Elas querem programar

Minorias na sala de aula, mulheres relatam preconceito de gênero nos cursos de tecnologia

Gabriela Stähler
Redação Beta
6 min readApr 9, 2019

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Camila desenvolve softwares no front end, a parte do design de interfaces. (Foto: Gabriela Stähler/Beta Redação)

E m um ambiente amplamente dominado pelo público masculino, as mulheres precisam provar constantemente suas capacidades em programação. Nas salas de aula, elas enfrentam resistência e preconceito. A solução para essa desigualdade pode estar no incentivo ao público feminino. No Brasil, ainda são poucas as mulheres que trabalham com tecnologia. Elas representam apenas 23% do mercado de TI, segundo levantamento de Serasa Experian. Como minorias, as programadoras também sofrem com a falta de oportunidades.

Os problemas para essa disparidade de gênero na tecnologia começam na infância, com poucos estímulos vindos da família, conforme Thais Petry, 36. Formada em Matemática Aplicada à Informática pela Ulbra, ela é dona da Tecknosign, empresa de suporte e desenvolvimento de Porto Alegre. “Com a criação do computador doméstico, ele foi incluído nos brinquedos dos meninos junto com o videogame, enquanto nós continuamos ganhando bonecas e panelinhas”, lamenta a empresária.

No caso dela, entretanto, a paixão pela tecnologia foi estimulada desde cedo. Thais ganhou o primeiro computador quanto tinha 15 anos, o que representou um grande investimento para os pais. “Nem hesitei em trocar a viagem para a Disney pelo meu Pentium IV”, brinca. Ela se divertia desmontando o equipamento, instalando softwares e formatando a máquina. Com 17 anos, a jovem aprendeu a programar.

A desenvolvedora de software Camila Moser, 27, relata que, em sua família, era a única que não tinha um videogame, por ser menina. Quando completou 18 anos e ganhou o primeiro salário, ela mesma comprou o equipamento. Camila acredita que o interesse pelos jogos é o que leva muitas mulheres a seguir carreira na tecnologia. Para ela, a decisão de cursar Sistemas de Informação na PUCRS foi inspirada por ter um primo nessa profissão, que a incentivou desde o início.

Ao entrar em um curso voltado à tecnologia, seja um técnico ou uma graduação, a diferença de gênero é visível. Thais conta que, em sua turma da faculdade, entre dez pessoas, apenas duas eram meninas, incluindo ela. A empresária chegou a iniciar o curso de Engenharia da Computação, que também tinha mais homens. “A turma tinha 60 alunos e apenas duas meninas”, lembra.

Na área tecnológica, a programação é a que atrai mais mulheres, segundo Thais. Ainda assim, ela aponta os olhares de desconfiança e os trotes como os principais desafios desse período. “Mas quando você gosta do que faz, supera tudo”, afirma.

Anna Letícia de Cesaro, 20, se formou como técnica em informática no Instituto Federal do Rio Grande do Sul (IFRS) e, hoje, cursa Comunicação Digital na Unisinos. Quando entrou no curso técnico, sabia pouco sobre a profissão além das planilhas de Excel. Ela conta que, em uma turma de 30 alunos, apenas sete eram meninas. Durante o curso, segundo ela, houve diversas manifestações de machismo, incluindo circulação de fotografias das colegas e desenhos obscenos das meninas da sala.

No curso de Sistemas da Informação, Camila relata que na maioria das turmas é a única menina da sala. “Normalmente são 20 meninos e três meninas. Muitas entram no curso e desistem por causa do preconceito, sempre acham que mulher não vai saber programar”, conta.

Como estudante, Camila relembra as vezes em que, por ser mulher, foi deixada somente com a parte estética do projeto. Também acontece de receber explicações sobre coisas que já sabe, pelos professores acreditarem que ela terá mais dificuldade com as matérias. No trabalho de conclusão de curso, a estudante optou por uma orientadora justamente para evitar esse problema.

Insegurança impacta na carreira

O mercado de trabalho também apresenta desafios para as mulheres da área de tecnologia. Anna percebe o preconceito quando participa de processos de seleção. “É sempre um choque quando digo que sou programadora. Acham que eu estou lá para a vaga de recursos humanos, por exemplo”, lamenta a estudante.

Camila também conta que, desde os primeiros estágios, percebe o preconceito. Quando atuava com suporte, os clientes pediam para ser atendidos pelos homens do setor. “Tu percebe que eles começam a explicar demais o problema quando é uma mulher, porque acham que é muito difícil para ti”, recorda ela. Em todos os estágios que fez, Camila tinha apenas colegas homens. Hoje, ela comanda a empresa de software Bidicode, junto com o primo Andrey e o namorado Lucas.

A insegurança das mulheres é um fator importante para essa disparidade de gênero no mercado. Katieli Dieter, 26, é programadora na plataforma de casamentos Wedy e destaca que as mulheres são mais inseguras. “Quando não conseguimos fazer algo de primeira, já imaginamos que aquilo não é para nós”, critica a profissional.

O preconceito também é citado por Katieli como um entrave na carreira. É necessário que as mulheres provem todos os dias que são capazes de executar os projetos dentro das empresas. Na Wedy, em contrapartida, ela conta que existe uma cultura forte de igualdade de gênero, e o exemplo parte dos líderes.

Nos Estados Unidos, a sexta profissão com o maior salário é a de Engenheiro de Software, de acordo com uma pesquisa do site Glassdoor. Porém, as mulheres representam apenas 18% dos estudantes de Ciência da Computação no país, segundo o Anita Borg Institute (ABI). No Brasil, 20% dos empregos na área tecnológica são ocupados por mulheres, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio do IBGE de 2017.

Os conselhos de quem já está na área

A programadora Anna Letícia dá a dica para meninas que consideram entrar na carreira de tecnologia. “Não desanimem. Vocês são, sim, capazes e podem fazer muito mais do que imaginam. Não deixem ninguém dizer o que vocês podem ou não fazer”, recomenda.

Para Katieli, é essencial participar de cursos e eventos. “Aproveite as oportunidades desde o começo, vá a palestras, faça cursos online e não tenha medo de se candidatar para vagas de estágio”. Juntar a teoria com a prática, para ela, é o que forma profissionais de valor.

Já Camila recomenda plataformas online que ensinam programação, como a Udemy. Para ela, é possível aprender diversas linguagens mesmo sem frequentar a faculdade.

Os jogos também são recomendados por ela para despertar o interesse pela área. Camila cita o game “Horizon Zero Dawn”, que, em sua opinião, é o que mais pode agradar mulheres por ter uma perspectiva feminina, uma protagonista forte e não apelar para a sensualidade da personagem.

Na faculdade, Camila só aprendeu a programar em Java. Ela conheceu outras linguagens de programação pela internet. (Foto: Gabriela Stähler/Beta Redação)

Cursos gratuitos ensinam programação para mulheres

Para combater a desigualdade de gênero nesse meio, surgem, no Brasil e no mundo, iniciativas gratuitas de educação. Um exemplo é a oficina Django Girls, evento sem custo para mulheres que querem aprender a programar. Desde 2014, o projeto acontece anualmente em vários países do mundo. Em Canoas, é organizado pela analista de Business Inteligence Ana Jornada, a estudante Bruna Jacom e a desenvolvedora Tatieli Ramo. Outras cidades gaúchas que recebem o evento são Porto Alegre e Caxias do Sul.

Quem deseja aprender a programar sem participar dessas oficinas pode fazer cursos online gratuitos destinados a mulheres. Alguns exemplos são o Girls 4 Tech, do EBANX, o Made with Code, do Google, e o Mulheres em Tecnologia, da Microsoft. Eles permitem o aprendizado sobre diversas linguagens de programação, como HTML, CSS e C#, além de ensinar os fundamentos da tecnologia. São destinados a todas as idades e níveis de aprendizado.

A oficina Django Girls ocorrerá em Canoas, nos dias 3 e 4 de maio, na Universidade La Salle. Para participar, é preciso responder um questionário e informar renda média e etnia, entre outros fatores. As inscrições podem ser feitas no site do projeto.

Já os cursos da EBANX, Google e Microsoft podem ser feitos online a qualquer momento. Confira nos links abaixo:

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