Reforma Tributária busca melhorar os valores de arrecadação no país. (Foto: Kevin Schneider/Pixabay)

Especialistas indicam medidas alternativas para a Reforma Tributária

Plataforma de trabalho conta com propostas de leis que podem gerar um acréscimo na arrecadação estimado em R$ 292 bilhões

William Martins
Redação Beta
Published in
5 min readAug 27, 2020

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O Congresso Nacional recebeu dia 21 de julho a primeira parte do projeto da Reforma Tributária proposta pelo governo. O texto enviado se debruça sobre os tributos PIS e COFINS, unificando-os em um único imposto chamado de Contribuição de Bens e Serviços (CBS). A estratégia, segundo o ministro da Economia, Paulo Guedes, é enviar as propostas por etapas ao Legislativo.

Além do projeto entregue no mês passado, já estão sob análise na Câmara a PEC 45/2019 e a Emenda Substitutiva Global 178/2019, da oposição, e no Senado, a PEC 110/2019, que também propõe uma reforma no Sistema Tributário do país. Esses projetos causam discordância entre os especialistas. Por isso, um grupo de economistas e instituições se reuniram para elaborar o documento Tributar os super-ricos para reconstruir o país. A plataforma de trabalho foi lançada em julho e tem como bandeira a defesa de uma Reforma Tributária que não estimule a concentração de renda.

Conforme Maria Regina Paiva Duarte, auditora-fiscal da Receita Federal aposentada e presidenta do Instituto Justiça Fiscal, uma das entidades que assinam o documento, o Brasil enfrenta uma crise financeira e social desde 2015, agravada com a pandemia do coronavírus. “Na esteira da diminuição da atividade econômica, perda de arrecadação e aumento dos gastos públicos com saúde e auxílio de R$ 600 do governo, elaboramos uma proposta emergencial para tributar os super-ricos, onde efetivamente estão concentradas a renda e a riqueza”, diz Maria Regina.

O documento atual foi baseado no estudo A Reforma Tributária Necessária: diagnóstico e premissas, lançado em 2018. Publicado com o propósito de colaborar no debate da Reforma Tributária, apresentando soluções rápidas à crise econômica, aprofundada pela Covid-19, o texto apresenta oito medidas em forma de leis tributárias. Essas propostas buscam isentar os mais pobres e as pequenas empresas, fortalecendo Estados e Municípios, gerando um acréscimo na arrecadação estimado em R$ 292 bilhões.

O gráfico acima mostra a porcentagem da Distribuição da Carga Tributária, em relação à arrecadação de 2018, que alcançou R$ 2,2 trilhões (Arte: William Martins/Beta Redação)

Segundo Eduardo Fagnani, economista e coordenador técnico do documento, o sistema tributário brasileiro tem uma alta carga de impostos sobre consumo, o que acaba atingindo os mais pobres diretamente. “O principal problema da tributação brasileira é que você tributa muito consumo e pouco renda e patrimônio. Se você não fizer uma reforma que altere esse balanceamento, não adianta”, afirma.

A proposta do Tributar os super-ricos para reconstruir o país segue este modelo e propõe abandonar a ideia de reforma totalizante do sistema. Fagnani comenta que com a crise será necessária a reposição da carga tributária. “Nós abandonamos a ideia de fazer uma reforma totalizante: renda, patrimônio e consumo. Agora é necessário fazer renda e patrimônio, até para recompor a carga tributária, que vai cair muito. Depois que a economia se recuperar, se faz a reforma do consumo.”

Sistema tributário brasileiro

Há três tipos de sistema tributário: o progressivo, em que a participação dos impostos de renda dos cidadãos aumenta conforme a renda cresce; o regressivo, em que a participação dos impostos de renda diminui conforme a renda aumenta; e o neutro, em que a participação dos impostos de renda é igual ou independe do nível de renda. O modelo vigente no Brasil é o regressivo. Para Maria Regina, é um sistema desigual. “O modelo de tributação que temos no Brasil recai mais sobre os ombros da classe trabalhadora, é regressivo e aumenta a desigualdade social”, comenta.

Exemplo de carga tributária aplicada no Brasil. (Arte: William Martins/Beta Redação)

Para Maria Regina, é necessário que o sistema tributário brasileiro seja progressivo. “Esses números falam por si, o impacto da tributação na população mais pobre é muito mais significativo. Para modificar essa situação, temos que ter um sistema mais progressivo, que incide menos sobre consumo e mais sobre renda e patrimônio”, afirma.

Tributação para os super-ricos

O nome do documento proposto pelo grupo já indica sobre a necessidade da tributação dos super-ricos, que são aqueles que têm patrimônio acima de R$ 10 milhões e representam 0,028% da população brasileira, segundo o Fisco. Essa medida, conforme o texto, traria uma arrecadação de R$ 40 bilhões.

De acordo com Eduardo Fagnani, a carga tributária no Brasil só é alta porque os super-ricos não contribuem o suficiente. “As pessoas dizem que a carga tributária no Brasil é alta. Não é verdade. O que é alta é a carga tributária sobre o consumo. E a carga tributária sobre o consumo é alta porque a sobre renda e patrimônio é residual”, explica.

O economista ainda afirma que é necessário que as pessoas compreendam o modelo atual. “As pessoas pobres e de classe média precisam entender que, de fato, a carga para elas é alta. Mas é alta porque o andar de cima não paga. Se o andar de cima pagar, é possível reduzir a carga delas.”

Guilherme Mello, economista e professor da Unicamp, comenta os projetos de Reforma Tributária que estão tramitando no Congresso Nacional e quais os impactos na economia brasileira.

Reforma Tributária justa, solidária e sustentável

O projeto da Reforma Tributária solidária, que tramita na Câmara de Deputados como a Emenda Substitutiva Global 178/2019, foi apresentado pela oposição como projeto de substituição à PEC 45/2019. “A emenda é a única que verdadeiramente se propõe a fazer uma Reforma Tributária. As outras não são uma Reforma Tributária. São uma reforma da tributação sobre o consumo. Ou seja, é uma reforma de uma parte importante, mas que é uma parte da estrutura tributária”, afirma o economista e professor da Unicamp Guilherme Mello.

A Reforma Tributária justa, solidária e sustentável se dedica a reduzir as desigualdades da estrutura tributária brasileira. A partir da tributação da renda e do patrimônio dos mais ricos, é possível diminuir a carga que incide sobre os mais pobres e os trabalhadores. Hoje, o Brasil é um dos países líderes na tributação sobre consumo, que impacta diretamente a população mais pobre, e está na lanterna na tributação de riquezas, segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Comparação da composição da carga tributária brasileira com relação a países da OCDE em 2015. (Arte: William Martins/Beta Redação)

Para Mello, esse modelo de Reforma Tributária aproxima o Brasil dos países que têm uma maior justiça tributária, como os da Europa e os Estados Unidos, justamente pelos pontos trabalhados pelo projeto. “Ela tem um caráter social, um caráter distributivo e também ajuda a aumentar a eficiência do sistema, mas distribuindo renda e mudando verdadeiramente a estrutura tributária brasileira”, finaliza.

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