Daniel HDR e a construção da relação entre público e artista

Ilustrador gaúcho fala sobre seus gostos e experiências, trazendo conselhos para novos talentos do ramo

Caren Rodrigues
Redação Beta
9 min readNov 14, 2020

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Daniel tem 32 anos de experiência na área muitos projetos para o futuro profissional. (Foto: Facebook/Daniel HDR)

Daniel Horn de Rosa é um ilustrador e quadrinista gaúcho, mais conhecido como Daniel HDR. Começou seus primeiros trabalhos aos 14 anos com algumas publicações em jornais. No fim dos anos 90, começou a trabalhar com editoras como Marvel e DC Comics.

Foi professor universitário de Jogos Digitais na Unisinos entre 2002 e 2013. Atualmente, continua com vínculo com as editoras norte-americanas e prevê o lançamento de trabalhos autorais.

Há sete anos criou um canal no Youtube, o Daniel HDR Art, que hoje conta com 14,4 mil inscritos, além de um canal na Twitch, plataforma de stream. Sua página profissional no Facebook conta com mais de 21 mil curtidas e através de suas outras redes mantém forte contato com o público.

Em outubro, HDR propôs o desafio Bodetober — uma variação do Inktober, iniciativa que propõe uma lista de assuntos para desenhar ao longo do mês de outubro — , que consistia em criar ilustrações diárias baseadas no tema que passou: Amálgama. Com isso, vários artistas que o acompanham passaram a postar seus trabalhos seguindo a proposta do desafio.

Confira abaixo a entrevista sobre esse e demais assuntos que a Beta Redação fez com o artista via WhatsApp.

Durante a quarentena você tem produzido uma série no Youtube. Como tem sido para você a criação desse conteúdo?

Esse projeto que eu tenho feito, usando o Youtube e a Twitch como uma plataforma, está servindo como um termômetro para poder medir o grau de interesse e a perspectiva de material que o público está querendo ver. A internet facilita muito isso. A gente consegue ter o retorno direto do público, não existe uma espera tão grande do material voltar de uma prateleira e ainda ter que fazer uma análise de venda para saber como foi a aceitação.

Também vi que você está fazendo o Bodetober. Porque você propôs esse desafio?

Sketch produzida para o desafio Bodetober, onde se propôs a fazer publicações diárias (Foto: Facebook/Daniel HDR)

Este desafio foi bem diferente do que eu estava acostumado a propor como atividades aos meus alunos, por trabalhar com uma questão muito geek, que é a de fazer misturas de personagens. E, ao mesmo tempo, tem toda essa parte do design e da identidade visual desses personagens que precisa ser pensada para gerar uma boa mistura. Eu achei que foi bem curioso. Eu costumo fazer exercícios criativos nesse sentido, mas no momento que eu também precisei fazer bonito, não falhar nenhum dia pra motivar o público, foi muito bom até para mim mesmo. Para testar possibilidades diferentes, para combinar ideias de personagens. Acho que o público aproveitou bastante.

Você se percebe como um influenciador e exemplo para outros artistas?

Não consigo me ver tanto como um influenciador, porque eu sou oriundo de um segmento em que o trabalho pode ter uma influência estética, mas não é necessariamente um determinante para mudar, para fazer todo um perfil que costuma se relacionar a esta palavra “influenciador”. Acho que é legal, mas acho que a gente não deve ficar pensando muito nisso. Acredito que o importante é tentar fazer o melhor trabalho possível e deixar esse trabalho falar por ti.

Dentro da cultura geek, além de HQs, o que você mais gosta?

Eu gosto de cinema, gosto de animação, e não sei se dá para dizer que música também é uma área geek. Mas se você gosta de um determinado gênero — eu gosto de música eletrônica — , então são aspectos que, se for servir o termo geek, eu até gosto bastante. Até estranho de não gostar tanto de séries. Eu até gosto, mas é tanta coisa para se acompanhar que eu não teria tempo para fazer as outras coisas, como trabalhar, se eu ficasse acompanhando tudo que é série que tem por aí (risos).

Através dos blockbusters como Vingadores e Mulher Maravilha, acompanhamos uma interpretação de quadrinhos clássicos. Como quadrinista e fã de HQs, qual foi seu sentimento ao vê-los no cinema?

O sentimento é que eu faço parte de uma mídia que é secular como o cinema e que acaba sendo um laboratório para ideias magnífico. É por isso que as plataformas de conteúdos de cinemas e séries [streaming], assim como os estúdios de cinema também, têm procurado muito a fonte de quadrinho. Porque toda a parte de concepção visual, ambientação, construção, jornada dos personagens, está tudo ali, na história. É uma mídia que pode parecer um tanto estática, mas é muito dinâmica, e ela acaba sendo provida por um grupo de artistas ou um artista que dá todo o sentido para isso.

“Faço parte de uma mídia que é secular como o cinema e acaba sendo um laboratório para ideias magnífico”

É muito estimulante ver esse tipo de transposição ou interpretação. Ao mesmo tempo que, do meu ponto de vista, você não tem que ficar criando as coisas pensando só como isso ficaria no cinema ou na animação ou outra plataforma. Senão, a essência do que é realmente contar uma história em arte sequencial se perde e o projeto fica vazio.

Você vê que isso ajudou a indústria das HQs a se fortalecer?

Eu acho que ajudou o entretenimento como um todo, porque hoje em dia você tem muito um conceito de “plurimídia”. Você pode conceber as coisas e pensar nas ramificações daquilo que criou para plataformas diferentes. Consequentemente, você não precisa contar histórias diferentes ou a mesma história em várias adaptações. Pode expandir a experiência do leitor, passando a se utilizar de outras mídias para contar histórias paralelas. Então, acredito que beneficiou as outras mídias.

“As HQs abraçaram a plataforma digital para contar histórias”

Ao mesmo tempo que você tem muitas coisas que são adaptações, essas adaptações muitas vezes estão na verdade querendo contar uma coisa nova, e elas se apropriam muito do marketing e do valor agregado que uma marca ou franquia já tem. Então por que não contar as histórias novas estendendo o que já se conhece de uma história mais consolidada? Isso que está acontecendo não ajudou só as HQs, ajudou o mercado de jogos e de entretenimento audiovisual. A única coisa que a gente sabe é que as HQs, nesse processo, abraçaram a plataforma digital para contar histórias.

Atualmente, qual sua relação com as editoras Marvel e DC?

A minha relação com essas editoras é a mesma que um profissional. Eu acompanho projetos de colegas meus que são desenhados lá, assim como eles acompanham coisas que eu venho, eventualmente, trabalhando para eles. Mas eu não tenho nenhum contrato de exclusividade, eu trabalho com ambas. Casualmente, em segmentos distintos. Com a DC, estou trabalhando mais no segmento de cinema, no momento não tem nada previsto para HQs. Recentemente, me envolvi no projeto do Adão Negro. E na Marvel estou envolvido com materiais de licenciamento que estão mais ligados aos quadrinhos da editora, mas são artes de licenciamento. Projetos de HQs para essas editoras tenho algumas coisas em vista, mas não estão confirmadas para este ano, acredito que início do ano que vem.

Diante das suas realizações profissionais, tem algum sonho ou objetivo que você ainda almeja?

Eu fiz 32 anos de carreira e esses anos me mostraram que foram poucos momentos que eu pude fazer coisas minhas ou projetos meus. Foram feitos, mas eu não me permitia dar uma vazão maior a isso. Então, eu pretendo não me dedicar somente às ideias dos outros, mas também às minhas ideias.

Uma das ilustrações produzidas por Daniel, baseado no palhaço Pennywise, de “It, a Coisa” (Imagem: Facebook/Daniel HDR)

Qual a sua expectativa para o surgimento de novos artistas no ramo?

Novos artistas continuam surgindo, e a geração mais nova tem abraçado a plataforma digital para desenvolver seus projetos. Eu fui usar com muito mais frequência de 2012 para cá. Então, acredito que minha expectativa é grande, porque as ideias sempre vão precisar ser desenvolvidas por artistas. A propriedade intelectual é muito forte hoje em dia no entretenimento. A minha expectativa é que você tenha muitas ideias e essas ideias possam alcançar o seu público, vai depender muito do autor se mobilizar para isso.

Você também fez ilustrações de revistas em estilo mangá. Esse mercado tem se desenvolvido no Brasil, pela ampliação de acesso através de eventos e o sucesso de animes. Você acredita que isso pode contribuir para que esse mercado, tanto de mangás quanto de HQs, perdure por muitos anos ainda?

O mercado de mangá passa pela mesma fronteira do mercado de HQs. Até aconselho a não fazer essa separação, mangá é HQ. Os mangás, os quadrinhos de heróis e aqueles com temáticas mais adultas estão passando pela mesma fronteira de atingir o seu público sem ser pelos meios tradicionais. Porque a nova geração de leitores não tem consumido mais tanto o produto impresso. A própria experiência do consumo de narrativas tem sido mais digital, é só a gente ver o hábito das pessoas em acompanhar séries animadas ou em live-action.

A indústria dos mangás, no Japão, tem sofrido bastante, então eles abraçaram a publicação digital para tentar driblar a pirataria também. É algo semelhante com o que aconteceu com a indústria da música, então acredito que aqui no país isso seja, no primeiro momento, uma solução. Mas estamos num país que as crianças não conseguem acompanhar seus estudos porque sequer têm acesso à internet ou um computador em casa. Então você achar que o futuro dos quadrinhos no Brasil é a versão digital, pode até se pensar, mas é um pensamento muito segmentado. Não é toda criança que vai ter acesso a isso.

“A própria experiência do consumo de narrativas tem sido mais digital”

A produção de HQs, não importando o gênero, pode ser disseminada com muito mais facilidade e ampliando o número de leitores, se você facilitar o acesso à leitura. Não só alfabetizando, mas colocando o material a ser lido ao alcance. Com o atual quadro, a própria produção editorial está atendendo muitos nichos e sem se popularizar tanto. Não estou me referindo a quadrinhos de banca, mas a materiais mais longos, como adaptações de clássicos da literatura. Numa política que as crianças nem estão seguras para estar em sala de aula, é um terreno bem delicado.

“Cabe ao autor estreitar laços com seu público, tornar a coisa menos olímpica, descer do pedestal”

Cabe ao autor ampliar o seu leque de acesso e perceber que ele não é só aquele cara que fica numa mesa dentro do seu estúdio desenvolvendo o seu material e, quando ele sai, não precisa estreitar laços com seu público ou trocar uma ideia com seu público. A internet está aí para isso, e é dessa forma que eu vejo a produção no meu canal, nas minhas redes sociais, para tornar a coisa menos olímpica. Descer do pedestal e mostrar como é o processo para aproximar esse tipo de contato. Enquanto as coisas não conseguem se ajeitar, você tem que continuar fazendo a roda girar, ela não pode ficar parada.

O que você aconselha para os futuros quadrinistas que hoje só imaginam entrar nessa área?

O meu conselho é que eles pensem no trabalho deles não somente usando a mídia do quadrinho, mas também sendo aplicado em outras mídias. Assim eles vão se tornar — uma coisa que a prática me deixou mais seguro — profissionais polivalentes, podendo não só trabalhar com diferentes mídias, mas criar também.

Quais são seus planos para o futuro a curto e longo prazo?

A curto prazo eu quero terminar meu projeto autoral, que pretendo lançar no ano que vem, para a plataforma de apoiadores do meu canal no Youtube e na Twitch. Esse material não vai estar dependendo de editores, então vou poder ter um controle criativo bem grande e também dialogar bastante com esse público que apoia meu trabalho, meus fãs do Colabora Aí [plataforma de financiamento coletivo]. A longo prazo é continuar vivo, porque a gente está esperando uma vacina, né (risos).

Daniel não se considera um influenciador entre os ilustradores, mas tem grandes esperanças para os futuros artistas do ramo (Imagem: Facebook/Daniel HDR)

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