Empreendedorismo por música

Sucesso nos bailes, a banda Musical Champion, de Portão, é administrada como empresa por um de seus fundadores

Igor Mallmann
Redação Beta
7 min readNov 1, 2018

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A paixão pela música acompanha Renato desde a infância (Foto: Igor Mallmann/Beta Redação)

Sentado a uma das cadeiras da mesa redonda, cercado por papéis, computador, pastas, trompetes, saxofones e geladeira, Renato Weber relembra das andanças de 28 anos do Musical Champion. O prédio de tijolos à vista, localizado em uma pacata rua residencial de Portão, Rio Grande do Sul, serve de sede para a banda da qual o músico de 52 anos é sócio-fundador e único remanescente da formação original. Além de uma paixão que o acompanha desde criança, o ramo musical de bandas de baile se tornou um empreendimento na vida de Renato.

A preocupação com o profissionalismo acompanha o conjunto musical desde seu lançamento, em 1990. O pontapé inicial, que foi impulsionado pela gravação de um LP para divulgação, seguiu todas as medidas necessárias que a abertura de qualquer empresa e estabelecimento impõe: “Não era comum, na época, as bandas registrarem a marca, abrir uma empresa. E isso foi a primeira coisa que fizemos. Sabíamos que, mesmo que algum músico saísse, a banda tinha que continuar”, explica Renato. Os sete músicos que iniciaram o Musical Champion eram sócios. Porém, conforme os músicos iam saindo e dando lugar a novos integrantes, os mais antigos compravam as suas partes. Os novos entraram, portanto, como contratados.

Por acaso, essa abordagem inovadora se inseriu em um momento extremamente conturbado da economia brasileira. “Quando nos reunimos para realmente fundar a banda, era exatamente o dia em que a ministra da Fazenda, Zélia Cardoso de Mello, estava na televisão anunciando que ia confiscar a poupança de todo mundo. Quem tinha poupança teve esse dinheiro trancado”, lembra Renato. Mesmo assim, o Champion já começou com agenda cheia, incentivada pelo LP para rodar nas rádios e por bons contatos com salões de baile. “Já existiam bandas desse tipo, na época, que viviam só da música. E esse era nosso grande sonho. Então, botamos na ideia que íamos chegar lá. Não poupamos sacrifícios. Investíamos na banda tudo que ganhávamos no início”, afirma o empresário. E deu certo. Em 28 anos de história, a banda já lançou 16 trabalhos focados no gênero de bailão, popular na região sul do país — em disco, CD e, nos últimos anos, também nas plataformas digitais. O último álbum foi lançado este ano e traz 12 faixas. Dentre elas, algumas que já tocam bastante nas rádios do Estado, como Oficial de Justiça e Tomando Juízo.

O início na música

A banda Champion tem agenda lotada em, pelo menos, três dias da semana. (Foto: Igor Mallmann/Beta Redação)

A história musical de nosso personagem inicia em um vilarejo típico do interior colonizado por alemães — Pinhal Alto, no município de Nova Petrópolis. A localidade, que como tantas outras tem a igreja e um salão da comunidade como núcleo e referência, sempre recebeu festas religiosas e da comunidade com bandas — principalmente de música germânica. Em frente ao palco, na infância, Renato Weber se impressionava com os instrumentos de sopro que ali se apresentavam. Brincava com canos d’água, simulando o instrumento. Aos 9 anos, seu pai lhe deu um trompete usado.

Apesar de não caber em si de tanta alegria pelo presente, a música não figurava, na época, como futuro profissional. Renato queria ser engenheiro. Chegou a tocar o instrumento na escola em que estudava com alguns colegas, mas nada muito pretensioso. “Não me lembro se conseguimos tocar alguma música na sala. Acho que não saiu nada”, recorda, sorrindo, o trompetista, que também toca outros instrumentos de sopro, como saxofone.

Aos 14 anos, saiu de casa para trabalhar em supermercado. E, dois anos depois, com a família já tendo se mudado para São José do Sul, começou realmente a se dedicar à música. Teve algumas experiências musicais em bandas da região. Na última delas, no fim dos anos 80, se reuniu com outros dois músicos que resolveram sair do conjunto para fundar a banda própria. Nascia, assim, o Musical Champion.

Gravações em São Paulo

Clipe de uma das músicas que estão no último disco da banda.

Os primeiros anos na estrada não foram fáceis. Viajando inicialmente com ônibus alugado, o grupo sentiu a necessidade, após seis meses, de comprar um veículo próprio para transporte. Foi um passo de coragem, avalia Renato, pois, na época, as condições para pagamento eram mais complicadas. Os músicos faziam todo o trabalho de bastidores: carregavam e descarregavam todo o equipamento do ônibus e montavam a estrutura no palco. Hoje, porém, os sete músicos que se apresentam no palco têm à disposição uma equipe técnica de quatro integrantes para essas tarefas, além do motorista que conduz o ônibus de dois andares da banda.

Após os primeiros anos da banda, focados no estilo conhecido como bailão ou bandinha, houve uma momentânea mudança no cenário musical que a banda precisou acatar, por volta de 1995. “O rock nacional ficou muito em alta, mesmo nos bailes de interior. Acabamos fazendo muitos covers, até mesmo deixando um pouco de lado nosso trabalho autoral”, conta Renato. Porém, após algum tempo, a banda precisou voltar à sua essência, sob pena de se descaracterizar e acabar.

No quarto disco, o grupo decidiu inovar na gravação e focar totalmente no gênero de baile, e os integrantes colocaram em prática a ideia de gravar em São Paulo. “Fomos lá conhecer o estúdio Gravodisc, um dos mais famosos daquele tempo, e conversar com eles, ver se a gente conseguia espaço pra gravar lá e se teria condições de pagar o que cobravam. Queríamos gravar o melhor disco que já havíamos feito”, explica Renato. A ideia vingou, e esse disco traz vários sucessos que são tocados nos bailes até hoje, como “Onde anda minha namorada”, “Benzinho” e “Campeão dos Bailes”.

Gravar se tornou mais caro

Vídeo histórico retratando o lançamento do Musical Champion em 1990.

O Musical Champion sempre prezou por uma qualidade de som e produção de alto padrão, mas, conforme Renato, a venda de discos nunca foi uma fonte de receita da banda, nem quando o CD esteve no auge. Na primeira década dos anos 2000, um CD chegou a vender mais de 30 mil unidades. Depois, esse número foi baixando. Hoje, o disco físico é vendido praticamente só diretamente nos bailes e quase nada em lojas.

Inclusive, ele afirma que, para a banda, o processo de gravar um álbum se tornou mais caro. “Hoje se paga mais para os compositores do que se gastava para gravar um LP inteiro. Antigamente, compositores até pagavam para gravar a música deles. Hoje, há empresas e cooperativas de compositores que oferecem músicas diariamente e cobram R$ 2 mil ou R$ 3 mil cada uma ”, explica Renato.

Portanto, a receita vem mesmo dos shows. O preço do cachê varia conforme diversos fatores, como o tipo de evento, questões de logística e tempo de apresentação — muitas vezes a banda toca em dois ou três lugares no mesmo dia. E a agenda está sempre lotada, com datas marcadas até para o ano seguinte. Na semana em que Renato foi entrevistado, para exemplificar, a banda começaria os trabalhos na quinta-feira, tocando em Vila Maria/RS. Depois, na sexta, em Arroio do Sal/RS. No sábado, Redentora/RS. No domingo, por fim, em Ivorá/RS.

Depois do lançamento do último CD, Renato não sabe como será o próximo — se estará em mídia física ou não. Mas, mesmo assim, os fãs ainda encontram outras maneiras de acompanhar o trabalho do grupo, uma vez que o Musical Champion disponibiliza seus trabalhos no Spotify e algumas músicas também no próprio site, de forma gratuita.

Modismos e mudanças

Equipe do Musical Champion é composta por 12 profissionais. (Foto: Champion/Divulgação)

“Na época que começamos, era impossível pensar como que ia funcionar microfone sem fio, por exemplo. Se a gente visse o Elton John usando um sem fio na Inglaterra pela TV iríamos achar que era mentira ou que custaria milhões. Claro que hoje é algo caro, mas é quase obrigatório ter”, lembra Renato, contando sobre a evolução de equipamentos. Também a estrutura dos salões de baile para atender os músicos melhorou ao longo dos anos, assim como a negociação. Os músicos, comenta Renato, já foram muito marginalizados em tempos passados, por vezes até sofrendo ameaças de violência física em clubes de localidades interioranas.

Renato também lembra com saudade de certos movimentos que passaram, como é o caso da prática comum, alguns anos atrás, das bandas usarem uniformes, como trajes sociais padrão para todos os músicos. Atualmente, os grupos do estilo de baile se apresentam de forma mais descolada, com visual de cada um sendo pensado individualmente. Renato crê que são modismos, tendências que vêm e vão, às vezes boas e por vezes nem tão positivas. Conforme ele, o objetivo da banda sempre foi agradar o público de todas as formas.

“Trabalhávamos muito em uniforme. Éramos praticamente estilistas, nos preocupávamos muito em não ir mal vestidos tocar baile, corríamos atrás de costureiros. Acho que era legal, pois dava a ideia de conjunto. Um dia acho que isso poderia voltar. Lembro de vezes que entrávamos no salão e o público todo aplaudia só pela roupa que usávamos. São coisas que me deixam emocionado de lembrar”, conta Renato.

O músico empreendedor acredita que o período de ouro das bandas de baile foi de 2000 a 2013. Aí, segundo ele, veio a crise econômica que se estende até hoje. Também a tragédia da Boate Kiss afetou muito o cenário dos clubes. Apesar disso, Renato tem bastante certeza em afirmar que o gênero está forte e se manterá firme para o futuro, pois o público que gosta de baile tem se renovado constantemente.

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Igor Mallmann
Redação Beta

Jornalista formado pela UNISINOS/RS, proprietário da empresa Mallmann Produção de Coteúdo