Uso de drogas é pauta de escolas leopoldenses

Cerca de 13% dos estudantes de nível fundamental no Rio Grande do Sul já experimentaram alguma droga ilícita, revela pesquisa do IBGE

Tiago Assis
Redação Beta
8 min readOct 9, 2018

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O Rio Grande do Sul é o estado com maior registro de consumo de álcool por adolescentes (68%). A pesquisa ainda mostra que entre os alunos de escola pública o número é maior do que na rede particular. Os dados são da Pesquisa Nacional de Saúde Escolar (PeNSE) de 2015 e ainda são considerados pelas escolas para trabalhar na prevenção de drogas lícitas. A Beta Redação consultou três escolas da cidade para entender no que consiste o programa. Duas delas dizem que o Programa Educacional de Resistência às Drogas e à Violência (Proerd) é a principal ferramenta de conscientização para crianças e adolescentes.

Uma delas é a Escola Municipal de Ensino Fundamental Maria Gusmão Britto, no bairro Centro. O colégio teve uma turma formada no Proerd no primeiro semestre de 2018, e participa do programa há mais de uma década. A Vice-Diretora Jaqueline Santos, explica que a escola não possui outro projeto específico além do programa, mas quando o assunto vêm à tona há liberdade por parte dos professores para tratar esta questão. “Um 9º ano quis falar sobre maconha há algumas semanas. Quando é solicitado por parte deles, é abordado”, conta.

O Proerd surgiu em 1998 no Rio Grande do Sul e foi consolidada como política pública de prevenção as drogas em 15 de junho de 2010, com a aprovação da Lei Estadual nº 13.468.

Proerd já formou mais de 1,2 milhão de crianças e adolescentes em todo Rio Grande do Sul. Foto: Divulgação Proerd

Baseado no projeto norte americano D.A.R.E. (Drug Abuse Resistance Education, “educação sobre a resistência ao abuso de drogas” em português), é uma iniciativa da Polícia Militar e, apenas em São Leopoldo forma de 1200 à 1500 crianças por ano. No primeiro semestre de 2018 foram 11 escolas e 16 turmas participantes, com 600 crianças formadas. Em 20 anos de existência o Proerd já formou mais de 1,2 milhão de crianças e adolescentes em todo Rio Grande do Sul.

Em São Leopoldo, o Proerd é desenvolvido pelo 25º Batalhão de Polícia Militar, por meio dos soldados Rosane Borré, com 11 anos de atuação no programa, e Valentim Torres, com cinco, e pela capitã Bibiana Menezes, com três. Toda rede de ensino do município, seja pública ou particular, é atingida, conforme demanda das próprias instituições. As aulas duram um único semestre (de março a julho ou de agosto a dezembro), com uma hora por semana, onde são ministradas pelos brigadianos, e contam também com a presença do professor.

As formaturas geralmente ocorrem na Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), mas há casos de formaturas realizadas nas próprias escolas, em ocasiões especiais. O Proerd atua nos 3º, 5º e 7º anos, e tem maior foco no 5º ano, levando em conta o conteúdo programático dos materiais. São dez lições que contém, além das drogas lícitas, informações relacionadas à civilidade, bullying, entre outros temas, todos adequados à idade dos alunos.

Os pais também recebem orientações a partir de palestras e reuniões. Mas nem todos os pais aceitam que a escola trate do assunto. “Quando acontece de um aluno ter atitudes diferentes, pedimos para os pais observarem seus filhos. Às vezes, mesmo que aconteça fora da escola, no horário de aula, a escola acaba se envolvendo. O problema é que alguns pais ainda falam que não se pode comentar esse assunto, assim como sexo, homofobia, entre outros. Então, como não está no currículo, não podemos forçar o aluno a ter essas aulas, e seus pais os buscam para não participarem”, comenta a Vice-Diretora.

Proerd possui materiais destinados aos pais. Foto: Tiago Assis

A Doutora em Serviço Social pela PUCRS, pesquisadora e ex-Coordenadora do Centro de Apoio Operacional da Infância, Juventude, Educação, Família e Sucessões do Ministério Público do Rio Grande do Sul, Maria Regina Fay de Azambuja, comenta que “no Brasil, o uso de bebida alcoólica é comum, em todas as classes sociais, difundindo-se a ideia de que trata-se de uma droga”.

A PeNSE ainda aponta que, ao nível nacional, cerca de 9% de alunos na faixa etária de 13 a 15 anos já experimentaram alguma droga ilícita. Entre os 16 e 17 anos de idade, esse número sobe para 17% com um a cada quatro estudantes tendo pelo menos amigo usuário. Os alunos de escolas públicas (9,3%) referiram maior frequência na experimentação de drogas ilícitas do que os de escolas privadas (6,8%).

Ao investigar o uso de drogas ilícitas tais como maconha, cocaína, crack, cola, loló, lança-perfume, ecstasy, oxy e outras substâncias, registrou-se no Rio Grande do Sul o indicador de 13,2% de menores de idade que já fizeram uso. Assim, compõe a relação de estados com indicadores de uso de drogas ilícitas acima dos níveis nacionais.

Relação entre jovem e as drogas pode ser mais profunda

Dentro da Escola Municipal de Ensino Fundamental Rui Barbosa, que atende até o 5º ano, o Proerd não é mais realizado. Segundo a diretora Rosana Freitas, a relação dos alunos com o mundo das drogas é, muitas vezes, profunda. “Trabalhamos a questão das drogas com os alunos através de atividades em sala de aula, palestras, vídeos e informativos. As professoras têm liberdade para trabalhar o tema, porém são orientadas em observar a faixa etária do aluno e também a forma como abordar, pois muitos dos nossos alunos são filhos de usuários e traficantes”, explica.

Porém, a escola insere o tema no trabalho de orientação e prevenção no Projeto Político Pedagógico (PPP) da escola, além de ter frequente apoio da guarda municipal, conforme relato de Rosana.

Quanto ao tabagismo, a região Sul novamente é destaque negativo, com 24,9% dos entrevistados confirmando o ato. O Rio Grande do Sul, neste caso, apresentou número maior que demais estados da região e a média nacional, com 26,4%. A pesquisa mostra que 18,4% entre o total de alunos entrevistados haviam experimentado cigarro pelo menos uma vez na vida, com indicador de experimentação em 19,4% para meninos e 17,4% para meninas. Novamente, o consumo se mostrou superior em escolas públicas.

Cartilhas utilizadas abordam temas como a drogadição. Foto: Tiago Assis/Beta Redação

Escola de rede particular trabalha além do Proerd

O Colégio São Luís, da rede particular, localizado no bairro Centro, possui em seu quadro de funcionários a psicopedagoga e orientadora Graziela Esquiavão, que age como mediadora em casos de uso de drogas. “A principal característica é a mudança de comportamento do aluno com colegas, além da higiene, da fala através de gírias e autoafirmações, e confusões. Mas isso pode variar, o aluno pode ser expansivo demais ou contraído. Quando percebemos uma certa gravidade, chamamos a família”, comenta.

A coordenadora pedagógica do colégio, Gisele Sudatti, explica que, no turno da tarde, os 3º e 5º anos participam do Proerd. Além do programa, a escola possui outros projetos que abordam o tema, como palestras com hebiatras (pediatras especializados no atendimento a adolescentes), Feira de Ciências e Tecnologias (FECITEC) que, muitas vezes, possui trabalhos que abordam o tema, além da liberdade de trabalhar o assunto nos planos de estudo de aulas de Biologia, Química e Cidadania e Ética.

“É um conjunto. Os pais têm que estar sempre presentes, assim como o orientador, a escola e o próprio Proerd. Quando percebemos algo, chamamos a família. Apesar de raros, existem casos extremos em que, em concordância com a família, pedimos ao aluno que se retire da escola”, explica.

Segundo a capitã da Brigada Militar, Bibiana Menezes, “a ausência dos pais em busca de uma qualidade de vida melhor às vezes deixa a desejar na criação dos filhos. As crianças demandam, querem conversar, querem atenção, e é isso que elas nos trazem na sala de aula”.

Maria reitera a afirmação: “é importante que o tema seja abordado com as famílias e os adolescentes, pois, na maioria das vezes, há um desconhecimento sobre os prejuízos decorrentes do uso precoce do álcool”.

Oferta do Proerd pode ser insuficiente

A demanda, muitas vezes, não consegue ser suprida. “O Proerd é o meio em que trabalhamos essa questão, sempre em sintonia com a Secretaria de Educação e as Coordenadorias do Estado. Nossa demanda, inclusive, é muito maior que a nossa capacidade. Infelizmente, algumas escolas ficam de fora do programa”, destaca Bibiana.

Também existem as patrulhas escolares, não necessariamente composta por proerdianos, mas que estão dentro da comunidade escolar, realizadas pela Guarda Municipal e a Brigada Militar. Escolas que são do município possuem cuidados da Guarda Municipal, já as escolas do estado recebem a atenção da Brigada Militar. “Existem muitos problemas de tráfico nas portas das escolas e brigas, inclusive de meninas, o que não era muito comum no passado. As escolas geralmente convocam a Brigada para uma abordagem e, mesmo quando não pegamos nada, serve de alerta para a pessoa”, avalia a capitã.

Evasão escolar tem relação com o consumo de álcool, segundo Organização Mundial de Saúde (OMS). Foto: Pexels (pexels.com)

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o uso do álcool pode levar ao insucesso escolar, a acidentes e atos de violência, sexo desprotegido, evasão escolar e pode, ainda, abrir a possibilidade de acesso a outras drogas. “A vedação do uso de bebida alcoólica por criança e adolescente é embasada em estudos científicos que comprovam prejuízos à saúde, em especial, quando o uso inicia de forma precoce, como demonstra a pesquisa citada anteriormente”, explica Maria.

Outras políticas de combate às drogas no Brasil

O Ministério Público do Rio Grande do Sul, provocado por grupo de pais, instituiu o Fórum Permanente de Prevenção ao Uso e à Venda de Bebida Alcoólica por Crianças e Adolescentes, em novembro de 2011, com o objetivo de manter as instituições mobilizadas e o intuito de desenvolver atividades de prevenção, conscientizando famílias, responsáveis, escolas, educadores, agentes de saúde, bem como maior investimento nas ações de fiscalização por parte do poder público, com a participação da sociedade. Maria Azambuja presidiu a iniciativa em sua estadia no órgão.

Fórum de 2018 abordou o uso e venda de bebidas alcoólicas por crianças e adolescentes. Foto: Assessoria de Imprensa do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul

O artigo 243 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), presente na Lei 8069 de 13 de julho de 1990, prevê como crime a venda, o fornecimento, assim como servir, ministrar ou entregar, de qualquer forma, a criança ou adolescente, bebida alcoólica, com previsão de pena de dois a quatro anos e multa. O Estatuto tem por missão assegurar que os jovens, uma vez atraídos pelo mundo das drogas, tenham a oportunidade de reverter a situação.

Ao aderir ao Acordo Sul-Americano sobe Estupefacientes e Psicotrópicos, em 1973, o Brasil foi instaurou a lei 6.368 de 1976, separando as figuras penais do traficante e do usuário e exigindo a necessidade de laudo toxicológico para comprovar o uso.

A Constituição de 1988 determinou como crime inafiançável e sem anistia o tráfico de drogas, seguida pela Lei de Crimes Hediondos (Lei 8.072 de 1990) que proibiu o indulto e a liberdade provisória, dobando prazos processuais e buscando aumentar a duração da prisão provisória.

Já a Lei de Drogas (11.343 de 2006) elimina a condenação à prisão para usuário e/ou dependente, além de distinguir o traficante profissional do eventual, quando existe a necessidade de obter a droga para consumo próprio, passando a ter direito a uma redução na pena.

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