Escola sem Partida fala sobre a relação de alunos e professores na sala de aula (Foto: Banco de Imagens Unsplash)

Escola Sem Partido: contra ou a favor?

Maria Júlia Pozzobon
Redação Beta
Published in
5 min readNov 30, 2018

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Entenda o que propõe o movimento que promete acabar com a doutrinação ideológica nas escolas

Há quem defenda que o debate nas escolas sobre temas políticos seria uma forma de doutrinação ideológica. Esse pensamento levou à criação do Programa Escola Sem Partido, movimento idealizado em 2004 pelo advogado Miguel Nagib. Ganhou notoriedade em 2015, e, a partir dele, foram criados diversos projetos de leis em todo o país, voltando com força após a aceitação da ideia pelo atual futuro presidente Jair Bolsonaro.

A principal oposição ao programa no RS é a Frente Escola Gaúcha sem Mordaça. De acordo com a professora de Ciências Biológicas e representante do movimento, Russel Teresinha Dutra, a necessidade desse debate surgiu quando frequentava uma audiência pública na Câmara Federal dos Deputados, em 2016. “Percebi pouca presença de universitários. A maioria dos grupos que discutiam o assunto eram compostos principalmente por deputados, empresários e secretários estaduais que eram adeptos ao Escola sem Partido”, conta Russel.

Os trabalhos da frente acabam envolvendo a formação de professores — especialmente na periferia — divulgação de informações sobre a legislação que envolve o direito dos professores, o papel deles na educação e a luta pela liberdade de expressão e de igualdade social.

Para Russel, a luta aumentou nesse segundo semestre de 2018 já que o movimento Escola sem Partido acabou ganhando visibilidade, por conta da eleição de Jair Bolsonaro. “Se no princípio o objetivo era se colocar contra o conteúdo marxista, agora acabou ganhando força por ser um movimento que valoriza o que se considera como a moral e os bons costumes”, afirma ela.

A professora ainda pontua que a atuação do Supremo Tribunal Federal é crucial nessa discussão. “O recuo do STF em torno desse tema, que se dá principalmente pela ideologia do atual presidente eleito, fragiliza a luta por um Estado mais democrático e exige cada vez mais mobilização”, finalizou.

PAIS PELA DEMOCRACIA

Enquanto algumas famílias apoiam o programa, o grupo Mães & Pais pela Democracia prestou apoio às manifestações que ocorreram no colégio Marista do Rosário, em Porto Alegre, que se posicionaram contra o Escola Sem Partido.

Os manifestantes alegaram que a ação foi pacífica, afirmando serem resistentes a qualquer forma de desrespeito à dignidade e direitos humanos provenientes do estado ou da sociedade civil, posicionando-se com a frase “seremos resistência”.

“O Colégio garantiu a livre expressão do pensamento, assegurada na Constituição Federal — art. 5, incisos IV e XVI, tanto que houve a manifestação de dois grupos, representando dois movimentos com posicionamentos distintos”, pontuaram os pais em carta aberta à direção do Colégio Marista Rosário.

Além disso, indicaram que a importância das manifestações realizadas em relação ao futuro, afirmando que “Nossos filhos compreenderam que estas manifestações representam uma possibilidade de futuro e de aprendizagem para a vida, enquanto cidadãos. E mostraram que nós, pais e escola, fizemos um bom trabalho na formação de indivíduos pensantes, capazes de decidir e agir sobre o mundo que os envolve”, completaram.

Dirceu Godoi de Quadros, estudante de direito, foi candidato a deputado estadual pelo partido NOVO e acredita que o Escola sem Partido é um projeto que instiga um debate que deveria ter surgido há muito tempo. “Sempre que vou discutir, busco trazer o debate para o lado da existência do problema. As pessoas que são contra o Escola sem Partido argumentam que não existe doutrinação”, afirma, esclarecendo que há no site do movimento Escola sem Partido vários exemplos que comprovam a tentativa da imposição de uma visão de mundo.

Para ele, o movimento defende o pluralismo. “Para existir um debate, o professor deve apresentar todos os prismas ideológicos possíveis para que o aluno não saia da sala de aula enviesado por influência do professor”, finaliza, argumentando que simpatizou com a causa por passar por uma situação semelhante na época da escola, no qual argumentou que seus professores faziam campanha políticas em sala.

Infográfico do site Nova Escola: https://novaescola.org.br/conteudo/13233/afinal-o-escola-sem-partido-e-inconstitucional

Joner Alencar Nascimento, professor e diretor do 33° Núcleo CPERS (Centro de Professores do Estado do Rio Grande do Sul), afirma que é importante conscientizar e trazer amparo para que os professores possam ministrar suas aulas sem medo e receio de ataques. “O que fazer se o direito do professor for violado em sala de aula ou no espaço universitário? ”, questiona. Ele compartilha uma cartilha autorizada, chamada “Orientações aos docentes: a liberdade cátedra, de ensino e de pensamento” elaborado pelo GT Educação do Coletivo Nacional de Advogados de Servidores Públicos, para auxiliar os professores perante seus direitos em sala de aula.

http://portal.andes.org.br/imprensa/noticias/imp-ult-1070842311.pdf

Também professor, Fabio Ostermann, agora candidato eleito pelo partido NOVO a Deputado Estadual, acredita que a melhor maneira de se resolver isso, não é colocando cartazes, ou câmeras dentro da sala de aula, mas sim, trazendo mais competição, mais liberdade, participação dos pais na vida escolar, e melhorando o nível educacional brasileiro.

“Provavelmente, o único mérito do Escola sem Partido é trazer o debate, mas como medida para resolver o problema de doutrinação, eu sou contra. Penso que é um projeto que além de não resolver nada, ainda é capaz de piorar o clima em sala de aula”, afirma.

Infográfico referente a posição do Escola sem Partido e do Sistema Tribunal Federal (Foto: Infográfico do site Nova Escola: https://novaescola.org.br/conteudo/13233/afinal-o-escola-sem-partido-e-inconstitucional)

Em nome da Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul, Felipe Kirschner realizou uma visita no início do mês ao Sindicato dos Professores do Ensino Privado (Sinpro/RS), onde entregou uma cartilha contra eventuais atos de patrulhamento ideológico em escolas e universidades. O documento tem por objeto o “monitoramento, a construção de redes e estabelecimento de ações contra a existência de qualquer tipo de intimidação a professores e estudantes que dificultem a liberdade de expressão e cátedra (autonomia didático-científica) no âmbito das instituições de ensino.

Para Felipe, são basicamente três sujeitos desse processo que estão mais vulneráveis: os professores, por estar em uma situação de dependência do emprego, os alunos, por algumas vezes serem realmente censurados em sua liberdade de expressão e, as próprias instituições de ensino, porque elas acabam ficando reféns de pais insatisfeitos. “Estamos atentos a todas essas situações. Entendemos que esses atores são vulneráveis, portanto, passíveis de serem tutelados pela Defensoria Pública, e o que nós pensamos é que a necessidade de respeito é uma condição necessária do exercício de outros direitos e do livre desenvolvimento da personalidade de pessoas”, comenta Felipe.

Ele ainda cita que o mais polêmico no Escola sem Partido é que os pais não podem censurar a liberdade de expressão mesmo de crianças e adolescentes que são formalmente incapazes pelo código civil. “Claro que isso é uma discussão que pode sim ser trabalhada pela família, mas que não pode ser vedada como liberdade de expressão”, finaliza.

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