São Leopoldo tem queda de 13,93% no número de alunos matriculados no EJA

Enfrentando a estatística, conheça as histórias de quatro mulheres que tentam se manter estudando na pandemia

Ivan Júnior
Redação Beta
8 min readApr 23, 2021

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Ângela Salete da Silva Duarte é aluna do terceiro ano do ensino médio da escola Emílio Sander. (Foto: Arquivo Pessoal/Ângela Salete da Silva Duarte)

A história de dificuldades para estudar de Angela Salete da Silva Duarte começa logo na infância, em Santo Ângelo, na região das Missões, quando ela caminhava dez quilômetros para chegar até a escola. O período de estudos durou até começar a ajudar a mãe com os cuidados dos dez irmãos mais novos. Atualmente morando em São Leopoldo, Angela é aluna do terceiro ano do ensino médio da escola Emílio Sander, e ela consegue perceber com muita clareza as mudanças no aprendizado. “Hoje tudo é novo pra mim, muito diferente daquela época”, contextualiza.

Para Angela, o ponto positivo do Ensino de Jovens e Adultos (EJA) é permitir às pessoas de mais idade voltar ao colégio. Em meio ao ensino remoto, a cozinheira precisou se adaptar ao novo formato de aprendizagem, mediado por tecnologias como smartphones ou computadores. Mas retomar os estudos é uma grande vitória: “Estudar é um aprendizado a cada dia. A gente aprende novidades e aprende a se comunicar, por exemplo”, resume.

Com a nova organização do ensino, professores e estudantes enfrentam obstáculos diários, especialmente na rede pública. Se antes da pandemia a educação era comumente formada por encontros com a presença do corpo estudantil dando vida às escolas, um ano depois a situação é completamente diferente. Instituições de ensino estão praticamente vazias, com o ambiente escolar acontecendo remotamente, por meio de aplicativos e ferramentas digitais.

O Observatório da Realidade e das Políticas Públicas do Vale do Rio dos Sinos (ObservaSinos) analisou o índice de estudantes de todos os níveis de ensino matriculados nos 34 municípios da Região Metropolitana de Porto Alegre — RMPA. Conforme a coordenadora do observatório, Marilene Maia, e o pesquisador João Conceição, o objetivo do estudo foi apresentar a realidade da educação em tempos de pandemia, a partir de bases de dados sistematizados por organizações públicas.

De acordo com o levantamento, 23,8% da população da Região Metropolitana de Porto Alegre frequentava a escola no terceiro trimestre de 2020. Em números absolutos representa 869,3 mil pessoas matriculadas na rede de ensino. Em 2019, eram 893,7 mil alunos, ou seja, houve uma diminuição de 24,3 mil matrículas no ano da pandemia. Embora o baixo índice de retração no ensino regular e profissional seja de pouco mais de 1%, a queda na modalidade do EJA na rede região metropolitana é de 6,2% — saindo 58,1 mil alunos em 2019, para 54,5 mil em 2020.

Com base numa consulta ao portal do MEC, local em que se encontram as informações de matrículas em todos os municípios do Brasil, tendo como recorte somente o período de 2015 até 2020, pode-se perceber que 2020 foi o ano com o menor número de estudantes matriculados no EJA no Rio Grande do Sul. Se em 2019 eram mais de 109 mil alunos, em 2020 o número baixou para 74 mil, o que significa menos 35 mil matrículas na rede pública de ensino.

Entre 2019 e 2020, o número de alunos inscritos no EJA em escolas públicas registrou diminuição de 32%. Acesse o arquivo com o número de alunos inscritos no EJA entre 2015 e 2010. (Gráfico: Ivan Júnior/Portal INEP)

Uma das cidades que fazem parte da Região Metropolitana de Porto Alegre é São Leopoldo, localizada no Vale do Rio dos Sinos. No município com população estimada de 214 mil pessoas, conforme o IBGE, o número de estudantes no EJA também baixou entre 2019 e 2020. No ano anterior à pandemia eram mais de 2 mil alunos. Já em 2020, o mesmo índice baixou para pouco mais de 1,7 mil matriculados. Tal redução representa uma queda de 13,93% no número de estudantes na modalidade EJA na cidade universitária de São Leopoldo.

O ano de 2020, primeiro de Pandemia, tem o menor número de alunos matriculados no EJA. Confira o arquivo com o número de alunos inscritos no EJA entre 2015 e 2020 na cidade de São Leopoldo (Gráfico: Ivan Júnior/Portal INEP)

Quais os motivos da evasão?

De acordo com os pesquisadores do ObservaSinos, Marilene Maia e João Conceição, o acesso e a permanência de crianças, adolescentes, jovens e adultos em situação de vulnerabilidade social ficou ainda mais difícil em 2020. Entretanto, as dificuldades já existiam. Em escolas localizadas em zonas periféricas, o acolhimento dessa população pouco estimula sua permanência. Por este motivo, a evasão escolar é maior conforme a população cresce em idade, ou seja, jovens e adultos estão mais suscetíveis ao abandono.

Em 2020 aconteceu a diminuição de matrículas de jovens e adultos. Uma das explicações é que ambos os grupos sociais direcionam a renda para manter a si e as famílias, com trabalhos de jornada ampliada, com exigências físicas e desproteção. “Com a pandemia, a diminuição de ganhos, de espaços de trabalho e do não acesso à alimentação, fez com que jovens e adultos priorizassem ainda mais a busca pela sustentação”, explica Marilene.

Mais o fator determinante para o distanciamento de jovens e adultos da educação em 2020 é que a maioria das famílias tem apenas um aparelho de celular, que nem sempre tem condições para abrir os aplicativos de ensino, somadas às dificuldades de acesso à internet. “Estas realidades apontam desafios importantes para a revisão da política da educação para jovens e adultos nos municípios, no estado e no país”, elucida João.

Para os pesquisadores, a educação em tempos de pandemia revelou e potencializou as desigualdades. Nas comunidades em situação de vulnerabilidade observa-se que as pessoas estiveram muito ausentes dos equipamentos escolares e, quando estiveram, alcançaram baixíssimo aproveitamento. A realidade vai na contramão da experiência em comunidades com acesso a outro padrão de renda, de moradia, de alimentação e de tecnologias, que alcançaram outros patamares de participação e aproveitamento.

Luta e superação para retomar os estudos

Quem decide voltar a estudar neste período pandêmico tem que lidar simultaneamente com as responsabilidades da casa, tomar conta dos irmãos, ajudar no sustento da família ou enfrentar problemas financeiros — e estes são apenas alguns recortes cotidianos trazidos por mulheres moradoras de São Leopoldo, alunas do EJA na rede pública.

Aos 25 anos, Rudinéia Loureiro se espelha no tio, formado aos 46 anos em pedagogia na Unisinos, e o primeiro graduado de nível superior da aldeia Por fi gâ, situada no bairro Feitoria. Indígena da etnia Kaingang, a estudante da Escola Villa Lobos está no terceiro ano do ensino médio e retomou os estudos em 2020, logo no começo da pandemia. Para ela, foi muito gratificante ter convivido com colegas e professores presencialmente nos primeiros dias de aula, antes de iniciarem os encontros por ensino remoto.

A motivação de Rudinéia Loureiro é saber que o tio se formou em curso de ensino superior aos 46 anos. (Foto: Arquivo Pessoal/Rudinéia Loureiro)

Embora a pandemia tenha trazido obstáculos, ela enfrenta com determinação e vontade o período de novo aprendizado. As principais dificuldades vieram através do ensino remoto, por não ter conhecimento de informática. “Não sabia mexer com internet, mas aprendi a abrir e editar um documento das atividades mandadas pelos professores”, diz.

Depois de concluir o ensino médio, Rudinéia quer dar voos ainda mais altos. Ela sonha em ser médica, na mesma universidade que formou seu familiar e grande incentivador. “Quero fazer o curso de medicina. É meu sonho e nunca vou desistir”, confessa.

A mesma convicção acompanha Luiza Fappi, 47 anos, que fala sobre o desejo de ter conhecimento necessário para responder a todas as perguntas e ser inspiração para os netos e filhos. Com este objetivo em mente, ela consegue conciliar os estudos em meio a uma trajetória de vida e uma rotina de trabalho muito agitadas. Luiza conta que foi tirada da escola aos 13 anos pelo irmão, pois precisava trabalhar. Depois, reiniciou os estudos e concluiu o ensino fundamental, mas como o ex-marido a desencorajava, acabou parando novamente. Mesmo assim, Luiza retomou mais uma vez os estudos e agora está no terceiro ano do ensino médio da escola Emílio Sander.

Funcionária há 19 anos da Delegacia de Polícia de Pronto Atendimento de São Leopoldo, ela aproveita o conhecimento adquirido para ajudar os colegas a resolver as atividades das matérias de exatas, como os trabalhos de química. Na parte da noite, ela ainda trabalha como chapista em um restaurante e acompanha as aulas com fones de ouvido entre a produção das refeições.

Para Luiza Fappi, o ensino remoto permitiu se organizar e aproveitar melhor os estudos. (Foto: Arquivo Pessoal/Luiza Fappi)

Para Luiza, o ensino remoto permitiu uma melhor organização e aproveitamento dos estudos. Quando as aulas eram presenciais, precisava caminhar por 25 minutos entre a casa e a escola, pois nenhuma linha de ônibus fazia o trajeto. “Agora consigo acompanhar as aulas e fazer as atividades. Também tenho mais prazo. Se voltar a ser presencial, não sei se irei conseguir”, lamenta.

Luiza fala com carinho da filha, graduada em administração, e do filho, que é seu colega de escola no EJA. Para o futuro, ela deixa bem claro que ainda irá cursar gastronomia. “Significou tudo (voltar a estudar). É a realização de um sonho que está cada vez mais perto de mim, que é uma faculdade”, afirma.

Já a história de Julcinéia Bitelo de Mello, 40, ecoa com a de Luiza. Ela também parou de estudar devido às questões financeiras, após órgãos ambientais fecharem a pedreira mantida pelo pai. Na época, aos 13 anos, viu sua rotina mudar completamente. Como precisava de quatro conduções para ir ao colégio e o orçamento da casa diminuiu, ela precisou parar de estudar. Em 2020, inspirada pela filha que cursa o EJA, decidiu retomar os estudos na escola Villa Lobos.

Julcinéia reiniciou os estudos em 17 de março de 2020. (Foto: Arquivo Pessoal/Julcinéia Bitelo de Mello)

Cursando o terceiro ano do ensino médio, ela percebe na educação um meio de aperfeiçoar as formas de expressão e de compreensão das pessoas, sendo um dos motivos de voltar a estudar. No primeiro ano, em meio a pandemia, Julcinéia relata ter enfrentado dificuldades por causa da falta de trocas mais diretas entre professor e aluno, no ambiente da sala de aula. Mas, mesmo assim, incentiva: ‘Espero que outras pessoas tenham a mesma oportunidade que tive.”

Como as escolas estão se organizando

A Escola Estadual de Ensino Médio Villa Lobos conta, no 1° semestre de 2021, com 165 alunos, totalizando quatro turmas. Mas conforme relata a diretora da instituição de ensino, Juliana Menezes Espinoza, antes da pandemia a demanda do EJA era de dez turmas. Segundo ela, o modelo de ensino remoto é limitado, pois os alunos não possuem a cultura de aprendizagem virtual. Por consequência, alguns perderam o interesse e disposição diante das dificuldades de acesso.

A pandemia ainda diminuiu a procura por novas matrículas. Muitos estudantes argumentam não possuir mínimas condições de acompanhar as aulas remotas por falta de tecnologia e apoio presencial. “O cenário atual do EJA é lamentável, pois os estudantes procuram a modalidade como oportunidade de concluir os estudos, de melhorar as condições de relacionamento e avançar em oportunidades de trabalho”, explica a diretora.

Já a vice-diretora EJA da Escola Estadual de Ensino Médio Emílio Sander, Adriana Claudia Batista Marciano, também concorda que a pandemia aumentou a evasão de alunos, pela falta de acessibilidade aos meios digitais, apesar dos esforços de professores e da equipe diretiva. Mas Adriana acredita na experiência obtida em 2020 para enfrentar o cenário de 2021. Uma das soluções está sendo oferecer outras estratégias de acessibilidade além das já trazidas nas plataformas de ensino remoto, como trabalhar pelo aumento do vínculo entre estudante e escola. “É histórico no EJA a evasão durante o semestre. Mas no ensino remoto aumentou muito. No entanto, estamos tentando estimular o aluno a concluir esta etapa”, aposta.

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Ivan Júnior
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Jornalista em formação. Me interesso pelo acontecimento cotidiano. Ademais, tenho uma paixão por ler e discutir futebol e política.