficar mais ansiosas pelas diferenças nas rotinas e modificações de atividades.

A psicóloga Aline Copetti é especialista em Terapia Cognitivo-Comportamental (Foto: Arquivo pessoal)

Conforme Copetti, cada criança vai ser afetada de uma forma que o contexto familiar, que já existe, vai contribuir positivamente ou não. “Os pais ou responsáveis também têm que desenvolver habilidades para poder explicar para a criança todos esses momentos, de que talvez a gente não saiba quanto tempo vai durar o isolamento, mas de trazer bem para o momento presente, de que a gente vai fazer as atividades do dia e que amanhã é outro dia, fazer metas curtas, poder também manejar com as frustrações de não poder sair para brincar ou de visitar amigos e familiares. Depende de cada família e de cada abordagem”, afirma.

Copetti reforça a necessidade e importância de se ter uma rotina durante o isolamento social tanto pelo bem dos pais e das crianças “rotina e organização é fundamental para a saúde mental de cada pessoa. A criança tem que ter um horário para dormir, para acordar, para os estudos, para o lazer e integração com a família. Nesse momento, tem que se reinventar e tem que colocar uma rotina, se não a criança fica muito solta, talvez as atividades não sejam cumpridas, tornando uma fonte de muita angústia e ansiedade, tanto para os pais quanto para as crianças” enfatiza.

No aspecto de entretenimento para as crianças, Copetti confirma a necessidade de limitar o acesso às tecnologias e que esse é o momento ideal para se utilizar coisas que já se tem em casa e que não estavam sendo usadas pela família. “Tablets e smartphones livres, nunca são uma boa opção! A gente tem que dar limite, claro que isso varia de acordo com a idade. Para crianças pequenas é indicado menos tempo, tudo tem que ser negociado. Agora, a gente vai usar muito da criatividade. Pode até usar as tecnologias para ver ideias criativas, trabalhos manuais com tinta, usar sucatas, atividades que possam ter o envolvimento de toda a família, como jogos. Utilizar de todas as coisas que já se tem em casa, que talvez não estavam sendo acessados”, ressalta.

Segundo Copetti, nessa situação de isolamento social as crianças estão mais felizes, por que tem a presença de pais ou responsáveis que antes estavam trabalhando sempre fora e que não tinham tempo nem de almoçar em casa. “Na minha experiência, os pais e os filhos estão se sentido mais próximos devido a essa rotina, estão tendo muitos hábitos saudáveis” afirma. Sobre empatia, Copetti explica que esse é o momento fundamental para ensinarmos as crianças sobre empatia, da necessidade das crianças também aprenderem a se colocar no lugar dos outros: “É uma ótima oportunidade para os pais ou responsáveis instruírem as crianças a ajudar nas tarefas de casa, ter mais respeito, e escutar nos momentos em que for preciso de mais atenção. O momento é oportuno para instruir as crianças a pensarem no coletivo”, diz.

A quarentena é para todos?

Josi Skieresinski

Por conta das visitas à mãe, a rotina na casa de Rosangela Henrique da Silva modificou-se inteiramente. O filho adolescente já não sai mais. O marido, apenas para trabalhar e ir ao mercado. E Rosa, como é chamada em família, vive para cuidar e auxiliar a mãe idosa. “Eu não quero que minha mãe morra. Não quero que ninguém da minha família morra. É por isso que eu tomo todos os cuidados necessários”.

A rotina na casa dos Silva mudou drasticamente, desde o primeiro dia que foi decretada a quarentena. Rosangela, de 48 anos, e a família vem se adaptando e adotando todos os cuidados necessários para que não haja contaminação. Ela divide o apartamento de dois quartos com o marido Alex, de 48 anos, e o filho caçula Erick, de 14 anos.

A família mantém uma caixa próxima à porta com os itens de higienização, onde guardam os sapatos usados para sair de casa. Assim que chegam, estendem a roupa no varal, do lado de fora do apartamento, em seguida levam para a máquina de lavar. Sempre que voltam da rua, tomam banho. Até os cachorrinhos tem suas patinhas higienizadas com água e sabão. Na casa da família Silva, a prevenção é total.

O frasco borrifador contém água sanitária diluída com água, para a higienização dos calçados. (Imagem: arquivo pessoal)

Rosa relata que até a dinâmica do trabalho do marido se modificou. Alex, que trabalha como especialista em uma empresa de segurança privada, agora sai mais tarde para o trabalho, pois as reuniões que eram diárias já não existem mais. A equipe se encontra somente em ambientes de área aberta, evitando contato direto entre os colegas. O marido também é estudante de direito na PUCRS, está escrevendo o trabalho de conclusão de curso neste semestre, em casa, pois as aulas agora são apenas em ambiente virtual. A formatura que está prevista para o primeiro semestre deste ano, permanece nos planos do marido.

Seu filho mais novo, está no último ano do ensino fundamental, da rede pública estadual, e está com as aulas presenciais suspensas até o final do mês de abril, como foi decretado pelo Estado. Ainda assim, faz suas atividades escolares em casa, via grupos de estudos nas redes sociais.

Moradora do bairro Rubem Berta há quase 30 anos, Rosa diz que está preocupada com a dinâmica da vizinhança. Sai de casa em poucas circunstâncias, como quando, leva seus cachorros para passear. Nessas situações, observa que seus vizinhos se reúnem em rodas de chimarrão, fazem churrasco na calçada, e até mesmo levam crianças de colo para as áreas de convivência coletiva do condomínio. “As pessoas não estão acreditando no que está acontecendo no mundo, não tem ciência, muito menos respeito e amor ao próximo”.

Ela também relata, que até mesmo pessoas do grupo de risco se expõem em situações de aglomeração. “A grande maioria das pessoas mora com familiares acima de 60 anos, e eu vejo, até mesmo os idosos, que não estão ligando e saindo de suas casas”. Em uma conversa que teve com uma de suas vizinhas, Rosa conta a descrença das pessoas em relação a gravidade do vírus. “Ela me disse que a pandemia vai ficar mais grave apenas em junho, julho. Que isto que está acontecendo é com os ricos que viajaram”, relatou via redes sociais à Beta Redação.

Rosa, tem muitos motivos para se sentir preocupada, a maioria das pessoas de sua família pertencem ao grupo de risco. A mãe de Rosa, Elizia, de 89 anos, mora com o neto que possui uma doença autoimune. A filha que sempre cuidou da mãe e lhe visitava diariamente, teve que diminuir o contato. No isolamento, Elizia e o neto, esperam Rosa apenas para levar comida e mantimentos, além de fazer a higienização dos ambientes. Nunca permanecem juntos no mesmo cômodo da casa, tudo é feito à distância.

Rosa em uma das visitas de higienização na casa da mãe. (Imagem: arquivo pessoal)

Rosa e o marido, também se preocupam com o bem estar das outras pessoas e dizem não ser coniventes com uma situação errada, frente aos últimos acontecimentos. “Outro dia, os amiguinhos do Erick vieram pedir a bola de futebol emprestada, não deixamos”, conta angustiada com a situação.

A questão financeira também é uma preocupação do casal, pois tem mais dois filhos que estão sem trabalhar e moram sozinhos de aluguel. “Se eles vão conseguir pagar as contas, ninguém sabe. Mas, tem uma coisa, a vida em primeiro lugar. Nós ajudamos da maneira que dá, passar fome não vão. Apertou, apertou bastante. Mas, o que vamos fazer? Nada. Agora é um tempo de espera, de amadurecimento, de estar em família. Pra mim, é tempo de oração, de olhar e amar os meus. E fazer de tudo para sobreviver e vencer”, comenta a mãe zelosa.

Pelo condomínio

Outro que teve sua vida reorganizada foi o videomaker, Rafael Oliveira, de 20 anos. O rapaz mudou-se, temporariamente, para o apartamento da namorada, que vive com os pais, para poder trabalhar home office.

Rafael que antes saia de Viamão, onde mora com a família, para trabalhar na zona sul de Porto Alegre, agora se vê limitado a um ambiente de cinco cômodos. Passa a maior parte do tempo no quarto, onde trabalha, estuda e tem seus momentos de lazer. “Tive que optar a morar aqui, pois na minha casa não tinha equipamento que desse conta do volume e agilidade do serviço”, conta o estudante.

Editar vídeos, renderizar, postar nas redes sociais, requer muito tempo e paciência. Essa é uma das reclamações do futuro produtor multimídia. “Estar em um mesmo ambiente, pequeno, com muitas pessoas, dificulta pois não temos muitas opções de relaxar quando o trabalho fica tenso”, relata angustiado.

Rafael em um dos momentos de trabalho (Imagem: arquivo pessoal)

Um dos momentos mais difíceis para o jovem, ocorreu no último sábado (04), era aniversário de sua mãe e ele não pode comparecer. “Nunca estivemos tanto tempo separados e o pior é que não sabemos quando poderemos nos ver”, comenta. Isso, porque em sua casa todos ainda saem para trabalhar e seria muito arriscado manter visitas durante este momento. Na casa dos sogros, todos estão em isolamento, afastados do trabalho e mantendo os estudos via ambiente virtual.

Olhar da repórter pelo condomínio

O condomínio que Rosa e Rafael moram está localizado na zona norte de Porto Alegre, que faz divisa com Cachoeirinha e Alvorada. Nele habitam, aproximadamente, 5.800 pessoas. Um número muito alto e com grande risco de contaminação. Infelizmente, alguns vizinhos aparentam não estar muito preocupados com a situação.

Airton Ribeiro, de 50 anos, ajudante de pintor está com pouco movimento no serviço. E passa o tempo se divertindo com as crianças, nas áreas comuns do condomínio, jogando futebol na quadra. “Meu cuidado é não ficar até tarde na rua, faço como todo mundo. Mas, não acho que o contato com eles tenha perigo”, comenta simpático.

Peterson Siqueira, de 18 anos, que também interage no mesmo grupo de Airton. Comenta que tenta ficar mais em casa, e que os cuidados são regulares em relação a prevenção do vírus.

Amigos passam o tempo da quarentena jogando futebol (Vídeo: Josi Skieresinski/Beta Redação)

Galeria

Pelo condomínio, famílias e amigos curtem o final de semana. (Imagens: Josi Skieresinski)

O dia a dia depois do vírus

Famílias em diferentes cidades do RS relatam como o isolamento tem mudado suas rotinas.

Lelo Valduga

Depois dos decretos da prefeitura e do governo do estado para o fechamento do comércio e atividades nas cidades gaúchas, a rotina de muitas famílias mudou completamente. Algumas delas, em sua maioria, não podem mais fazer tarefas diárias das quais estavam habituadas. Outras fazem home office, pois seus locais de trabalho estão fechados. Os aposentados e maiores de 60 anos não podem sequer sair às ruas ou ter contato com parentes mais próximos pelo risco de contágio.

litoral, serra e capital

A Beta Redação conversou com com 3 famílias. Todas elas relatam mudanças significativas na rotina e no trabalho.E não teria como ser diferente, pois seja de qualquer classe social ou faixa etária, todos foram afetados. Rodrigo Deiro, 43 anos, representante comercial, mora em Porto Alegre com sua esposa Cíntia e dois filhos pequenos, assim que soube do decreto, resolveu se deslocar com a família, temporariamente, até a sua casa no litoral gaúcho, em Atlândida. Ele e a esposa estão fazendo Home Office, mas com as crianças em casa, num espaço pequeno, ficava complicado: “Estamos acostumados com as crianças no colégio o dia todo. Com isso temos tempo para fazer nossas atividades profissionais. Criança requer atenção quase que permanente, e isso dificulta para podermos fazer nossas atividades profissionais em casa”. Deiro conta que tomou a decisão de ir para o litoral pelo fato de lá ter um espaço ao ar livre para os filhos se distraírem. Ele relata: “Aqui no litoral eles se distraem mais, têm mais espaço e não demandam tanta atenção quanto no apartamento. O mais velho tem atividades escolares para fazer e se ocupa bastante delas. O importante é que reiteramos à eles que isso não são férias”.

Preocupação do grupo de risco na serra

Em Bento Gonçalves na serra gaúcha, a professora aposentada Dirce Arioli, 73 anos, conta que está sendo difícil não poder sair de casa. Ela mora em um apartamento com o marido Gilberto, bancário também aposentado. Os dois fazem parte do grupo de risco, pois tem mais de 65 anos e estão seguindo rigorosamente o isolamento. “Eu não saio de casa faz um mês, meu marido saiu duas vezes para ir ao mercado, mas devidamente protegido com luvas e máscara”. Dirce ainda conta que trabalha voluntariamente pela liga de combate ao câncer da cidade e obviamente não tem ido as reuniões pois está tudo fechado. “Tenho meus afazeres fora de casa também. A liga é uma coisa que me toma um tempo, tínhamos reuniões e trabalhos toda a semana, mas agora estamos parados”. Ela ainda conta que nunca tinha passado por uma situação dessa e que imagina que quando tudo acabar, a volta ao normal será diferente: “Eu acho que as pessoas voltarão diferentes a vida normal. Mesmo livres do vírus tomaremos mais cuidado e daremos mais valor a coisas simples”. Por estar no grupo de risco, Dirce reitera que os cuidados são redobrados: “Não podemos ver nossos filhos e netos, mas sabemos que no momento, infelizmente, é necessário pela nossa própria saúde. Esperamos que isso passe logo”.

Rotina nova na capital

Em Porto Alegre, a psicopedagoga Paula Cruz, 36 anos, está em casa com o marido e a filha de 1 ano. Paula diz que não há o que fazer, pois tudo está fechado e, com isso, ela e o marido precisaram mudar totalmente a sua rotina. O casal tem faxineira e babá, ambas foram dispensadas temporariamente pelo risco de contágio. “Tivemos que dispensá-las por enquanto, pois nem no nosso prédio estão autorizando que os não moradores entrem. É uma rotina que mudou de repente e estamos tentando nos adaptar”, conta Paula. Ela também revela que tenta pelo menos manter uma rotina de alimentação e exercícios com a ajuda do marido: “A gente se reveza para dar atenção para a nossa filha. Enquanto um faz exercícios em casa, o outro cuida e vice verso”. A família de Paula tem tentado driblar a rotina com diferentes atividades. Entreter a filha de 1 ano é uma dificuldade, mas estão conseguindo, por enquanto: “Ela estava acostumada a passear pelo condomínio, sair com a gente, ir ao parque, ao shopping, mas já faz um mês que ela não sai do apartamento e isso mexe com o psicológico da criança, ela fica mais impaciente e agitada, então, temos feito muitas atividades com ela para que fique mais tranquila e se ocupe mais”. Paula diz que ela e o marido tem saído só em urgências para fazer compras básicas: “Saímos duas ou 3 vezes em um mês só para comprar comida e ir a farmácia. Nos revezamos para sair e quando voltamos tomamos todo o cuidado possível com a higiene”.

Diagnosticado com Covid-19, o estudante conta como é o processo de quarentena e cura da doença

Ueze Zahran revela os momentos de insegurança sobre o futuro e como lidou com o estresse

Gabryela Magueta

O estudante de engenharia e corretor de seguros Ueze Zahran, de 27 anos, contraiu o coronavírus em março, conforme exame positivo feito no Hospital Albert Einstein, em São Paulo. Ueze faz parte dos milhares de confirmados pelo novo coronavírus no país.

O estudante se tornou um verdadeiro porta voz dos infectados, mostrando como lida com o isolamento em várias publicações nas redes sociais. Ele também já foi entrevistado pela CNN no Brasil, entre outros veículos nacionais. O estudante conta como está sendo o isolamento domiciliar, sua experiência ao Covid-19 e o processo de quarentena até a cura.

(Foto: arquivo pessoal).

Ueze descreve seu isolamento domiciliar e a experiência de uma quarentena por conta da doença: “Isolamento é péssimo, mas estou tirando proveito do melhor da situação”. O estudante está trabalhando remotamente através do Skype. Aproveita os dias de confinamento lendo livros, jogando vídeo game e cuidando da sua saúde mental: “Converso com meus amigos e familiares via Facetime. Não pude entrar em contato com ninguém! Quando queria falar com minha mãe, precisava desse tipo de dispositivo”.

As questões de saúde física e psicológica são amplamente discutidas neste momento. Zahran detalha o quão obscuro foi o sentimento durante o período: “Achei que iria morrer, não nego. Mantive a força e me cuidei o triplo do que já me cuidava. Me informei bastante e mantive a calma, se não o estresse iria me matar” revela.

Para se manter tranquilo jogos de videogame se tornou seu principal passatempo: “Me mantinha tranquilo matando personagens no Call of Duty (Risos)”. O estudante comenta a gravidade da doença e como se sentiu quando descobriu que estava com coronavírus. “Acredito que o Covid-19 é uma doença grave para idosos, mas para jovens saudáveis não. Os meus sintomas foram fortes e imagino que uma pessoa mais debilitada não aguentaria” diz.

Como portador da doença, a mensagem do estudante é clara e cuidadosa. “Se cuidem, sempre! Se você não se cuida, qualquer doença que deveria ser fraca pode se tornar complicada! O que me salvou foi me cuidar e eu tenho certeza disso!‘’

Zahran que está curado, comemora: ‘’Hoje eu estou finalmente curado! A sensação é ótima. Felicidade que não se mede, declara.”

Ele suspeita que foi infectado pelo vírus no aeroporto de Guarulhos, em São Paulo. ‘’Imagino que na viagem que fiz para o Rio de Janeiro no início de março, creio que tenha sido no Aeroporto de Guarulhos’’, conta.

Sobre os sintomas, o estudante diz que eles começaram na quarta-feira, dia 11 de março, de madrugada. “Minha primeira reação quando eu vi o ‘detectável’ em meu exame para coronavírus foi um choque! Comecei a me informar logo em seguida, afinal é um vírus que não tem cura e obviamente fiquei com medo de morrer. Logo em seguida avisei todas as pessoas que estavam próximas de mim do meu exame’’.

Após a confirmação de Covid-19, Ueze declara fundamental o distanciamento social e sua boa recuperação. “Meus sintomas foram horríveis. Tive febre alta, coriza, tosse seca, dores na cabeça, atrás dos olhos e no corpo,’’ explica.

Com as redes sociais conhecendo sua história, o perfil do estudante de engenharia ficou popular. A partir disso aconteceram inúmeras entrevistas e situações de fake news sobre meu estado de saúde em Campo Grande, onde mora. ‘’Depois de muitas pessoas me seguirem, mais de 4 mil pessoas, eu continuei respondendo as perguntas que me mandaram. Acham que sou médico e não sou” explica. A CNN Brasil entrou em contato através do Instagram, e Ueze topou a entrevista. E acrescenta: ‘’Houve boatos que eu tinha falsificado o meu exame, eu logo em seguida mandei meu login e senha do Einstein para eles ficarem quietos. Muitos boatos apareceram e eu desmenti todos”.

(Fonte: CNN Brasil)
(Fonte: arquivo pessoal Ueze Zahran)

Brasileiras que moram no exterior relatam como vivem durante a pandemia

Governos se organizam de diferentes formas para lidar com a Covid-19

Caroline Ambrós e Paulo H. Albano

Desde o mês de março a população brasileira vêm tentando se adaptar a uma forma de viver totalmente diferente do que estava acostumada. Com a chegada do novo Coronavírus ao país e o diagnóstico de mais de 14 mil casos da doença, medidas de segurança estão sendo tomadas em todos os estados do Brasil na tentativa de conter o avanço da contaminação. Ao redor do mundo também existem brasileiros afetados pela mudança que a pandemia provoca em suas rotinas. A Beta Redação conversou com duas gaúchas que vivem no exterior para entender como elas estão passando pelo período de quarentena.

“Foi muito rápido. No dia 10 de março eu estava trabalhando com os meus alunos em um texto sobre o coronavírus. Naquele dia nós tínhamos somente um ou dois casos diagnosticados aqui na província de Québec. Na segunda-feira seguinte as aulas já estavam suspensas”, conta a professora Giselda Lima Andrade. Ela mora há um ano e meio na cidade de Montreal e está perto de completar um mês de quarentena. O Québec decretou estado de emergência no dia 13 de março.

O decreto impôs mudanças significativas no dia a dia do segundo município mais populoso do Canadá. No comércio, só serviços essenciais como supermercados, farmácias e hospitais seguem funcionando. Escolas, universidades e shoppings foram fechados. O transporte público também segue operando, embora os ônibus e metrôs estejam consideravelmente vazios. Na entrada dos estabelecimentos que continuam abertos, fiscais controlam as filas e o distanciamento entre os clientes para evitar a aglomeração.

Giselda explica que esses profissionais oferecem equipamentos como luvas e álcool em gel e questionam os cidadãos sobre possíveis sintomas que possam ter sentido durante os últimos dias. Os consumidores ainda são orientados a encostar somente nos produtos que irão comprar e lavar todas as mercadorias ao chegarem em casa. “No início chegou a ocorrer a falta de alguns produtos nas prateleiras. Esse problema foi resolvido com a restrição da quantidade de alimentos que cada pessoa poderia comprar, como tomates, bananas ou batatas, por exemplo”, esclarece ela. Também relata que houve um aumento de preços de alguns produtos cujo valor chegou a dobrar. “As promoções semanais que antes eram frequentes não têm ocorrido mais”, afirma a brasileira.

Nascida em Porto Alegre, Giselda trabalha ensinando francês aos imigrantes que chegam ao Québec e, conforme a legislação, precisam prestar uma prova para serem aceitos como cidadãos locais. As aulas são presenciais e chegam a contar com grupos de até 40 alunos dos mais variados lugares do mundo. Ela explica que os estudantes são remunerados pelo governo e por isso devem cumprir as horas de aula estabelecidas. Além da língua, o conteúdo ensinado abrange também parte da cultura local. Devido a quarentena, as aulas estão paradas, pois ainda não há uma plataforma específica que possibilite o home office para esses estudantes. Apesar disso, a professora revela que por vontade própria criou um grupo de whatsapp para esclarecer dúvidas dos alunos durante o período de isolamento.

Giselda em uma Montreal com pouco movimento de pessoas (Foto: arquivo pessoal).

Caroline Andrade, filha de Giselda, também se adapta aos novos tempos de distanciamento social. A jovem de 19 anos, que estuda Ciências Sociais no Collège LaSalle e trabalha como operadora de caixa em uma hamburgueria, foi mais uma a ter suas atividades habituais modificadas em decorrência da pandemia. Os estudos continuam, mas agora na modalidade EAD. Já o restaurante paralisou os serviços por tempo indeterminado. Para trabalhadores como Caroline, o governo canadense está disponibilizando uma ajuda de custo durante a quarentena. Ela destaca que ações como essa beneficiam estudantes e autônomos, muitos deles imigrantes. “Os serviços públicos daqui de um modo geral são eficientes e funcionam rápido. Preenchi o formulário pela internet e dois dias depois já fui informada de que o pagamento irá entrar na minha conta”, elogia a jovem.

A estudante é uma das milhares de pessoas pelo mundo que terão que adiar por tempo indeterminado viagens que já haviam sido programadas. Ela estava com a passagem de avião comprada para vir ao Brasil em maio, mas a companhia aérea cancelou o voo. Em relação a quarentena, ela expõe que o que mais sente falta de fazer são os passeios de metrô por Montreal. Como as áreas de lazer do condomínio onde mora foram fechadas por precaução, Caroline têm ocupado boa parte do seu tempo cozinhando e praticando exercícios dentro do apartamento.

Além do suporte financeiro oferecido pelo governo, outro ponto enaltecido por ambas é a obediência das recomendações de saúde por parte dos cidadãos. Elas reiteram que as pessoas praticam o distanciamento de cerca de dois metros em locais públicos como metrôs e escadas rolantes, além de não tocarem em objetos da rua passíveis de contaminação. As duas, que costumavam ir ao mercado de três a quatro vezes por semana, estão tentando diminuir ao máximo as saídas. Quando é necessário sair de casa, sempre utilizam máscara no rosto.

Caroline próxima a Ponte Jacques-Cartier, ponto turístico de Montreal (Foto: arquivo pessoal).

Quanto aos passeios e caminhadas ao ar livre, que normalmente devem ser evitados em um contexto de quarentena, Giselda ressalta que existe uma particularidade a ser considerada no Canadá: o país acaba de sair de um inverno que durou seis meses. Devido às baixas temperaturas, que chegam a até -30 ºC, os moradores passaram os últimos seis meses fechados em suas casas. “Saímos de um isolamento e entramos direto em outro. É normal as pessoas terem essa vontade de sair para pegar sol. Muitos aguardaram ansiosos o fim do inverno e acabaram não tendo essa recompensa. Mesmo assim, a população está conscientizada do cenário atual, e a polícia também está atuando para evitar aglomerações em parques e praças”.

Ainda em relação às angústias que o sentimento de isolamento pode provocar, ela aponta duas questões sociais relevantes no Canadá. O país historicamente sofre com altas taxas de suicídio, principalmente durante o inverno rigoroso. Devido ao fechamento de alguns espaços públicos, estes casos acabaram consequentemente diminuindo. Em contrapartida, houve um aumento exponencial no número de pessoas consumindo substâncias químicas nas ruas, o que provoca filas grandes e indesejadas em tempos de coronavírus. A venda de maconha é liberada no Canadá e pode ser adquirida em lojas específicas. “Sabendo que essa sociedade tradicionalmente sofre com a depressão, o governo optou por manter o funcionamento dos serviços de venda de álcool e maconha”, observa.

Quando questionada sobre um possível incômodo que a quarentena causa pela exigência de ficar muito tempo em casa, Giselda garante que essa condição não tem sido um problema para ela. A professora cursa doutorado em Educação na área de Didática de Línguas e continua estudando através de plataforma virtual oferecida pela UQAM. “Estou concluindo um trimestre importante da faculdade. Por causa da grande quantidade de tempo que o doutorado demanda, já estava acostumada a passar a maior parte do dia me revezando entre o trabalho e os estudos. Estou em casa, mas continuo ocupada com muita leitura e muitos trabalhos”.

Sistema de Saúde e Coronavírus

O Sistema de Saúde do Canadá é público. A estrutura de hospitais e atendimento disponibilizada é a mesma para pessoas de classes sociais distintas. Apesar de haver recursos financeiros para proporcionar instalações e pesquisas de qualidade, o país sofre com a falta de médicos, enfermeiros e professores. A solução que o governo busca para resolver a necessidade de mão de obra é justamente através de imigrantes como as brasileiras entrevistadas.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) e especialistas em virologia já alertaram que o maior risco oferecido pelo coronavírus é o colapso causado nos sistemas de saúde mesmo de países desenvolvidos economicamente. Apesar da baixa taxa de mortalidade, a rápida disseminação da Covid-19 acarreta a falta de médicos para atender todos os infectados. Considerando essa realidade de mão de obra escassa, o governo canadense tem agido energicamente para evitar o colapso do seu sistema de saúde.

Até a publicação desta matéria, o Canadá contabilizava mais de 21 mil casos de coronavírus e 531 mortes.

Itália, o centro de tudo

Era início de janeiro de 2020 em Florença, norte da Itália. O estilista Marcos Barbosa (32), que reside na região já há alguns anos, ouve falar sobre um vírus que se espalhava na China, assiste vídeos alarmantes de pessoas passando mal nas ruas. Porém, acha que isso nunca sairá do país asiático.

O profissional relata que ainda em Janeiro, sem saber muito do que se tratava, o governo Italiano fechou as fronteiras aéreas para a China. Devido ao alto consumo chinês de marcas de luxo italianas, os chineses vão para o país se casar e fazer ensaios fotográficos de noivado, o que faz com que a Itália receba um volume alto de turistas chineses diariamente. Marcos relata que, devido ao fechamento aéreo, em meados de Janeiro os turistas chineses haviam sumido, mas logo começam a vir de trêm. Para driblar o fechamento de aeroportos, pousavam de avião em países vizinhos a Itália e completavam o trajeto por terra, principalmente através das linhas ferroviárias. Inicialmente, Marcos pensou que tudo isso era exagero da mídia, já que, para ele, existe a tendência de ser sensacionalista, principalmente a mídia de países latinos como a Itália.

O brasileiro conta que, quando o vírus chegou ao norte da Itália, pegou todos de surpresa: “ninguém entendeu o que estava acontecendo. O governo parou as escolas, mas ninguém entendeu que não eram as crianças o problema, e sim que elas iriam contaminar os idosos. Todos seguiram com suas vidas normalmente. Começou a ter propaganda de estação de ski para aproveitar que estavam sem aulas e ir esquiar.” reforça.
Ele explica que ninguém entendeu a gravidade da situação,

“e por isso é preocupante a gente daqui ver no Brasil as pessoas falando as mesmas coisas.”

Naquele momento, ainda sem casos na sua cidade, Marcos sabia que era uma questão de tempo até o vírus chegar à Florença. Em meio a Fashion Week de Milão, a epidemia, que ainda era novidade, começou a se alastrar na cidade, durante um período em que o mundo todo está lá. Compradores industriais, pesquisadores, feirantes, modelos, fotógrafos, lojistas, stylists, imprensa. Toda a indústria de moda mundial para e vai para Milão. Com as notícias do novo Coronavírus cada vez mais em evidência, algumas marcas decidiram fazer eventos fechados com um número limitado de pessoas ou até mesmo cancelá-los. Com isso se estabilizou a gravidade da situação. Para marcas tão importantes da indústria da moda, cancelar um desfile ou fazer um desfile de portas fechadas, implica num prejuízo muito grande, principalmente depois de meses de trabalho e milhões de euros gastos. Estima-se que o prejuízo tenha sido de bilhões de euros.

No final de janeiro, quando começava cancelamentos de reservas de hotéis e o turismo da região parava, políticos chamaram a imprensa pra “segurar a falação” sobre o vírus, já que as notícias estavam causando alarde na região, o que podia prejudicar a economia Italiana, que já estava estagnada. Momento em que campanhas contra um possível lockdown começaram a se popularizar, como “nossas crianças estão indo para escola, se não tem perigo para elas, não tem perigo para você” e as hashtags #MilãoNãoPara, #FlorençaNãoPara, #VenhaParaItália tomavam força.

“Essa abordagem de que tudo estava bem durou duas semanas, porque logo começou uma enxurrada de gente morta. Então começou o lockdown por regiões” afirma o estilista.

Em meio ao caos instaurado na Itália, acontecia um desencontro político. O governador da Lombardia, Attilio Fontana, e o primeiro ministro, Giuseppe Conte, não estavam de acordo em relação às medidas a serem tomadas. Foi quando Conte enviou um pré aviso informando o que ainda seria modificado nas medidas de segurança, Fontana descontente o mandou para as emissoras de televisão BBC e CNN.

O que o governo temia aconteceu: a população ficou sabendo do lockdown antes mesmo dele começar através da imprensa, o que gerou tumulto. As pessoas que têm família no sul entraram em desespero. Temendo não poder voltar para suas famílias após o suposto lockdown, se apressaram para viajar. Isso gerou uma grande aglomeração de pessoas nas estações de trem e consequentemente essas pessoas que atravessariam o país através das ferrovias, acabaram espalhando o vírus por todo território italiano.

Além da medida de isolamento social, a Itália foi o primeiro país a controlar as pessoas nas ruas, medindo a temperatura e fazendo campanhas apelando para que, caso haja presença de sintomas, que a pessoa não hesite em procurar seu médico.

A pandemia afetou tudo na vida de todos. Após a resistência da população em levar o isolamento social a sério, o País teve que optar pela quarentena compulsória, que se estende até hoje, sem previsão de término. Todos só podem sair de casa com um documento que comprove onde a pessoa vai, e deixando a população sobre a vigilância de patrulhamento policial nas ruas. Isso implica na limitação de tráfego urbano, já que quem tentar burlar a quarentena sofre o risco de pagar multa ou ser até mesmo preso. As pessoas não podem sair para procurar emprego e quem ainda trabalha não terá o contrato renovado.

Marcos, que tem sua empresa na Itália e no Brasil, foi diretamente afetado com a alta do preço do euro e a impossibilidade de viajar. E seus pais, que estavam com viagem marcada para Itália, tiveram que cancelar sem nenhuma perspectiva de quando poderão encontrar o filho.

O caos se alastra na Alemanha

A gaúcha Pâmella Pizolatto, (30) mora em Berlim há três anos, onde atua como psicóloga. Ela conta que em março, na Alemanha o processo também foi de fechar escolas e proibir aglomerações de pessoas. Assim como a iniciativa do governo de fazer a campanha Wir Bleiben Zuhause (Nós Ficamos em Casa) e o lockdown do comércio e empresas. As autoridades definiram somente o comércio necessário ficaria aberto, isso é grandes supermercados, farmácias e bancos. Diferentemente da Itália, a Alemanha se mantém com um isolamento social facultativo, onde as pessoas ainda podem circular livremente para se exercitar e frequentar o pouco comércio ainda aberto.

A psicóloga explicita sua preocupação com o impacto psicológico que a pandemia pode trazer à população. No país, o governo autorizou os planos de saúde a liberar as sessões de terapia, o que antes era limitado a uma por semana, agora está disponível de forma ilimitada.

Pâmella explica que, no momento, acontece uma discussão sobre por quanto tempo valeria a pena manter as pessoas em casa, numa tentativa de prever todos os efeitos que podem surgir disso. A gaúcha teve a vida afetada de várias formas: passou a cursar suas aulas de mestrado online, sua mãe, que a visitaria em junho, não vai mais fazer a viagem, e ela vai perder o nascimento da primeira filha de sua cunhada, que mora na Inglaterra.

O outro destino do vírus na Europa Ocidental: Portugal

O farmacêutico gaúcho, Pablo Fonseca (30), que atualmente reside em Lisboa, Portugal, conta que em fevereiro o vírus já estava sendo falado e estudado no país. Na farmácia onde trabalha, muitos chineses passaram a procurar por máscaras, o que deixava os funcionários com a impressão de que realmente era algo sério na China, e que chegaria à Portugal em algum momento. Muitos estudantes estrangeiros que viajaram para seus países também procuravam por máscaras.

Logo o governo declarou estado de emergência e passou a impor restrições, como fechar restaurantes, restrições de voos, e a polícia passou a fazer patrulha nas ruas para garantir que ninguém estivesse andando em aglomeração ou sem motivo.

Pablo foi diretamente afetado pelas restrições quando ia visitar sua irmã na Alemanha para conhecer o seu sobrinho recém nascido. Com as passagens já compradas, Angela Merkel anunciava o fechamento das fronteiras alemãs. Agora, a comunicação com a família é por WhatsApp onde sua família mostra grande preocupação acerca de sua profissão, já que Pablo passa o dia atendendo pessoas que são possíveis vetores do vírus.

A preocupação se dá, principalmente, pelo fato de que a farmácia onde Pablo trabalha em Saldanha, um bairro nobre de Lisboa, têm deixado a desejar no cuidado com os funcionários. Pedem para que eles não usem álcool gel nem máscara, para que sobre para os clientes. Além disso, a loja não diminui o quadro de funcionários, apenas os dividiram em dois grupos que trabalham em horários diferentes, de forma a nunca se encontrarem. Logo esse esquema se mostrou falho, quando Pablo teve que cobrir uma colega do outro grupo que não pode trabalhar um dia. O farmacêutico acredita que as medidas tomadas no Brasil têm sido mais rígidas, a fim de proteger mais os funcionários da saúde.

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Juliana Coin
Redação Beta

Tentando inserir um pouco de realidade num universo de fake news.