Eleições contam com lei inédita para coibir violência política de gênero

Lei 14.192, de agosto de 2021, estabelece normas para prevenir, reprimir e combater ataques contra mulheres na política

Laura Rolim
Redação Beta
6 min readSep 29, 2022

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Desde agosto de 2021, o país conta com lei de combate a violência política de gênero. (Ilustração: Thiago Fagundes/Agência Câmara)

No Brasil, apenas 15% da Câmara dos Deputados são ocupadas por mulheres. Nas demais instâncias políticas, os números não são muito diferentes: 17% das Câmaras de Vereadores, 12% do Senado e 12% das prefeituras. Para reforçar a baixa representatividade, somente 9.204 dos candidatos em 2018 eram mulheres.

Além de formarem a minoria, as candidatas ainda sofrem um tipo de adversidade específica — a violência de gênero, que contribui para que elas se afastem desses espaços. Mas, desde agosto de 2021, o país conta com a lei 14.192, que estabelece normas para prevenir, reprimir e combater a violência política contra a mulher. A eleição de 2022 será a primeira a colocar em prática essa legislação.

De acordo com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), combater a violência política de gênero é uma das prioridades da Justiça Eleitoral para esse ano.

Além de promover ações de conscientização sobre o tema, em um acordo com a Procuradoria-Geral Eleitoral (PGE), o TSE criou um canal para receber denúncias em seu site. “Qualquer pessoa que tenha conhecimento da existência da prática contra a mulher pode, verbalmente ou por escrito, comunicar a ocorrência ao Ministério Público Eleitoral (MP Eleitoral), ao juiz ou à juíza eleitoral e/ou à autoridade policial por meio da página”, informa a corte.

De acordo com a legislação, é considerado crime eleitoral “assediar, constranger, humilhar, perseguir ou ameaçar, por qualquer meio, candidata a cargo eletivo ou detentora de mandato eletivo, utilizando-se de menosprezo ou discriminação à condição de mulher ou à sua cor, raça ou etnia, com a finalidade de impedir ou de dificultar a sua campanha eleitoral ou o desempenho de seu mandato eletivo”. É um crime de violência política contra as mulheres, de acordo com o artigo 326-B do Código Eleitoral.

Violência política de gênero está naturalizada

Para a advogada especializada no direito das mulheres Gabriela Souza, diversas condutas que são naturalizadas socialmente podem ser entendidas como violência política.

A profissional descreve que o hábito de explicar para as mulheres condutas que elas são especialistas, o fato de criar mensagens, fake news, perseguições que tem o gênero como pano de fundo e ainda ameaças que obviamente são mais cometidas contra as mulheres candidatas do que os homens, podem se encaixar nas normativas da legislação.

“No meu escritório não chegou nenhum caso. Porém, acompanho diariamente notícias e percebo que essa violência é predominante com as mulheres que se posicionam contra aqueles que violam os direitos humanos das mulheres. Cito aqui o exemplo da Manuela D’Ávila”, exemplifica a advogada.

Apesar da lei criada, sabe-se que há muito o que progredir, principalmente nas denúncias dos casos e no cumprimento efetivo de punição aos agressores. “A lei é eficiente no que diz respeito à proteção das candidatas e também na criação de nova cultura na política brasileira, que busque ser mais respeitosa e um ambiente mais seguro para as mulheres. Há muito o que melhorar, mas a lei é um início”, garante.

A chefe da Escola Legislativa do Tribunal Regional Eleitoral (TRE/RS), Débora Vicente, chama a atenção para o baixo número de denúncias, que se devem a inúmeros fatores, mas principalmente à impunidade.

“A violência já foi tão naturalizada que muitas vezes as mulheres não percebem que estão sofrendo violência. E depois, a vergonha de ter que se explicar, como a sociedade vai encarar. As mulheres já não se sentem parte da vida política e, se vão ainda denunciar, percebem que vão sofrer mais julgamentos da sociedade, dos partidos, dos colegas políticos e até mesmo das instituições que deveriam ser as primeiras a protegê-las”, explica.

Partidos precisam discutir o tema

Em 2020, quando Salete Souza (PCdoB), ativista feminista e ex-candidata a vereadora nas eleições de São Leopoldo, foi insultada por um candidato, a lei ainda não havia sido criada.

“Um candidato me agrediu na rua. Eu, minha mãe e as minhas amigas que estavam comigo fazendo campanha. Foi muito difícil, porque a gente estava há um tempo sem sair na rua e do nada eu ouvi uma gritaria e as ofensas eram contra mim. Eu fiquei muito impactada por elas estarem naquela situação. Foi muito horrível”, desabafa.

Na época, de acordo com a ex-candidata, ela não teve reação e não tomou nenhuma atitude contra o que aconteceu.

“Hoje eu saberia muito bem o que fazer. Ali eu entendi o que as mulheres sofrem. Entendi a violência política de gênero. Não aceitar que as mulheres estejam disputando o mesmo espaço de um homem”, relembra.

Salete destaca a importância da lei criada para proteger a integridade das mulheres. Para ela, foi fundamental a criação da normativa para que as mulheres se sintam acolhidas e encorajadas a entrar na vida política.

“A garantia dos nossos direitos só é feita através das leis. Assim como a Lei Maria da Penha. A Lei 14.192 garante a participação das mulheres nas disputas eleitorais”. Além disso, a ativista cobra a importância de ações dentro dos partidos políticos.

“A discussão precisa ser atualizada dentro dos partidos. A lei existe, mas como está sendo dentro dos partidos? Há discussão da importância das mulheres estarem nos espaços políticos? Eu pergunto isso sempre”, relata.

Proteção às mulheres precisa ser estendida

Para Débora, até o momento a lei tem sido bastante comentada e divulgada, mas ainda é muito cedo para verificar a sua eficácia. “Há algumas críticas à lei. A norma restringiu a proteção às candidatas ou detentoras de mandato eletivo. Essa opção legislativa desampara as mulheres na trajetória que antecede o deferimento formal do registro de candidatura pela Justiça Eleitoral, isto é, no período das campanhas intrapartidárias, por exemplo, quando se realizam as convenções e finalmente se escolhe quem vai disputar as eleições, período em que ainda não podem ser consideradas candidatas", reforça.

Para a advogada, nesse período as mulheres já estão vulneráveis à violência política e começam a sentir hostilidades de diferentes formas. Além disso, as agressões no contexto político eleitoral não se restringem às candidatas ou detentoras de mandato eletivo.

“Essas legislações, ao serem aprovadas, concedem maior visibilidade à temática da violência sofrida pelas brasileiras, trazendo o assunto para o centro do debate, o que por si só já pode ser proveitoso. Trata-se do efeito simbólico, de enviar uma mensagem sobre quais são as regras que o Estado e todos os cidadãos devem observar e respeitar, levando a uma maior conscientização social”, garante.

Débora ainda comentou sobre a iniciativa inédita promovida pelo TSE, que criou o canal de denúncias através do próprio site. “O documento assinado pelo TSE e Ministério Público Eleitoral destacou a urgente necessidade de atuar contra uma das múltiplas causas da baixa participação política feminina no Brasil. A ideia é garantir os direitos de participação das mulheres, com a atuação das autoridades competentes do sistema de Justiça Eleitoral, que vão priorizar a defesa do direito violado, conferindo especial importância às declarações da vítima e aos elementos indicativos de crime”, pondera.

Como denunciar

Ao final da página principal do Portal do TSE, é só procurar pelo ícone localizado à esquerda: “Denuncie a violência política de gênero”.

Canal de denúncias do site do Tribunal Superior Eleitoral. (TSE/Reprodução)

Ao clicar no link que consta da página, a cidadã ou o cidadão fará a denúncia diretamente ao Ministério Público Eleitoral, instituição que tem as funções de apurar e de dar início aos processos criminais de violência política contra as mulheres.

O formulário a ser preenchido solicita algumas informações pessoais e a descrição da denúncia.

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