Em busca de um sonho através do vôlei

Atletas gaúchas relatam os desafios da profissionalização no esporte

Laura Santos
Redação Beta
8 min readSep 8, 2021

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O sonho e a vontade de viver e ter o vôlei como profissão é a realidade de muitos jovens que dedicam uma vida inteira para uma rotina de treinos e competições. Apesar das dificuldades e da falta de investimentos, o vôlei oferece muitas oportunidades. Desde a prática esportiva à oferta de bolsas de estudos, o esporte pode beneficiar muitos jovens que apostam na modalidade.

Fazer do esporte uma profissão, contudo, requer sacrifícios. O caso da jogadora profissional Letícia Scherer, 22 anos, é um exemplo disso. A gaúcha, natural de Arroio do Meio, desde cedo teve contato com o esporte e sempre demonstrou vontade de evoluir. “O vôlei sempre me fascinou. Desde criança me sentava em frente à televisão e ficava imaginando que seria igual às atletas que eu via. Eu só queria saber de bola, abria mão de bonecas e ficava batendo bola com a parede”, relembra.

Com dedicação, as oportunidades foram surgindo naturalmente. Seu primeiro contato com o vôlei foi no ensino fundamental, em Arroio do Meio. Apesar de ser muito nova para participar de campeonatos, a sua professora a autorizou a iniciar os treinos. “Desde esse momento, pessoas passaram pelo meu caminho e me levaram ao meu primeiro time no Colégio Martin Luther, que competia a nível estadual e nacional. Eu entrei para o time através de um processo seletivo e no, primeiro ano, já evoluí muito. Tive certeza que era isso o que eu queria para a vida”, comenta Letícia.

Letícia em competição com a equipe da base do Colégio Martin Luther. (Foto: Letícia Scherer/Arquivo Pessoal)

Após o primeiro ano de treinos, a recompensa finalmente surgiu: uma bolsa de estudos no colégio, o que oportunizou um crescimento ainda maior em sua vida. “Esses anos no Colégio Martin Luther me fizeram evoluir tanto como atleta, como pessoa. O esporte e os professores que passam pela nossa vida têm esse poder e por isso acho esse processo tão incrível”, relata.

Em 2017, ainda com 17 anos, Letícia viveu o momento mais marcante da sua carreira, quando mudou de estado para seguir o sonho de se tornar uma atleta profissional. “Ir para São Paulo treinar e jogar foi uma decisão que me fez sair da zona de conforto. Ir para o São Cristóvão Saúde, São Caetano na época, trouxe um crescimento profissional muito grande, quando pude participar da minha primeira Superliga de Vôlei. Em 2020/2021 joguei a temporada pelo clube de São José dos Pinhais/AIEL”, disse.

Apresentação da atleta no Clube das Aves de Portugal. (Foto: Reprodução/Instagram)

Atualmente no Clube das Aves de Portugal, Letícia revela estar vivendo tudo aquilo que projetou no esporte. Apesar das dificuldades encontradas nesses mais de 10 anos de dedicação ao vôlei, a atleta não se arrepende das escolhas e dos sacrifícios. “Agora estou me preparando para jogar a Liga Nacional Portuguesa na primeira divisão. O vôlei proporciona o meu ganha-pão e a felicidade de poder trabalhar com o que eu amo. Me faz conhecer pessoas e lugares novos num espaço de tempo curtíssimo. É simplesmente tudo que eu sonhava quando era criança”, relata Letícia.

Para a atleta, tudo aquilo que o vôlei proporciona é fascinante, até mesmo os desafios. Letícia tem convicção de que todos os princípios que trouxe de casa, o vôlei a ensinou a colocar em prática todos os dias. No futuro, o seu maior desejo é se consolidar como atleta e se tornar ainda mais conhecida, além de jogar ligas europeias e ter boa performance por onde passar.

Durante os últimos anos, as mudanças e a distância da família se fizeram presentes na vida de Letícia. Ainda assim, ela não se desmotiva. “Acredito que o mais difícil da minha profissão seja a saudade de casa, do meu lugar de aconchego e proteção. Mas o que me faz seguir é justamente isso. Sei que tenho margem para tentativas, pois minha família está lá torcendo e me aplaudindo nas vitórias e me apoiando nas derrotas. Ser atleta é a parte mais difícil da minha vida, mas a mais feliz também”, conta.

“Quem sonha em ser atleta um dia, saiba que terá de abrir mão de muitas coisas para alcançar os objetivos profissionais”, ensina Letícia.

Letícia ao lado da família em sua despedida do Brasil. (Foto: Letícia Scherer/Arquivo Pessoal)

A realidade de quem vive para o vôlei

Se para o atleta que busca viver do vôlei há dificuldades, para aquele que incentiva e encontra sempre o melhor do esporte, por vezes, o caminho pode ser ainda mais árduo. Além do preparo dos treinos e da procura por atletas, os técnicos vivenciam os períodos dedicados ao esporte longe de suas respectivas famílias. Apesar dos desafios, essa etapa é um processo essencial para a formação de cada atleta.

Para o professor de educação física e técnico do time de vôlei feminino do Colégio Sinodal, Márcio Machado, 48 anos, o esporte representa toda a dedicação para se tornar um profissional de excelência e fazer diferença na vida de todos os atletas que passam pelo seu caminho. “Tenho uma relação de amor ao esporte, pois o vôlei resume minha vida atualmente. É o que me motiva para evoluir como pessoa também em outras instâncias. O vôlei me proporciona, diariamente, todas as vivências do esporte. Dar nuances na construção de equipes e formação de caráter das atletas, esse é o processo que me apaixona”, conta o treinador.

Para Márcio, o esporte, acima de tudo, pode mudar e influenciar positivamente a vida de jovens ao trazer oportunidades e experiências. “Acredito fielmente que as vivências diárias no vôlei influenciam diretamente na maneira de conviver com os desafios, ajudando os atletas a encarar o mundo de uma maneira mais tranquila’’, conta. Segundo o professor, hoje o seu objetivo é mostrar e fazer com que as jogadoras percebam que atitudes positivas em grupos representam a chave para viver melhor coletivamente.

Técnico com a equipe feminina de vôlei do Colégio Sinodal. (Foto: Márcio Machado/Arquivo Pessoal)

Além da formação de atletas, o técnico também levou o seu amor pelo esporte para dentro de casa, influenciando os filhos. “Toda a família tem um envolvimento grande no vôlei e sempre me sinto orgulhoso sabendo que, por estar sempre em função desse esporte, tenho participação direta no futuro dos meus filhos. Atualmente meu filho de 17 anos é atleta do Minas Tênis Clube e da Seleção Brasileira de Base e minha filha vai para os Estados Unidos jogar e estudar”, comemora Márcio.

Márcio com a esposa e filhos, para quem transmite diariamente o amor pelo esporte. (Foto: Márcio Machado/Arquivo Pessoal)

Márcio salienta que os últimos anos não têm sido fáceis para a construção do vôlei gaúcho, mas que, além dos investimentos, precisa haver um esforço coletivo para o estado voltar a ser um dos mais respeitados no cenário nacional. “Espero que com muito trabalho possamos recuperar o prestígio que o Rio Grande do Sul já teve. Devemos mostrar aos jovens todo processo que o vôlei envolve, desde o relacionamento em equipe, para influenciar na decisão de permanecerem com a prática semanal de treinos e competições, marcando a formação deles como pessoas”, afirma.

Com os pés no chão, mas sonhando alto

Eu costumo sempre pensar e falar que o vôlei me encontrou”. É assim que Bárbara de Oliveira, 16 anos, estudante e atleta do Colégio Sinodal, inicia a sua história com o esporte. Praticante da modalidade desde 2018, para a jovem tudo foi aconteceu muito rápido. Moradora de São Leopoldo, o Colégio Sinodal sempre esteve nos planos de Bárbara para conseguir melhores condições de estudo. “Quando saí do ensino fundamental, vindo de uma escola pública, minha vontade era de ir para o Sinodal, mas minha única possibilidade era conseguir uma bolsa com 100% de desconto”, conta.

No dia em que realizou a prova para ingressar na escola, Bárbara foi surpreendida com a aparição do vôlei em sua trajetória. “Eu já estava voltando para casa a pé e, inesperadamente, o técnico do Sinodal me parou na rua, se apresentou e me convidou para fazer aulas experimentais. Eu nem sabia se ia conseguir entrar para a escola, mas o vôlei já estava fazendo parte da minha vida. Foi tudo uma construção e tenho certeza que o vôlei teve um papel fundamental para eu conseguir a bolsa. Quando entrei fiquei assustada, pois pensei que ficaria um pouco isolada por conta de ser outra realidade, bem diferente da minha, mas as meninas me acolheram muito bem e isso facilitou todo o processo”, afirma.

Bárbara participa de seu primeiro campeonato de vôlei. (Foto: Bárbara de Oliveira/Arquivo Pessoal)

De acordo com a estudante, tudo caminhou para que seu amor pelo esporte crescesse e a fizesse evoluir como atleta. Com a prática diária, o vôlei se tornou, além de tudo, o momento que Bárbara consegue se desligar dos problemas externos. “Hoje tenho certeza que o vôlei é algo que quero para a minha vida. Meu primeiro campeonato foi muito emocionante. Eu estava só há quatro meses em contato com o vôlei. Foi em Estrela e logo já tive contato com times internacionais. Foi muito importante, fiz amizades com pessoas de fora, tudo isso através do vôlei”, ressalta.

Para a atleta, a dedicação e o esforço são essenciais para se aperfeiçoar e criar, ainda mais, a união entre a equipe. “É muito importante que a atleta tenha confiança no seu técnico, pois só assim é possível evoluir. Hoje as minhas maiores inspirações são a Tandara e a Fê Garay. Principalmente a Garay, por ser gaúcha. Eu acabei tendo um contato com a família dela e me presentearam com materiais esportivos. Esse incentivo acaba sendo fundamental, pois posso contar com toda a minha família, mas há muitos atletas que não têm esse apoio”, explica.

Apesar do sonho em seguir no esporte profissionalmente, Bárbara sabe dos desafios que terá pela frente. “A minha mãe sempre me diz que o vôlei pode me abrir portas e isso está muito claro para mim. Sei que estou onde estou por conta do esporte. Tenho vontade de seguir profissionalmente, mas sei que posso conseguir chegar numa boa faculdade e me formar por conta do que o vôlei me oportuniza. O vôlei, além da bolsa e de aumentar meu envolvimento com a vida acadêmica, melhorou muito a minha vida, principalmente nas minhas relações familiares e na convivência com as pessoas. Hoje tenho certeza que sou muito melhor por conta do esporte”, diz Bárbara.

Para quem deseja iniciar no esporte, Bárbara deixa claro que se adaptar, escutar as pessoas e ser focado são essenciais. “É importante nós mesmos nos motivarmos, quando bater aquela preguiça e não tiver vontade de treinar pensa ‘isso que eu estou fazendo é por mim. No futuro vou colher algo muito bom’. É um caminho difícil, mas que vai valer a pena. Espero que cada vez mais o esporte seja valorizado, pois é uma ferramenta essencial na vida das crianças. Uma forma de mantê-las longe de coisas ruins e um investimento no futuro”, conclui.

Bárbara e colegas de equipe em premiação do Festival Mercosul de Voleibol. (Foto: Bárbara de Oliveira/Arquivo Pessoal)

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