Ei, juiz, vai tomar pressão!

Árbitros e assistentes apontam tensões que envolvem a profissão dentro e fora dos gramados

Juan Gomez
Redação Beta
6 min readDec 4, 2017

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Profissionais do apito reclamam de constrangimentos e falta de reconhecimento. (Foto: Luciano Marra/Flickr)

Imagine que você tenha que tomar uma decisão em centésimos de segundo, sob o olhar fiscalizador de até 60 mil pessoas, como na partida que bateu o recorde de público no futebol brasileiro em 2017, entre São Paulo e Corinthians, no Estádio do Morumbi.

Por inúmeros gramados do país, em todos os finais de semana, centenas de árbitros passam por diversas situações assim durante os 90 minutos. Ao marcar alguma infração, podem decidir os rumos de um lance, de um jogo e de um torneio. Apenas no Campeonato Brasileiro, são 380 partidas por ano, o que pode dar uma dimensão do tamanho da pressão e das exigências que recaem sobre os homens do apito.

Apesar de ser muito popular, o futebol é um esporte que exige preparação e concentração de todos os atores. Mesmo assim, não são poucos os casos de juízes massacrados pela opinião pública após uma única decisão equivocada. Um exemplo dessa perseguição é o agora ex-árbitro Diego Real, que protagonizou um episódio polêmico no Campeonato Gaúcho deste ano, na partida entre Juventude e Internacional, em Caxias do Sul (RS).

Na ocasião, ele marcou um pênalti inexistente para o time da Serra, que acabou dando a vitória ao alviverde, aos 47 minutos do segundo tempo. No lance, a bola bateu no peito do jogador colorado Junio, e o árbitro interpretou, equivocadamente, que o atleta teria utilizado o braço. “Todo mundo viu que não foi (pênalti), menos eu. Naquele momento, meus assistentes estavam em dúvida no lance, e tive que assumir a bronca - e assumir também o erro depois”, relata Diego.

Mesmo próximo à jogada, assistente não se manifestou sobre o lance em que Diego Real marcou pênalti no Gauchão deste ano. (Foto: Reprodução/RBS TV)

Diego Real abandonou a carreira no início da temporada. Segundo ele, a carga sobre a arbitragem dentro do campo é “normal”. Os problemas estariam fora dos gramados. “A pressão se dá muito mais no sistema e nas exigências, principalmente extracampo. Com a direção dos clubes e as torcidas, é normal ter uma pressão durante os campeonatos, mas o que me fez cansar e parar de apitar foi a gestão e quem manda na nossa profissão”, afirma o juiz.

Para ele, o método de preparação que avalia os profissionais do apito no Brasil é defasado. “É inadmissível depender de um teste físico para poder trabalhar. Já apitei partidas em Maracanã e Morumbi lotados, mas o teste físico exige muito mais fisicamente e psicologicamente. Isso não está certo”, alega Diego.

Reconhecendo as dificuldades da profissão, um dos mais conhecidos árbitros da história recente do futebol brasileiro, Carlos Eugênio Simon, ressalta que o profissional precisa de uma preparação muito forte e que envolve, inclusive, uma boa estrutura familiar. “É difícil suportar tanta pressão, todo final de semana e em cada partida. Em duas das Copas do Mundo que participei, em 2006 e 2010, tinha um psicólogo que trabalhava comigo, o que ajudou bastante”, conta.

Aposentado em 2010 como o juiz que mais comandou partidas em Campeonatos Brasileiros, o atual comentarista da Fox Sports acredita que a arbitragem precisa de maior distinção no futebol. “O árbitro é o lado mais fraco da estrutura que molda o esporte. Os dirigentes de clubes, por exemplo, só vão se lembrar da arbitragem quando houver algum erro contra sua equipe. Isso não é valorizar o profissional”, lamenta Simon.

Pressão é alimentada pelo preconceito

Fabiano Silva (D) treinou com Simon (centro) durante seis anos. (Foto: Safergs/Divulgação)

Embora a maior pressão seja sobre o juiz de linha, o trabalho dos auxiliares também é visado durante o decorrer da partida. O árbitro-assistente Fabiano Silva, companheiro de Carlos Simon em muitas jornadas, concorda que a profissão é desvalorizada e demasiadamente exigida. “A pressão sempre vai existir: clubes, torcidas, ninguém quer perder o jogo. É muito fácil contestar a arbitragem e, por isso, o profissional deve estar muito preparado psicologicamente”, comenta.

Bandeirinha há 15 anos, Silva exemplifica também uma passagem negativa em seu trabalho, quando foi vítima de injúria racial. “Em setembro deste ano, fui assistente em um jogo em Carlos Barbosa. Eu e meus três companheiros, negros, fomos chamados de ‘negros sujos’ e ‘macacos’. Foi horrível, me senti muito humilhado. Infelizmente, no Brasil, estamos propensos a esse tipo de reação do público”, lastima.

Andreza se prepara para realizar a pré-temporada para o Gauchão. (Foto: Anderson Farias/Arquivo Pessoal)

Na mesma função, a assistente Andreza Mocelin relata que, assim como Silva, já foi vítima de preconceito durante uma partida de futebol. “Por ser mulher, escuto muita coisa. As pessoas não lembram que também existem muitos homens que erram. Infelizmente, muitos acham que a mulher não pode estar dentro das quatro linhas trabalhando na arbitragem”, diz a bandeirinha, que está prestes a participar de seu quarto Campeonato Gaúcho, em 2018.

Andreza destaca ainda que a estrutura de trabalho precisa melhorar para que os erros sejam minimizados. “Poderíamos ter um amparo maior, inclusive nos treinamentos. Às vezes, ficamos muito tempo sem apitar em algum jogo, o que nos faz perder um pouco do foco e do clima de tensão das partidas”, avalia.

Para FGF, quadro tem melhorado

De fora dos gramados, o presidente da Federação Gaúcha de Futebol (FGF), Francisco Novelletto, tem uma visão mais otimista. Para ele, o constrangimento imposto aos árbitros já foi muito maior do que é atualmente. “Isso existe desde que inventaram a bola. Agora temos o uso das câmeras, que podem mostrar as imagens, mas antigamente não tinha isso e a pressão era muito intensa. Erros e acertos sempre vão acontecer, em qualquer que seja a profissão”, pondera.

O mandatário do futebol do Rio Grande do Sul desde 2004 afirma que o trabalho com a arbitragem é levado a sério no Estado. “Aqui no Sul, realizamos reuniões e temos conversas a cada 15 dias. Posso arriscar a dizer que temos os melhores profissionais na área. Só que as pessoas precisam entender que infalíveis eles não são”, reitera Noveletto.

Tecnologia é bem-vinda

Árbitro de vídeo é a grande novidade do esporte em 2017. (Foto: Lucas Uebel/Grêmio FBPA)

Mais recente tecnologia aplicada nas partidas de futebol, o árbitro de vídeo (VAR, na sigla em inglês) é aprovado pelos profissionais da arbitragem. Já utilizado em outros esportes, como o vôlei e o tênis, o instrumento consiste em um sistema de câmeras distribuídas pelos estádios, que transmitem imagens para uma sala isolada onde três assistentes e um operador de vídeo assistem aos lances do jogo.

Segundo a Fifa, o VAR pode ser usado em quatro situações duvidosas: gols, pênaltis, cartões vermelhos e erro na identificação dos jogadores na aplicação de cartões.

Para Carlos Simon, o novo dispositivo será determinante para o futebol. “Vou ser sempre favorável a tudo que vier para ajudar a arbitragem e legitimar o resultado de um jogo. A inovação tem que ir se adaptando, mas será essencial para o esporte”, diz o comandante do jogo de abertura da Copa do Mundo de 2010.

Diego Real também vê com bons olhos o novo recurso e lamenta não ter tido a oportunidade de trabalhar com ele. “Se existisse árbitro de vídeo quando eu ainda apitava, provavelmente o erro na partida do Juventude contra o Inter teria sido resolvido naquele mesmo instante”, comenta o ex-árbitro.

Para ele, o árbitro de vídeo deve ter autonomia para alertar o juiz de linha em caso de dúvidas. “Não acho correto que o profissional (em campo) tenha que escolher quando usar (o vídeo). O árbitro de vídeo poderia avisar quando ocorre algum erro”, avalia.

Pensando da mesma forma, Andreza Mocelin presume que o VAR vai se adequar com o tempo, mas alerta que nem todas as falhas serão resolvidas com a nova tecnologia. “As pessoas inicialmente se iludem, achando que não vão mais ocorrer erros, mas não é bem assim. Ainda vai haver muitas discussões e avanços”, previne a bandeirinha.

Contrapondo os profissionais da arbitragem, o presidente da Federação Gaúcha de Futebol é contrário à nova iniciativa. “É uma inovação muito delicada, com a qual se deve ter muito cuidado. Sou contra essa tecnologia porque acredito que, dentro de uma partida de futebol, o árbitro tem que tomar a decisão que acha ser correta”, declara Francisco Novelletto.

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