Uso da tecnologia aliada ao estudo é previsto na Lei de Diretrizes e Bases na Educação. (Foto: Camila Domingues/Palácio Piratini)

Ensino médio a distância preocupa especialistas

Proposta do Conselho Nacional de Educação, que prevê até 40% das aulas em EAD, é visto com ressalvas

Lucas Schardong
Redação Beta
Published in
5 min readApr 11, 2018

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Durante as últimas semanas, o Conselho Nacional de Educação vem discutindo a possibilidade de que até 40% da carga horária total do ensino médio seja ofertada a distância. No caso da Educação de Jovens e Adultos (EJA), pode ser 100%. A proposta é uma forma de organizar as novas Diretrizes Curriculares Nacionais que foram aprovadas na reforma do ensino médio.

Em caso de aprovação, os estudantes teriam atividades fora da escola como opções para preencher o currículo, podendo variar entre cursos, estágios, oficinas, atividades de extensão, aprendizagem profissional e trabalho voluntário, por exemplo.

Para o doutor e mestre em Educação Roberto Rafael Dias da Silva, a proposta é apresentada para aprofundar os cinco itinerários formativos da nova Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Eles são as áreas de estudos que deveriam ser proporcionadas pela escola. “Minha interpretação inicial supõe que a carga horária a distância será utilizada para o aprofundamento de estudos dos itinerários formativos, previstos pela reforma, visto que a legislação propõe a ampliação da carga horária do ensino médio para 1.400 horas anuais”, explica.

Com a nova proposta estudantes do ensino médio ficariam dois dias longe da escola. (Foto: Pedro França/Agência Senado)

De acordo com a reforma do ensino médio, a instituição de ensino terá a obrigação de oferecer no mínimo um dos itinerários, que são: linguagens, matemática, ciências da natureza, ciências humanas e sociais aplicadas e formação técnica e profissional. A reforma também estabelece que 60% da carga horária seja ocupada obrigatoriamente por conteúdos comuns da BNCC e 40% serão optativos, conforme as possibilidades de oferta da escola e também pelo interesse do aluno.

Roberto acredita que o uso da tecnologia pode ser uma ferramenta importante, mas que é preciso cuidar com a precarização do trabalho pedagógico exercido pelas escolas públicas.

“Uma coisa é contar com a participação ativa e crítica dos estudantes, a outra é delegar a eles a responsabilidade pela sua formação. Esta espécie de ‘customização curricular’ pode ser perversa, pois supõe a igualdade de pontos de partida para todos os jovens brasileiros, o que é uma falácia”, acrescenta.

Qualidade do ensino

Conforme o Decreto 9.057 de 25 de maio de 2017, que regulamenta o artigo 80 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação no Brasil, a educação a distância é a modalidade educacional na qual há mediação didático-pedagógica com a utilização de meios e tecnologias de informação e comunicação, com pessoal qualificado, políticas de acesso, acompanhamento e avaliação compatíveis, entre outros. Esse texto também se refere às condições de acessibilidade que devem ser asseguradas nos espaços e meios utilizados.

De acordo com a doutora em Educação Rosângela Fritsch, o decreto é omisso em relação à qualidade dos cursos, a aspectos sobre aprendizagem e perfil dos estudantes. Ela afirma que faltam parâmetros para avaliar se a aprendizagem dos jovens será significativa conforme as condições determinadas e que é preciso observar as situações dos alunos. “Me preocupam as condições que esses jovens têm de estudo em casa, em razão de uma maioria deles pertencer a uma classe mais desfavorecida”, diz.

Rosângela também acredita que um dos problemas que podem surgir é o fato de a educação se tornar um mercado. “Minha preocupação é que a modalidade de oferta a distância esteja alinhada à mercantilização da educação, redução ainda maior de investimentos e empresariamento”, revela.

Evasão escolar

Questionada sobre a evasão escolar na modalidade, Rosângela diz que pesquisas recentes apontam que, dentre as causas mais relevantes, está o fato de os jovens não conseguirem conciliar trabalho e estudo. “O que tem se revelado é que os jovens saem, em algumas situações, decepcionados e frustrados, porque queriam estar na escola, mas precisam se inserir em empregos, que na maioria das vezes são precários”, revela.

Rosângela também afirma que essa condição é posta para contribuir na renda e na sobrevivência da família e não acredita que o ensino médio a distância pode trazer um impacto positivo para diminuir taxas de evasão.

Estrutura do ensino a distância

A coordenadora da especialização em Gestão e Supervisão Escolar da Unisinos, Regina Urmersbach, acredita que a ideia pode ser positiva para o ensino médio, mas que é preciso cuidar de diversos aspectos para que a implementação funcione realmente. “Não podemos rechaçar simplesmente por ser algo feito a distância. A grande questão é como vai ser pensado, proposto e aplicado. É um trabalho de conscientização que necessita a participação de todos”, diz.

Como aspectos positivos, Regina considera a facilidade do acesso ao ensino para estudantes que moram muito longe da escola, o amadurecimento do aluno que administra a sua própria aprendizagem e a interação com as questões tecnológicas.

A coordenadora acredita que o sistema só funcionaria com um longo amadurecimento da ideia, sendo discutida entre os profissionais da educação, alunos e a população em geral.

Na sua visão, a proposta deveria ser implementada aos poucos, fazendo os testes gradativos do funcionamento. “Não pode ser simplesmente jogar o que acontece no ensino presencial dentro do computador, imprimir umas folhas e acreditar que vai dar certo”, frisa.

Professor como protagonista do ensino

Regina também se preocupa que os professores não tenham qualquer envolvimento com os materiais usados em aula. “Meu medo é que se contrate uma empresa e ela faça o material como um livro didático. Se for pra contratar uma empresa, fecha-se tudo.” A professora ainda atenta para o cuidado do preparo das aulas.

“Quem tem que preparar o material para trabalhar com o aluno é o professor. Eu vejo que corremos o risco, em detrimento de questões financeiras. É preciso ser feito de maneira que respeite muito mais as características do aluno, da escola e do professor como profissional”, acrescenta.

Apesar de favorável à implementação do projeto, a coordenadora é pessimista em relação ao prosseguimento da ideia. “Acredito que essa mudança nem vai começar. Daqui a pouco troca o governo e tudo o que foi planejado nessa proposta é esquecido. E isso explica o não avanço na qualidade da educação”, aponta.

Regina destaca que a repetição de erros e a falta de estrutura podem comprometer o projeto. “Esse ‘novo’ ensino médio é o mesmo que tínhamos nos anos 90, quando podia fazer o curso técnico casado com o regular. Hoje o governo estadual não consegue nem pagar os professores, por exemplo.”

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