Esporte é fundamental para o bem-estar de crianças com autismo

Terapias de psicomotricidade podem evoluir para a prática esportiva e trazer benefícios para pessoas com TEA

Tainara Pietrobelli
Redação Beta
6 min readAug 30, 2021

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Tainara Pietrobelli

Os benefícios da atividade física para a saúde física e mental não são novidade, mas quando se pensa no esporte como uma atividade presente na vida de pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) muitos ainda se surpreendem e, até mesmo, duvidam que chegar ao patamar do alto rendimento seja impossível. Mas quem convive com pessoa com autismo na família entende o quanto as atividades psicomotoras contribuem, não só para o bem-estar físico, mas também mental.

O autismo envolve um espectro com subdivisões e níveis, podendo abarcar casos graves, leves e moderados. Cerca de 70% das pessoas com autismo são classificadas como casos graves ou moderados, mas isso não representa, necessariamente, uma perda de QI. Ou seja, nem todo autista desenvolve uma deficiência intelectual. Pelo contrário, alguns têm inteligência acima da média.

De acordo com a psicóloga e psicoterapeuta especializada em Gestão de Saúde e TEA, Ana Lúcia Paz, o esporte e os professores de educação física são fundamentais nos processos de desenvolvimento de pessoas inseridas no espectro autista. Ela explica que as atividades físicas possibilitam o desenvolvimento cognitivo. “A criança precisa primeiro ter estímulos motores, para depois avançar para outras fases, inclusive de alfabetização”, destaca.

Para Rodrigo, que está prestes a completar 10 anos, o contato com o esporte no âmbito terapêutico começou ainda aos 5 anos, com equoterapia e natação. Atualmente, ele frequenta todas as semanas o Centro Cavalo Amigo de Equoterapia, em Porto Alegre. Lá, tem encontrado apoio para se desenvolver de diversas formas, como explica a mãe, Josiane Gomes da Silva Vianna.

Rodrigo sendo auxiliado pelas profissionais do Cavalo Amigo. (Foto: Josiane Vianna/Arquivo Pessoal)

“Percebemos que, aos poucos, ele foi se habituando e sentindo prazer e muita alegria de estar ali com o cavalo, diminuindo, assim, a resistência de montá-lo. Ele foi adquirindo habilidades sociais e passou a interagir com o animal e também com os terapeutas que o acompanham. Teve melhora no equilíbrio, no sono e na hiperatividade”, relata.

De acordo com Ana Lúcia, a equoterapia apresenta grandes benefícios para pessoas com autismo, justamente pela capacidade de tranquilizar e motivar a criação de vínculos: “Uma característica de pessoas com a síndrome é fazer movimentos estereotipados, que segundo estudos, são uma forma de tentar se acalmar. Nesse caso, o balanço do cavalo na hora de cavalgar contribui para que esse traço seja diminuído. Na pessoa com TEA, esses balanceios são momentos em que a pessoa está tentando se isolar diante de algo que está perturbando ela. A equoterapia faz a criança entrar em sintonia com o animal, e isso tranquiliza”, esclarece.

A equoterapia é um método terapêutico e educacional, que utiliza o cavalo dentro de uma abordagem multidisciplinar e interdisciplinar nas áreas de saúde, educação e equitação, buscando o desenvolvimento biopsicossocial de pessoas com deficiências, necessidades especiais e autismo. Apesar de ser considerada uma terapia, há uma tendência de que crianças com TEA praticantes da técnica migrem para o hipismo na adolescência, ou de acordo com o seu desenvolvimento. No caso de Rodrigo, há expectativas de que ele passe a praticar o hipismo com o tempo, considerando o seu interesse pela práticas e os benefícios conquistados até então.

As vantagens da equo se mantém a longo prazo, de acordo com um um estudo da University of Colorado Anschutz Medical Campus, iniciado em 2015 e baseado em um programa com 127 crianças autistas de 6 a 16 anos. A pesquisa evidenciou que essas crianças apresentaram ganhos sociais importantes, tornando-se mais comunicativas, menos irritáveis e menos hiperativas. Além disso, descobriu-se que, a longo prazo, 44% das crianças que participaram do estudo inicial continuaram tão expressivas e comunicativas quanto estavam logo após o programa de equitação. Elas também mantiveram o nível de irritabilidade mais baixo com o passar do tempo.

Rodrigo tem muito apreço pelo cavalo. (Foto: Josiane Vianna/Arquivo Pessoal)

Crianças com autismo precisam fazer o que gostam

Apesar dos benefícios do esporte serem relevantes, não é recomendado motivar a criança com TEA para uma modalidade que não lhe desperta interesse. De acordo com a psicóloga Ana Lúcia, é necessário reconhecer objetos que despertam o fascínio da criança, e a partir dele, entender como direcionar a melhor atividade, seja ela esportiva, ou não.

“Nem toda criança vai ter interesse em esporte. Quando a família diz que o filho adora brincar na água, geralmente se indica natação. Quando se diz que a criança adora se movimentar e virar de cabeça para baixo, por exemplo, ginástica pode ser a indicação. O importante é despertar o brilho no olho da criança. Quando descobrimos que ele gosta muito de um objeto, como a bola, podemos fazer com que esse objeto — que é o foco de interesse — tenha uma utilidade para uma área esportiva”, explica Ana.

A história de Rodrigo deixa evidente os benefícios trazidos pela prática esportiva quando a criança manifesta interesse prévio. Segundo a mãe, Josiane, ele sempre gostou de animais e também de água, por isso teve contato com a natação. “Inicialmente, a equoterapia foi sugerida justamente por ser uma atividade com um animal. Ele adora os bichos, então acreditávamos que seria muito bom para ele, inicialmente como terapia, mas já almejando substituir pelo esporte na adolescência. Ele também adora praticar natação e, muitas vezes, quando via um lago ou piscina, tentava se jogar. Por ser bem agitado, a prática de atividades na água o acalmava e o faziam gastar muita energia. A natação também o deixou mais organizado e com o sono mais tranquilo", afirma.

Rodrigo e a mãe durante as aulas de natação. (Foto: Josiane Vianna/Arquivo Pessoal)

Atividades físicas facilitam a inclusão no ambiente escolar

Desde 2012, a inclusão de pessoas com autismo nas escolas se tornou um direito garantido pela Lei nº 12.764, que institui a “Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista”. A partir da data, nenhum membro do núcleo escolar poderá negar o direito de matrícula ao aluno com TEA.

Apesar dos benefícios de incluir a criança com autismo em um ambiente escolar, pode haver dificuldade em integrá-la aos colegas e professores. É nesse contexto que atividades físicas, esportes e exercícios que trabalham com a psicomotricidade são importantes.

A educação física contribui para o desenvolvimento motor, afetivo, social e cognitivo, além de motivar a criança desde cedo a praticar esportes. A atividade, no entanto, depende do tipo e nível do transtorno do aluno já que, em alguns casos, os problemas neurológicos podem afetar a parte motora. Quando isso acontece, as atividades são realizadas em forma de jogos e brincadeiras lúdicas, o que desperta o prazer da criança para a sua prática.

Segundo pesquisas do Instituto Neurosaber, a psicomotricidade permite que a criança com autismo adquira o que lhe é mais caro e deficitário: apropriar-se de sua imagem e esquema corporal e da consciência de seu corpo dentro de um ambiente ou de um contexto. Para tal objetivo, é importante que se trabalhe com esta criança por meio de estratégias que a façam se auto-perceber e se inter-relacionar com os limites do meio. Atividades como rolar, pular, tocar, mudar de lado ou de posição (frente/atrás) fazem com que ela consiga, aos poucos, perceber os limites entre seu meio interno e seu externo.

A coordenadora geral da Associação Pandorga, de São Leopoldo, Heide Kirst, explica sobre o uso de outra técnica para casos graves de autismo. “Nesses casos, os esportes e a educação física são diferentes das escolas para pessoas neurotípicas. Algumas crianças têm dificuldade em ficar em fila, fazer em conjunto um mesmo movimento, observar e imitar o professor. Nesses casos, as atividades esportivas envolvem caminhadas e, dentro da grande sala, são feitos movimentos chamados de 'relation play'. São exercícios simples, de fácil execução e que ajudam a relaxar, acalmar, aumentar a concentração e a melhorar a confiança em si próprio e em outras pessoas", esclarece.

A especialista Ana Lúcia também ressalta que ainda há preconceito na inclusão escolar de crianças com autismo, mas destaca que o esporte é fundamental para reforçar a vivência de grupo, porque eles têm dificuldade de se inserir com outras pessoas. Quando um professor consegue realizar uma atividade integrada, isso faz muito bem, não só para a criança, mas também para o resto da turma, indica.

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