Entenda como a Covid-19 afeta a bolsa de valores

Variação cambial e queda na taxa Selic durante a crise interferem no volume e na rentabilidade de investimentos

Helen Appelt
Redação Beta
5 min readApr 9, 2020

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Chegada da Covid-19 causa queda de quase 40% na bolsa de valores. (Arte: Helen Appelt/Beta Redação)

Grave ameaça de saúde para a população mundial, a pandemia da Covid-19 também atinge em cheio a economia e as bolsas de valores. No Brasil, especialistas ouvidos pela Beta Redação analisam o cenário da crise, projetando algumas de suas consequências.

Segundo o professor de Economia da Unisinos Cristiano Machado Costa, o cenário econômico brasileiro de modo geral estava em fase de recuperação durante o final do ano de 2019, com crescimento significativo nos meses de janeiro e fevereiro até metade de março. A chegada do novo coronavírus fez o país entrar em estado de alerta e insegurança econômica. “As bolsas de valores, que possuem um papel fundamental na macroeconomia, têm sofrido quedas a nível mundial e gerado preocupações para investidores. Para que possamos entender o cenário atual da bolsa brasileira, é necessário analisar outros quesitos fundamentais que interferem nessa área”, afirma.

De modo geral, o Brasil já está sofrendo impactos socioeconômicos devido a Covid-19. Cristiano aponta que, com a adoção do método de distanciamento social, as atividades que mantêm o país em movimentação acabaram reduzindo a produtividade. “O mês de março já vai ser sentido quando falamos de produção e emprego, mas em abril e maio a situação tende a ficar ficar ainda mais complicada. Então já teremos um trimestre que vai mostrar os efeitos das medidas do distanciamento social”, comenta. Essas medidas, embora necessárias para a saúde pública, trazem impactos econômicos. Mas de que forma isso interfere na queda da bolsa de valores?

Cristiano explica que a partir disso ocorrem dois cenários: o da variação cambial e o da queda das taxas de juros.

Taxa cambial

Em um cenário sem crise, por exemplo, Cristiano explica que existem a taxa do Tesouro americano e a taxa brasileira. “Quando a taxa brasileira está mais alta que a americana, o real fica mais valorizado e a bolsa não sobe de forma significativa. Já quando elas ficam próximas, o real tende a desvalorizar enquanto o dólar valoriza. Isso faz com que as ações da bolsa fiquem mais baratas, o que faz decolar no mercado estrangeiro”, explica.

De acordo com o professor de Economia da Unisinos Jorge Ferreira, a bolsa brasileira estava com força total desde 2016. “A bolsa saiu de 40 mil pontos para 119 mil até janeiro deste ano. Foi uma alta de cerca de 200%”, pontua.

Porém, as consequências da Covid-19 fizeram com que os investimentos estrangeiros ficassem estagnados. “São os brasileiros que estão mantendo a bolsa, mais especificamente as pessoas físicas e os fundos de investimentos, que estão chegando com força”, complementa o professor.

Essa desvalorização da bolsa vem de fatores internos do Brasil. Com a necessidade de a população ficar em isolamento social, a produção industrial foi reduzida e parte do comércio fechada. “O desemprego também tende a aumentar, comprometendo o lucro de empresas que fazem parte da bolsa brasileira”, ressalta Jorge. Ele também pontua que o novo coronavírus e a paralisação das atividades foram “um choque para o mercado mundial, extremamente negativo e muito rápido, fazendo as bolsas de valores caírem”. Para ele, isso gera desinteresse nas ações, seja pela falta de compra ou de tentativa de revenda dessas ações.

Taxas de juros

Embora seja secundário em comparativo ao câmbio, o tema das taxas de juros também tem sua importância na bolsa. No Brasil, a Taxa Básica de Juros é a Selic (Sistema Especial de Liquidação de Custódia), sendo um sistema utilizado pelo Banco Central para controlar a inflação, influenciando a taxa de juros empregada em operações financeiras.

Aumentar ou diminuir a taxa acaba afetando três pilares financeiros: a inflação, as taxas de empréstimos e o rendimento de diversos investimentos. Vale ressaltar que no mercado internacional as taxas de juros tiveram quedas significativas, enquanto no Brasil ainda se espera uma redução que beneficie a população.

Quando o governo federal opta por diminuir a Selic, a intenção é fazer a economia girar por meio do consumo da população. Ou seja, a inflação sobe, mas não de forma absurda. Um exemplo desse tipo de inflação é o preço de alimentos e cestas básicas, pois, por mais que o preço aumente, as pessoas ainda precisam e conseguem consumir.

Os bancos também usam a Selic como base para cobrar as outras taxas de juros nos empréstimos, sejam para pessoa física ou jurídica. Quando a Selic baixa, a tendência é que o crédito e empréstimos fiquem mais acessíveis para a população em geral.

No cenário de investimentos, com a queda da Selic os títulos públicos e as aplicações de renda fixa passam a oferecer uma remuneração menor, ou seja, rendem menos.

Dados do Banco Central apontam queda histórica na Taxa Selic em época de Covid-19. (Gráfico: Helen Appelt/Beta Redação)

Para termos um parâmetro da Selic, de acordo com o Banco Central a taxa estava em 6,5% no início de 2019. No decorrer do ano, teve uma queda até chegar em 4,5%, permanecendo nesse índice até a chegada da Covid-19. Atualmente a taxa está em 3,75%. Com essa baixa, ocorre o efeito cascata para outros tipos de juros que derivam da Selic, incentivando a busca por créditos, consumo e investimentos.

“É esperado que na próxima reunião do Copom (Comitê de Política Monetária) a taxa de juros diminua ainda mais. Tem muita liquidez e crédito no mercado. A questão é se vai cair o suficiente para que o microempreendedor, por exemplo, consiga sobreviver”, comenta o professor de Economia Cristiano Machado Costa. “A queda da Selic se torna atrativa para investimentos de renda variável, enquanto preocupa em relação a investimentos de renda fixa”, explica.

Cenário atual

Em janeiro deste ano, a bolsa estava com uma pontuação de 119.527 pontos antes do novo coronavírus. Com a pandemia, houve uma queda de 39,28%, ficando em 71.168 pontos. Aos poucos, porém, a bolsa já tem apresentado crescimento. De acordo com o site G1, no dia 8 de abril o Ibovespa subiu 2,97%, obtendo 78.624 pontos. “É como se bolsa descesse de elevador e subisse de escada”, comenta Cristiano.

Bolsa de valores despenca e pontuação cai para 71.168. (Fonte: G1/Helen Appelt)

O professor ainda aponta que uma hora ou outra a crise terá um fim. Embora a bolsa tenha tido a maior queda no último dia 23, a probabilidade de voltar a acontecer é pequena. “Teria que piorar muito o quadro da Covid-19 — por exemplo, caso ocorra uma segunda onda de contágios — para que o cenário piore. Mas eu não visualizo bolsas caindo nem perto do que foi dia 23 de março”, opina. Embora já tenha ocorrido uma melhora, não há previsão de como ficará a economia.

Essa queda na bolsa de valores gera preocupação econômica de forma geral, mas para o analista de investimentos Vinicius Peccinini não significa que não é um momento oportuno de investir. “Acredito que é importante sempre ter um dinheiro alocado em economia real (empresas). Você ter um percentual do seu dinheiro alocado na bolsa é melhor do que tentar acertar o momento que a bolsa irá variar”, opina.

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