(Maria Júlia Pozzobon/Beta Redação)

RESENHA: "Entrega para Jezebel" é uma história sobre trans feita por trans

Valéria Barcellos protagoniza a peça que aborda a transfobia

Maria Júlia Pozzobon
Redação Beta
Published in
3 min readNov 27, 2019

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A platéia começou a chegar com uma hora de antecedência para a peça Entrega para Jezebel, parte do projeto “Cenas Diversas LGBTI”, organizado pela Associação Amigos da Casa de Cultura Mario Quintana. Afinal, o espetáculo da terça-feira (26) seria gratuito, com distribuição de fichas para o público presente. Para não correr o risco, o pessoal se antecipou e aguardava no lado de fora do Teatro Carlos Carvalho, no segundo andar da Casa de Cultura Mário Quintana.

A peça é escrita por Roberto Muniz Dias, tem direção de Rodolfo Lima e é protagonizada pela cantora e atriz transexual Valéria Barcellos, no papel de Jezebel. Para ela, o espetáculo é realmente de resistência, pois fala sobre pessoas trans e é feito por pessoas trans. “Apelidamos a apresentação de Teatrans devido a esse fato”. Além dela, a atriz trans Clodd Dias também integra o elenco.

Enquanto o público se direcionava para dentro do teatro, minutos antes da peça começar, notava-se a procura por assentos mais à frente possível para conferir de perto a performance da gaúcha Valéria. A peça foi montada em São Paulo, mas isso não impediu a participação da atriz. “Quando a Valéria mandou o currículo, eu tentei fazer com que ela desistisse afirmando que não teria condições de manter a atriz em São Paulo, pois o projeto não contemplava”, conta Rodolfo. Valéria surpreendeu o diretor, embarcando para São Paulo e arcando do próprio bolso as despesas para viver Jezebel.

No início da peça, já conseguimos perceber que a história não é feliz, pois a personagem canta uma música triste que fala de amor. “Por que será que ele me tocou?”, pergunta Jezebel. Na cena, ela segura um bebê fictício, que chama de filho. Com o desenrolar da trama, descobrimos que é seu filho adotivo, que Jezebel prometeu criar quando uma amiga disse que abortaria. Enquanto Jezebel conversa com o filho, ela vai contando diversos problemas que já passou em sua vida, principalmente a difícil convivência com seu pai, que morreu quando ela ainda era Carlos Henrique.

A emoção que a personagem coloca nesta parte do espetáculo mexeu com o público presente. Muitos não conseguiram conter o choro e se emocionaram junto com a atriz. Para Jezebel, nem se seu pai continuasse vivo ele aceitaria sua transexualidade. “Se ele estivesse vivo, sei que desejaria minha morte”. Além dos diversos problemas com os pais, a personagem ainda conta para o filho dos problemas que sofreu na escola e na rua com a aceitação. "Deixa eu existir", ecoou Jezebel, causando impacto na platéia.

Depois, a peça lembra a música cantada no início, falando sobre amor. Jezebel trabalhou em uma danceteria, onde se apaixonou por um dos seus clientes, um hétero com dificuldade de assumir o que sentia por ela. Entre as dores compartilhadas com a plateia, a perda do filho de criação comoveu os espectadores, quando a amiga retorna para buscar a criança.

Cena em que Jezebel perde o filho é um momento que comove a plateia (Foto: Maria Júlia Pozzobon/Beta Redação)

Quando tudo parece fracassar, surge amiga Bibi para lembrar toda a resistência que Jezebel passou para chegar onde chegou e, principalmente, enfrentar o preconceito por ser uma transexual que busca ser amada do jeito que é.

Após o espetáculo, a atriz contou sobre o tratamento que terá que fazer nos próximos dias contra um câncer. O diretor afirma que o ano de 2019 foi muito difícil, pois ela aguentou muitos enjoos e dores devido ao câncer. “Eu peguei muito no pé dela em relação a isso que quase viramos inimigos”, brincou. mas valéria, assim como Jezebel, não se deixa derrotar. “As quimioterapias começam agora em dezembro, mas tenho fé que essa fase logo irá passar. E quando eu voltar, vai ser babado”.

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