Empreendedoras se unem a partir das dificuldades de manter o próprio negócio em meio à crise

Mulheres dedicam 17% menos horas aos seus negócios do que os homens no Brasil, aponta pesquisa do Sebrae

Letícia Costa
Redação Beta
9 min readMar 25, 2021

--

O cenário do empreendedorismo feminino no Brasil ainda carrega dificuldades que redobraram com a pandemia de coronavírus. Um levantamento realizado pelo Sebrae em parceria com a Fundação Getúlio Vargas, mostrou que a covid-19 impactou, especialmente, os negócios liderados por empreendedoras no país.

Detalhes do estudo revelam que 52% das micro e pequenas empresas lideradas por mulheres paralisaram definitivamente ou temporariamente as atividades. O índice entre os homens é menor, com aproximadamente 47%.
O Sebrae ainda destaca que a proporção de empresas com dívidas em atraso também é maior entre as empreendedoras, com índice de 34% contra 31% entre os homens.

Para se manter em um momento de crise, mais do que qualquer coisa, é preciso se reinventar. Agora imagine que, além do empreendedorismo feminino, há outros cenários que impactam a vida das mulheres, como a ajuda às vítimas de violência ou mulheres de baixa renda, que também tiveram reflexos significativos durante a pandemia, com o desemprego e o crescimento nos casos de violência doméstica impactados pelo isolamento social.

Em Porto Alegre, a Nana Sanches e a Laís Ribeiro enfrentaram a mesma dificuldade em seus trabalhos realizados para as mulheres. A história de Nana começa com a Casa de Referência Mulheres Mirabal, que é uma das quatro casas do Movimento Olga Benário, movimento feminista nacional que acolhe mulheres que se encontram em situação de vulnerabilidade social e vítimas de violência doméstica — que aumentou significativamente com o avanço da covid-19 em 2020 e nos primeiros meses de 2021.

Mirabal ocupa o prédio que ficava a escola Benjamin Constant, no bairro São João, em Porto Alegre. (Foto: Casa Mirabal/Arquivo Pessoal)

O trabalho coordenado pela Nana no bairro São João, conta com advogadas, psicólogas e voluntárias que ajudam o movimento para que mais mulheres sejam acolhidas. Todas as casas do Olga Benário são autogeridas, ou seja, elas precisam de incentivos para se manter.

No ramo dos negócios, a Laís Ribeiro, dona do e-commerce O Amor é Simples, também enfrentou dificuldades, principalmente porque sua loja de vestidos de noivas foi impactada, assim como o setor de eventos, já que as festas de casamento foram interrompidas durante a pandemia.

Loja física do O Amor é Simples fica na rua Miguel Tostes, no bairro Rio Branco, em Porto Alegre. (Foto: Ana Antunes/Divulgação)

Além do e-commerce, O Amor é Simples, Laís possui loja física no bairro Rio Branco, em Porto Alegre, que sofre até hoje com o abre-e-fecha. Além disso, Laís possui um projeto de lojas temporárias pelo Brasil, que contribuiu para o crescimento do empreendimento.

Com o fechamento das lojas físicas em 2020, ela entendeu que não fazia sentido continuar falando só de vestidos de noivas diante de uma crise como a do coronavírus, em que ninguém estava casando. A alternativa encontrada pela empreendedora, então, foi de ajudar outras mulheres que também estavam passando pelas mesmas dificuldades.

“Desde que estourou a crise, estamos indicando o trabalho de outras empreendedoras no nosso principal canal de divulgação, que é o Instagram. Entendemos que é uma forma de ajudar outras mulheres, utilizando o que temos de mais valioso que é a nossa audiência, em um momento em que as empreendedoras poderiam utilizar nossa vitrine para vender em um momento de crise. Era a forma de ser um pouco mais responsável em um momento que não fazia sentido vender vestidos e continuar só falando sobre isso como se nada estivesse acontecendo”, contou.

A ação comandada por Laís reuniu as clientes e seus principais canais de empreendedorismo feminino. A partir de uma caixa de perguntas do Instagram, a dona da loja de vestidos selecionou vários produtos a partir de indicações das seguidoras do seu e-commerce e criou a aba “Amor Todo Dia” no site do O Amor é Simples.

“Decidimos trabalhar a questão do empreendedorismo para além dos vestidos. Nessa sessão “Amor Todo Dia”, tem desde cosméticos veganos, hobbies, até camisetas e outros produtos para mulheres”, destaca.

Laís Ribeiro e Nana Sanches realizaram live no Instagram para contar sobre a ação “Mulheres que Empoderam Mulheres”. (Foto: Instagram O Amor é Simples/Divulgação)

O que conecta essas histórias é a amizade da Nana e da Laís, que sabe da importância e da seriedade da amiga à frente da Casa Mirabal, sempre empenhada em ajudar outras mulheres que precisam de acolhimento em situação de vulnerabilidade.

“Desde que lançamos essa sessão no site, em outubro do ano passado, 2% do valor arrecadado nas vendas vai para a casa Mirabal. Entendemos que, para além do empreendedorismo feminino, precisamos ajudar mulheres que passam por dificuldades ainda maiores, como é o caso da violência doméstica”, explica Laís.

Além da Mirabal, Amor Todo Dia passou a vender ecobags para ajudar outras mulheres empreendedoras

A Sessão criada por Laís no e-commerce de vestidos cresceu ainda mais: em março deste ano, em alusão ao mês das mulheres, Laís decidiu comercializar ecobags para ajudar outras empreendedoras, dividindo o valor arrecadado por três:

“Já tínhamos a produção das sacolas com a frase “Mulheres Que Empoderam Mulheres” para entrega de brinde às nossas noivas. Em uma terceira produção, chamamos uma artista de Porto Alegre para desenhar a arte, fazendo questão que fosse um corpo não padrão, para deixar no site durante o mês de março, reunindo a história do último ano em uma só ação”, detalha a empreendedora.

Laís conta que convidou empreendedoras que admira para participar da campanha — que hoje reúne 19 mulheres no total. “Convidamos artistas que conhecemos e que gostaríamos de divulgar a marca. Mulheres que admiramos e criamos conexões dentro e fora do Rio Grande do Sul. Foi um processo de curadoria que contou, mais uma vez, com a ajuda das nossas clientes e seguidoras”, frisa.

Até o momento, aproximadamente 40 ecobags já foram vendidas por R$ 29,90 no site do O Amor é Simples, o que equivale a R$ 1.200 reais arrecadados. Todas as empreendedoras selecionadas podem gerar cupons de descontos no ato da venda, o que ajuda Laís a entender de onde partiu a venda das sacolas.

“É a partir do cupom que consigo saber qual a empreendedora trouxe a venda para o site e, dessa forma, dividimos o valor arrecadado por três: parte vai para essa empreendedora, parte vai para a Mirabal e a outra parte fica conosco para que possamos pagar despesas, como despachos e entregas”, destaca Laís, que acredita que essa ação de Dia da Mulher foi uma maneira que ela encontrou de se reinventar, já que, terminou o último ano com 65% do faturamento de 2019.

“Bem ou mal, trabalhar só com o e-commerce é depender de um canal de vendas para quem tinha três”, desabafa a empreendedora, que estuda continuar com o projeto durante o mês de abril para seguir ajudando as mulheres.

O Amor é Simples reuniu 19 empreendedoras e a Casa Mirabal em ação no mês das mulheres. (Arte: Letícia Costa/Beta Redação)

Para Nana, as ações de apoio à Mirabal são fundamentais para a continuidade do trabalho de ajuda às mulheres. “Não fosse todo esse apoio, não conseguiríamos ter tido nem um ano de trabalho pela Mirabal. É uma campanha muito importante e que vem contra o desmonte na rede de enfrentamento à violência contra as mulheres. Dependemos da sociedade para fortalecer o nosso trabalho”, destaca.

Sebrae detalha as dificuldades enfrentadas pelas mulheres

Frente ao cenário de crise para o empreendedorismo feminino no Brasil, a coordenadora do Sebrae Delas, Renata Malheiros, relembra que as mulheres empreendem mais por necessidade do que os homens.

(Fonte: Sebrae)

“De maneira geral, o empreendedorismo por necessidade é aquele em que as pessoas não encontram outra forma de ganhar dinheiro a não ser abrindo seu próprio negócio. Este tipo de empreendedorismo tende a ser mais precário, porque as pessoas não se planejam tanto, não conseguem se organizar. De fato, existe isso, e tentamos reverter para um empreendedorismo por oportunidade”, ressalta a coordenadora do Sebrae Delas.

Renata traz ainda outros fatores culturais que dificultam ainda mais o trabalho de uma mulher empreendedora em um momento de crise, que exige ainda mais dedicação à frente do próprio negócio.

“Descobrimos na pesquisa do Sebrae que as mulheres dedicam 17% menos horas aos seus negócios do que os homens no Brasil. Uma das dificuldades, é a questão de, por motivos culturais, as tarefas domésticas e os cuidados com pessoas e com crianças recaem mais sobre a mulher. Em um momento de crise, que você precisa inovar e se dedicar muito a sua empresa, como trabalhar se está sobrecarregada com tarefas domésticas e cuidados com as pessoas?”, questiona.

(Fonte: Sebrae)

Projeto Me Escuta promove curso online para fortalecer o trabalho de mulheres empreendedoras

A ideia de criar um projeto social a partir das dificuldades encontradas no ramo do empreendedorismo fez com que a jornalista e diretora da Agência Enquadra, Maria Eduarda Fortuna, lançasse o projeto Me Escuta. Desde 2017, a Agência realiza ações com o objetivo de impactar a vida das mulheres empreendedoras.

“Quando comecei a empreender percebi que isso é algo muito solitário. Muitas vezes passei por situações incômodas por ser jovem e mulher. Muitas vezes não fui respeitada em reuniões e não tive minha voz escutada — conta a jornalista, que detalha ainda que 90% do time da sua empresa é composto por mulheres, que ocupam cargos que majoritariamente são ocupados por homens, como editor, diretor de arte e cinema. — Ter esses cargos ocupados por mulheres na Enquadra nos orgulha muito. É uma causa que a gente abraça bastante”, enfatiza Maria Eduarda.

A ideia para este ano era promover uma ação diferente, que realmente pudesse impactar a vida das mulheres. “É um evento para que elas saiam ainda mais empoderadas”, destaca a jornalista, que reconhece que as mulheres foram ainda mais afetadas durante a pandemia.

O projeto deste ano, segundo Maria Eduarda, tem o objetivo de promover ações que possam ajudar as mulheres a pôr a mão na massa, trazendo dicas valiosas para que, ao sair do evento, as empreendedoras já possam aplicar o conteúdo nos seus negócios.

“Escolhemos um evento voltado ao posicionamento digital, porque acreditamos que hoje qualquer um pode empreender por meio das redes sociais, seja trabalhando sua marca pessoal ou vendendo produtos. É preciso estar no digital e por isso vamos trabalhar com a criação de conteúdo e ferramentas que realmente ajudem as mulheres a crescer ainda mais e se destacar nesse momento difícil”, explica a jornalista.

O objetivo de Alexandra Zanella, Maria Eduarda, Miriã Antunes e Dirlene Silva, é que as mulheres possam aplicar as técnicas do webinar em seus negócios. (Enquadra/Divulgação)

O Projeto Me Escuta, realiza seu primeiro webinar no próximo sábado (27). A Enquadra resolveu unir forças com duas empresas de mulheres que também têm o objetivo de ajudar empreendedoras. “Nós acreditamos que juntas vamos muito mais longe. Que assim vamos conseguir conquistar o nosso espaço aos poucos, com respeito e para que sejamos cada vez mais ouvidas. Todo ano desenvolvemos esse trabalho e imagino que esse ano vai ser ainda mais especial”, enfatiza Maria Eduarda. O evento tem a parceria da Agência Padrinho, comandada por Alexandra Zanella e do Projeto Minas de Propósito, comandado por Miriã Antunes. As inscrições podem ser realizadas através do link abaixo:

A programação do painel conta com bate-papo sobre conteúdo, Instagram, estratégias de inteligência financeira e dicas de como manter o networking mesmo em tempos de isolamento social.

--

--