Educação sexual de jovens: divergências entre ensino público e privado

Dyessica Abadi
Redação Beta
Published in
5 min readApr 11, 2018

Diferenças relacionadas ao processo pedagógico das escolas expõe tabus, questões religiosas e interesses financeiros

A Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE) analisa e dimensiona diversos fatores de risco e de proteção à saúde dos adolescentes. (Foto: Dyessica Abadi/Beta Redação)

“Converso sobre tudo com meu filho, inclusive sobre masturbação, hormônios, paqueras, etc. Não sei se a profissão que escolhi reflete nisso, mas acredito que os pais têm que serem abertos”, explica Scheila Siqueira Barbosa, 42 anos, técnica de enfermagem e funcionária da secretaria da saúde de Esteio, onde atende no Programa Municipal de Infecções e Doenças Sexualmente Transmissíveis (IST e DST), HIV, AIDS e Tuberculose. Scheila defende que a escola seja complementar na orientação dos jovens sobre saúde sexual e reprodutiva e acredita que seu filho, João Henrique, 15 anos, ainda não teve relações sexuais: “Não falo em incentivo a sexualidade, mas que há tempo para tudo e com responsabilidade. O conservadorismo gera distanciamento e medo”, esclarece.

Segundo dados da terceira e última edição da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE), de 2015, aproximadamente 27,5% dos escolares do 9º ano do ensino fundamental do País, com idades entre 13 a 17 anos, já tiveram algum tipo de relação sexual. Já no Rio Grande do Sul, 35% dos jovens já perderam a virgindade. A pesquisa traz também um dado relacionado à saúde e prevenção de doenças sexualmente transmissíveis no estado. Sobre o uso do preservativo (camisinha) na primeira relação sexual, 73,5% dos meninos e 78,3% das meninas afirmam ter se protegido. No Brasil, este número é de 56,8% e 68,7%, respectivamente. Uma diferença significativa também pode ser percebida em relação aos estudantes das redes públicas e privadas.

Percentual de escolares que já tiveram relação sexual que usaram preservativo (camisinha) na primeira relação sexual. (Gráfico: Dyessica Abadi/Beta Redação)

Nas públicas, o Programa Saúde na Escola (PSE) tem o objetivo de promover a saúde e educação integral voltadas às crianças, adolescentes, jovens e adultos da educação brasileira. Essa política não aborda apenas os aspectos biológicos das práticas afetivas e sexuais, mas trabalha com as questões subjetivas, relativas às identidades, dentro do contexto das relações humanas, da cultura e dos direitos humanos. A assessora pedagógica da Secretaria Municipal de Educação (SMED) de São Leopoldo, Ana Lúcia Massulo, salienta:

“Hoje, a educação sexual e reprodutiva é pautada mais sobre o olhar dos direitos, inclusive quando se fala de reprodução. Então isso parte de um outro olhar, não mais biológico, mas sim sobre o olhar da integralidade do sujeito. Parte sobre a visão da desconstituição da heteronormatividade, que vai desencadear nos problemas de estigma, de preconceito e que vai trazer a questão das disputas religiosas no campo das questões de identidade de gênero e orientação sexual”.

Conforme os dados do PenSe 2015, a vida sexual começa mais cedo para estudantes do ensino público se comparado ao privado. No Brasil, este número é de 29,7% com os alunos da rede pública, para apenas 15% da rede privada. Já no RS, esta diferença é ainda maior: 36,3%, para 14%, respectivamente. “Está vinculado às questões do contexto de onde ele advém. A maioria dos jovens e crianças de escola pública vem de um contexto onde as relações humanas estão pautadas em vulnerabilidades extremas”, aponta Ana Lúcia. Questões relacionadas ao uso de álcool e outras drogas também estão previstas no Programa Saúde na Escola.

Percentual de alunos frequentando o 9º ano do ensino fundamental que já tiveram relação sexual. (Gráfico: Dyessica Abadi)

Para Ana Lúcia, o Brasil tem maior número de jovens em vulnerabilidade, por questões de proporções econômicas sociais: “Muitas destas meninas acreditam que vão ter um reconhecimento social através da gestação. Esse é um grande desejo dentro da cultura de muitas famílias desestruturadas, de vulnerabilidades diversas”. Em contrapartida, as meninas do ensino privado são educadas a ter uma outra orientação do significado sobre a maternidade na adolescência: “Se for olhar pela ótica das orientações e de uma crítica ao adolescente quando ele entra no período sexualmente ativo é que a primeira coisa que as famílias falam é ‘não vai engravidar’”, destaca Ana Lúcia. Apesar de ser feito o “alerta”, temas relacionados a sexualidade, direitos sexuais e identidade de gênero são tabus, tanto nas famílias, quanto dentro da escola.

A assessora de imprensa do Sindicato do Ensino Privado do RS (SINEPE/RS), Carine Fernandes, pontua que, segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais, definidos pelo Ministério da Educação, “a educação sexual é um tema transversal nas escolas, portanto, não é conteúdo obrigatório nem disciplina”. O tema é trabalhado, portanto, como um assunto que “pode entrar em uma aula ou projeto específico ou permear diferentes conteúdos”, sendo debatido, em geral, nas aulas de Ciências, a partir do 7º ano até o Ensino Médio.

Referência em qualidade de ensino, o Colégio Sinodal sempre de destacou como a instituição privada com melhores notas no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Em 2016, último ano de divulgação do ranking, os alunos do colégio particular de São Leopoldo conquistaram a maior pontuação, em comparação às outras escolas da rede privada. A coordenadora pedagógica dos anos finais do ensino fundamental e médio da instituição, Merlinde Kohl, afirma que, atualmente, os conteúdos sobre saúde sexual e reprodutiva são trabalhados transversalmente nas disciplinas, além do uso de uma “caixinha sigilosa de perguntas”, que normalmente são respondidas pela psicóloga da escola. Entretanto, Merlinde garante que, em vistas dos temas pautados pela grande mídia, mudanças são planejadas na abordagem destes conteúdos em sala de aula: “A mídia está trazendo muito forte a questão da sexualidade, sem filtrar ou ter o cuidado de alertar ou prevenir para possíveis doenças. Infelizmente, toda a questão da sexualidade normalmente não é abordada em casa, pois para muitos pais é constrangedor falar sobre o assunto”, explica. Para 2018 estão sendo planejadas palestras para pais e alunos do nono ano do ensino fundamental, para esclarecimento de dúvidas.

“O que a gente percebe é que muitos colégios particulares não falam sobre essas questões, porque acham que a sua importância é ‘passar no vestibular’ e que são instituições onde o objetivo maior é o lucro, igual uma empresa. O outro motivo está pautado nas questões religiosas e de discriminação. A escola que tem fins lucrativos não quer ter uma posição ‘polêmica’ para não perder o cliente. Então onde envolve ensino privado e sistema religioso, a gente sabe também que há discordância na hora de se falar sobre os direitos sexuais e reprodutivos do adolescente”, observa Ana Lúcia, assessora pedagógica da SMED.

Em 2017, O Ministério da Educação (MEC) retirou do documento da Base Nacional Comum Curricular trechos que diziam que os estudantes teriam de respeitar a orientação sexual dos demais, além de abolir a palavra gênero. A “liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber, além de garantir o pluralismo de idéias” são asseguradas na liberdade de cátedra, datada desde os anos 60, é um princípio assegurado na Constituição Federal de 1988. Atualmente, no cenário brasileiro, há uma intervenção nas questões debatidas na escola. “A gente vê projetos como o Escola sem Partido que estabelece um ‘não dialogar sobre os direitos e sobre o olhar do cuidado integral com o outro’ na escola, pautando que isso é de responsabilidade somente da família”, destaca a assessora.

PREVENÇÃO COMEÇA NAS ESCOLAS

O Rio Grande do Sul é o estado campeão de taxas de infecção de HIV/Aids no Brasil. Durante 11 anos, ele é o número um no ranking. O programa estadual de IST, HIV e AIDS atua de forma articulada com o sistema de educação gaúcho, por meio dos programas municipais, a prevenção das DSTs: “Hoje, quando tratamos de educação para a prevenção das ISTs, HIV e AIDS, é preciso falar sobre estigma, preconceito, discriminação e direitos”, explica Ana Lúcia. Entretanto, em comparação ao Brasil, o RS é superior em orientação nas escolas de ensino públicas sobre o uso de camisinha na prevenção destas doenças.

Percentual de escolares que receberam orientação na escola sobre AIDS ou outras Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST). (Gráfico: Dyessica Abadi)

--

--