Ecobarreira diminui a poluição física do Guaíba e não a química

Carolina Santos
Redação Beta
Published in
6 min readSep 22, 2021

Ativo há cinco anos, o equipamento já recolheu cerca de 800 toneladas de resíduos, mas a contaminação química ainda é a maior fonte de poluição hídrica do lago, em Porto Alegre

Quem frequenta a orla do Guaíba, em Porto Alegre, já deve ter percebido as mudanças trazidas pelas obras de revitalização no local. Atualmente, elas têm atraído centenas de visitantes. A cena tem sido de multidões se exercitando, tomando chimarrão ou contemplando o pôr do sol aos finais de semana. Mas a verdadeira realidade é denunciada pelo mau cheiro. Mesmo após a instalação da Ecobarreira, a contaminação química persiste a maior fonte de poluição hídrica — sobressaltada à poluição física do lago que banha a capital gaúcha.

Grande parte do odor vem do arroio Dilúvio, que desagua no Guaíba. Ele percorre mais de 15 km de áreas urbanas, com grande concentração populacional. Isso coloca o Dilúvio na categoria de córrego mais poluído de Porto Alegre. A sua foz tem um dos principais pontos de entrada da poluição orgânica, e também de metais pesados dentro do lago.

Ecobarreira instalada no Arroio Dilúvio, em 2016, é um projeto do Instituto SafeWeb. (Foto: Luciano Lanes/PMPA)

Ecobarreira: uma armadilha só para a poluição física

A Ecobarreira é um projeto pioneiro na América Latina. Instalada em 2016, hoje são cerca de 800 toneladas de resíduos já recolhidos. Quem faz a administração e a contratação de pessoas, para a operação e o funcionamento do equipamento — instalado na esquina das avenidas Borges de Medeiros e Ipiranga — , é o Instituto Safeweb. Ele conta com o apoio do Departamento de Esgoto Pluvial (DEP) e o Departamento Municipal de Limpeza Urbana (DMLU). O acordo firmado com a prefeitura de Porto Alegre foi renovado em 2021. Agora, ele passa a valer até 2025.

Gráfico demostra o acúmulo anual de resíduos recolhidos pela Ecobarreira. (Imagem: Reprodução/Instituto SafeWeb)

O vice-presidente do Conselho de Administração da Safeweb, Luiz Carlos Zancanella Junior, comenta sobre como teve a inspiração ao rolar o feed do seu Facebook e se deparar com um vídeo. “Era uma pessoa gravando uma barreira em Baltimore, nos Estados Unidos”, lembra. Posteriormente, ele acabou conhecendo a Ecobarreira da América do Norte e resolveu aplicar a ideia em um local que via da janela de sua residência: o arroio Dilúvio. Zancanella também é presidente do Instituto Safeweb e CEO do Revolution Hub.

Segundo o professor do Instituto de Pesquisa Hidráulica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Gino Gehling, o modelo que está ativo não é o original. “O primeiro modelo implantado era interessante sob o aspecto paisagístico. Ele exercia atração sobre a fauna local, tanto de peixes como de aves”, aponta. Mas Gehling explica que as modificações foram necessárias para a adequação à realidade do Dilúvio. O córrego transporta, por meio de sua correnteza, objetos que acabavam por estragar o modelo inicial. “Por este motivo, a armadilha original foi substituída pelos blocos plásticos amarelos”, complementa. O profissional também faz parte do Conselho Deliberativo do Instituto Safeweb.

Durante a construção, fizeram estudos de linhas de fluxo para determinar pontos de ancoragem e o ângulo ideal da Ecobarreira no Arroio Dilúvio. (Foto: Arquivo Pessoal/Gino Gehling)

O professor igualmente revela critérios e estudos seguidos antes da implementação. “Um deles foi que a Ecobarreira flutuasse para limitar-se à retenção de sólidos flutuantes”, diz. Ele também destaca a busca por uma concepção de barramento de resíduos que não comprometesse a fauna local.

A segunda versão da Ecobarreira retém, além do lixo, o lodo flutuante que, por vezes, ocorre de forma intensa no arroio Dilúvio. (Foto: Arquivo Pessoal/Gino Gehling)

Nos primeiros anos, todo material resgatado pela Ecobarreira era destinado ao Aterro Sanitário de Minas do Leão, a 90km de Porto Alegre. Como essa era uma preocupação do Instituto, Zancanella sublinha que uma parceria com a Brasken determinou a quantidade de detritos e se eles eram contaminados. “Se verificou que esse resíduo [do arroio Dilúvio] não é mais contaminado do que o resíduo residencial retirado pelo DMLU, todos os dias, da casa de todos. Então, não teria problema que o resíduo retirado pela Ecobarreira fosse manipulado”, diz.

Atualmente, os rejeitos são separados assim que coletados na Ecobarreira. Os materiais recicláveis são enviados para a startup Trashin. Ela faz o tratamento correto, vende alguns materiais e também envia outros para cooperativas fazerem novos, entre diversos usos. Os rejeitos são encaminhados para o Aterro Sanitário de Minas do Leão. Mas vale ressaltar que essa parceria ainda está em fase inicial e análise de viabilidade.

Poluição química: uma carga oriunda dos esgotos

A poluição do Guaíba ocorre desde o século 19, conforme narra o engenheiro ambiental Leonardo Capeleto. Em artigo, ele é um dos coautores que expõe os chamados “cubos” — espécies de caixas com dejetos humanos que eram jogadas no local onde hoje está localizado o Gasômetro. Atualmente, os “cubos” foram substituídos por formas “sofisticadas”, explica Capeleto.

Em entrevista, o engenheiro alerta para o fato de a Ecobarreira não surtir efeito quando falamos da poluição química do arroio Dilúvio e, consequentemente, do Guaíba. “Para a poluição química não surte efeito, a redução ocorre na poluição física quando evita a entrada de resíduos como garrafas pet, isopor ou qualquer coisa que flutue”. Todavia, o profissional adverte sobre a poluição química diluída na água. “Isso não muda nada, a não ser que tivesse algum meio biológico”, comenta.

Apesar de o Guaíba ser delimitado por 27 sub-bacias hidrográficas, compostas por arroios e riachos, ele ainda é o maior receptor de toda a poluição. As suas águas são contaminadas dia a dia pela carga orgânica oriunda dos esgotos domésticos de Porto Alegre. Segundo o engenheiro, a cidade “tem capacidade de tratamento de 80% do esgoto gerado”. Na prática, contudo, Capeleto diz que só uns 50% é tratado. Em média, ele ainda estima que sejam jogados cerca de 75 milhões de litros de esgoto diariamente, na bacia do Guaíba.

Para o ambientalista, o esgoto doméstico é a grande fonte de poluição hídrica da cidade, ao contrário do que muitos possam pensar, a indústria não é a grande culpada. “A indústria tem fiscalização, elas tem ‘fingerprint’, impressão digital em português. Com isso, eu consigo saber o padrão de uma poluição industrial e o impacto da poluição não é industrial, é esgoto”. Ele aponta que a maior parte dos químicos encontrados nas águas são cobre, zinco, chumbo, nitrogênio e fósforo — componentes presentes nas fezes e urina humana.

Capeleto enfatiza que o ideal seria 100% do esgoto tratado para que se evitasse o problema da poluição. Por enquanto, o ideal parece utópico, por isso a educação ambiental serviria como uma das soluções a longo prazo. “Primeiro, é fazer as pessoas entenderem que há um problema. Às vezes, elas podem perceber em parte do ano. Outras vezes, podem perceber em diferentes momentos”, explica.

O gosto de barro, alga ou mofo que muitos dizem sentir, é um dos indicativos da poluição hídrica, assim como o cheiro. A geosmina é o microrganismo responsável pelo gosto ruim na água de todo porto-alegrense, e a sua proliferação é provocada principalmente pelo excesso de nutrientes, calor e águas paradas. O exemplo trazido pelo engenheiro ambiental demostra como o conhecimento sobre problemas do dia a dia pode gerar interesse na resolução deles.

Parte da revitalização da orla ainda está em construção entre a foz do Arroio Dilúvio e o Parque Gigante. A primeira entrega, ao lado da Usina do Gasômetro, já foi feita e, com isso, há o aumento da circulação de pessoas. (Foto: Antônio Maciel / PMPA)

Está ruim, mas já foi pior

A pesquisa do engenheiro ambiental Leonardo Capeleto, após analisar sedimentos do Lago Guaíba, apontou que a poluição reduziu muito. Nos anos 1960, com o projeto desenvolvimentista no Brasil, o famoso “Cinquenta anos em cinco” determinado pelo governo de Juscelino Kubitschek, foi o responsável pelo aumento da poluição hídrica em Porto Alegre.

Capeleto lembra, também, que ícones ambientalistas como Henrique Luiz Roessler e José Lutzenberger começaram o legado de conservação ambiental a partir dos anos 50. “Lutzenberger fazia umas alusões que eram muito didáticas. Ele dizia que para cada copo de água que você beber em Porto Alegre, você vai beber uma colherzinha de merda”, recorda o engenheiro. Na época, ainda não existia esgoto tratado na cidade.

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