Gaúchas mostram que esporte é para mulher, sim!

Atletas esbarram com o machismo no ambiente esportivo, mas não se acovardam.

Tainara Pietrobelli
Redação Beta
8 min readOct 5, 2021

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Imaginar um cenário esportivo sem a participação de mulheres parece antiquado, mas, na verdade, a presença do feminino nos Jogos Olímpicos ainda é recente. O Brasil competiu pela primeira vez nas Olímpiadas na edição da Antuérpia em 1920.

Nenhuma brasileira estava lá para competir. Foram 12 anos com o mesmo cenário, até que, em 1932, nas Olimpíadas de Los Angeles, uma mulher pode se juntar ao grupo de competidores. Tratava-se de Maria Lenk, a paulista de apenas 17 anos foi — além de a primeira brasileira — a primeira mulher do continente sul-americano a disputar uma edição dos Jogos.

Nos anos seguintes algumas mulheres também participaram, mas sempre em números muito inferiores. Foi só em 1996 que o número cresceu. 66 competidoras disputaram as medalhas, garantindo quatro delas para o Brasil.

A disparidade entre homens e mulheres sempre foi evidente, mas ganhou uma nova cara nas Olimpíadas de Tóquio 2020. Pela primeira vez na história dos Jogos, o número de mulheres comparado ao de homens foi equilibrado. 48,8% dos participantes eram do gênero feminino, segundo o Portal das Nações Unidas.

Voltando algumas décadas antes das primeiras Olimpíadas, mulheres tinham ainda mais dificuldade para ingressar no esporte. No caso do futebol, polo aquático, artes marciais e halterofilismo, a proibição chegou a ser reforçada através do Decreto-Lei 3.199 de 14 de abril de 1941, sob a seguinte justificativa: “Art. 54. Às mulheres não se permitirá a prática de desportos incompatíveis com as condições de sua natureza…”

Manchete de jornal de 1941. (Foto: Arquivo Público/Museu do Futebol)

O esporte é mais um cenário onde o machismo dita o que é certo e errado. Assim, desde o início das Olimpíadas a mulher foi excluída de diversas modalidades, com o simples argumento de que aquele “não era esporte para mulher”. Apesar do tempo ter passado e do decreto também ter sido deixado de lado, a ideia de que algumas categorias são apenas para homens permanece.

Mesmo diante dessa realidade, muitas mulheres se dedicam no enfrentamento ao machismo esportivo e mostram que o cenário também pode ser dominado por elas. A Beta Redação conversou com três gaúchas que se destacam pelo amor e desempenho no esporte. Confira!

Ingrid Vaz: gosto pelo futebol desde os 8 anos

Uma breve pesquisa sobre os nomes dos principais atletas da atualidade comprovam: a maioria iniciou no esporte enquanto criança. Esse fato destaca a importância de atingir e motivar os pequenos ainda no ambiente escolar. Muitas famílias não têm hábitos ligados ao esporte, por isso o papel da escola é tão fundamental.

Ingrid com o time TPM Sapucaia Futebol Feminino. (Foto: Impacto Eventos/Facebook)

Ingrid Aparecida Vaz Pinheiro é prova disso. Teve recursos e suporte na escola pública, graças às aulas de educação física ministradas pelo professor Gilson Feltrin, na E.M.E.F João Freitas Filho de Sapucaia do Sul: “Meu amor pelo futebol começou desde criança. Na minha primeira influência foi o meu tio que me incentivou, e na escola tive uma ajuda muito grande do professor Gilson, que me influenciou a continuar. Apesar de tudo, também tive o apoio da minha avó desde sempre”, conta.

Ingrid começou a jogar futebol aos 8 anos, e agora, aos 22, ainda mantém o esporte presente no dia a dia, como relata: “Hoje em dia jogo menos que antes, mas continuo jogando pelo menos duas vezes por semana, com um time do município. É tranquilo conciliar”, afirma.

Ingrid Vaz em jogo pelo time feminino de Sapucaia do Sul (Foto: Ingrid Vaz/Arquivo pessoal)

Para a jovem, o maior exemplo de machismo presente no cenário esportivo é a disparidade entre os salários dos atletas. Homens ganham muito mais que as mulheres, mesmo analisando grandes nomes, como Neymar e Marta. Ao que tudo indica, ainda levará vários anos para que essa questão se torne equilibrada, já que a desigualdade de gênero segue presente em diversas áreas, não se limitando apenas ao esporte.

Apesar do cenário parecer desanimador, Ingrid é persistente e sonha em atuar na área esportiva, motivando crianças a seguir na modalidade, assim como foi com ela na infância: “As oportunidades de crescer no futebol hoje em dia são ainda mais difíceis para mulheres do que para os homens, não temos muito apoio”, ressalta.

A escolha de motivar mais mulheres no Basquete

Martha Bergmann é treinadora de basquete no colégio Sinodal, em São Leopoldo, mas participou de diversos campeonatos brasileiros e estaduais. Assim como Ingrid, Martha também se apaixonou pelo esporte na época do ensino fundamental: “Eu comecei a jogar na escola por conta do contraturno. Lá tínhamos muitas oficinas esportivas. Eu sempre fui muito agitada, então todos os esportes eu queria fazer. No basquete eu encontrei mais facilidade para aprender os fundamentos e levar vantagem nos jogos. Foi o meu professor que me motivou, não só no basquete mas também em outros esportes”, conta a treinadora.

Martha em treino com o professor técnico do Colégio Sinodal, Leonardo Peçanha. (Foto: Reprodução/Facebook)

As oficinas, relatadas por ela, permitiam que alunos de diferentes faixas etárias jogassem juntos. Desse modo, Martha percebeu que se destacava mesmo entre os mais velhos. A partir daí, ela começou a jogar em campeonatos escolares e municipais. “Em um deles um treinador me viu jogando e me chamou para um campeonato regional de clubes. Conheci as equipes de campeonatos estaduais e brasileiros. Nessa época também conheci o Colégio Sinodal e fui convidada para estudar e jogar lá. Na época tinha um internato, então eu passava a semana toda lá, e retornava para a minha casa, em Dois Irmãos, só nos finais de semana”, explica.

O talento de Martha era tanto que logo foi convocada para a seleção gaúcha e brasileira de base. Logo ela foi conhecida por times de outros estados e decidiu jogar em Jundiaí, no interior de São Paulo. Lá ganhou uma bolsa de estudos para o curso de nutrição. Com o fim da faculdade, a jogadora integrou uma das equipes de Rio Claro que, segundo ela, é um dos locais com melhor estrutura para o basquete feminino.

Após vários campeonatos, veio a saudade de casa e Martha voltou para o Sul. Aqui não encontrou equipes femininas, então passou a jogar apenas por diversão, mas ainda assim, era necessário dividir a bola em times com mais homens do que mulheres. “Aí decidi fazer educação física e trabalhar com a categoria iniciante no Sinodal. Criamos um time feminino de basquete na Unisinos onde eu fui atleta universitária. Não deixei de ser nutricionista, mas me tornei também treinadora”, relata Martha, sobre o rumo da vida profissional.

Agora, o plano de Martha é focar na carreira de treinadora. Em 2019, ela ainda era a única mulher treinadora de basquete no estado, independente da modalidade. “É uma chance de dar mais representatividade para a área feminina e motivar as crianças a jogarem’’, conclui.

Conquista da medalha pelos Jogos Universitários Brasileiros, com o time de basquete da Unisinos. (Foto: Reprodução/Facebook)

Mariana Menezes, um grande nome no Skate

Mariana Menezes é mais um exemplo que confirma a participação fundamental das mulheres no mundo esportivo. Aos 17 anos, Mari é Campeã Gaúcha de Skate. A relação com o esporte também começou cedo. Aos 8 anos ela ingressou em uma escolinha, mas já conhecia o skate desde que nasceu, graças ao pai, que também é skatista.

“Quando comecei a andar não competia muito, participava de alguns campeonatos em Porto Alegre. Em 2017 fui a Campeã Brasileira da modalidade Pool e em 2019 me consagrei Campeã Gaúcha, depois de correr as três etapas e conseguir o primeiro lugar nas três. Foi uma evolução nas técnicas das manobras e também mental, pois aprendi a controlar meu emocional na hora da competição”, conta.

Mariana Menezes durante treino na Orla do Guaíba. (Foto: Josué Menezes/Arquivo Pessoal)

Apesar do alto desempenho, Mariana também sente na pele os efeitos do machismo no esporte. Ela relata que até mesmo as premiações da categoria feminina costumavam ser inferiores à masculina. Mas não é só isso… “Quando chego nas pistas sou menosprezada, e quando mostro que sei andar bem parece ser uma surpresa. Teve um caso específico bem complicado. Com 9 anos eu queria me inscrever na categoria dos meninos da minha idade. Os organizadores não deixaram e a desculpa que deram foi ‘imagina se ela ganha’, na época eu não entendi a gravidade do que aconteceu, mas aos poucos fui me dando conta do problema”, relata.

Se depender de Mari, a carreira no skate será longa e cheia de vitórias, já que pretende se especializar constantemente e aprender novas manobras. Outro objetivo da jovem é passar nas finais do STU (Skate Total Urbe). “Meu conselho é que as meninas não se deixem intimidar e continuem andando, porque assim vão existir cada vez mais de nós em cena, e dessa forma nos apoiamos. O importante é não desistir e saber que nós, mulheres, podemos tanto quanto os homens, e o skate é um esporte para nós, conclui.

Mari teve influência do pai Josué Menezes na carreira. (Foto: Naw Miranda / Arquivo Pessoal)

Desigualdade de gênero é marca registrada no esporte

No último Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) uma das questões abordava justamente o problema de divergência salarial entre Marta e Neymar. Na ocasião, o atual presidente Jair Bolsonaro chegou a diminuir a gravidade da situação: “Tem questões ali que são ridículas, comparando mulher jogando futebol e homem. Por que a Marta ganha menos que o Neymar? Não tem que ter comparação. O futebol feminino ainda não é uma realidade no Brasil”, criticou.

A desigualdade também é um ponto destacado pela treinadora Martha. “No RS não temos equipe feminina, tive que sair para poder jogar. Por ter menos equipes, o campeonato é mais curto e, por isso, o tempo de contrato também é menor. O que me motivava era o amor pela carreira, não tinha muito retorno financeiro”, destaca.

Como treinadora, ela lida com ambos os gêneros, e tenta encorajar as meninas para que se sintam confiantes ao jogar com homens, já que a categoria sub-12 é mista. Mas ela destaca que o machismo é ainda mais presente nos bate-bolas informais: “Já ouvi coisas tipo ‘deixa a guria livre’ insinuando que não era preciso me marcar, porque se sou mulher devo ser ruim. Já ouvi ‘não vou te marcar porque sou muito forte e tu é mulher’. Já aconteceu de serem desrespeitosos ao me marcar porque não podiam perder para uma mulher. Os patrocínios também são muito desiguais, já vi mulheres patrocinadas receberem, por exemplo, 1kg de suplemento por mês, enquanto os homens recebiam 5kg”, conta.

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