Esporte, lazer e mobilidade urbana sobre duas rodas
Ciclistas relatam suas experiências em ruas, estradas e trilhas, destacando os benefícios da atividade para a saúde física e mental
Cruzar com ciclistas pedalando às margens das ruas e rodovias é uma cena cada vez mais comum no Rio Grande do Sul. Alguns treinam para competir, outros preferem encará-la como um meio de transporte e há também quem pense no lazer: a bike como alternativa para conhecer novos lugares e paisagens. O fato é que o ciclismo sempre proporciona diferentes experiências aos praticantes. Tudo depende do modelo da bicicleta, do cenário, do tipo de solo e do objetivo de cada um.
Para Vanderlei Melchior, 40 anos, natural de Santa Rosa, que hoje reside em Novo Hamburgo, a paixão pelo esporte sempre moveu suas conquistas e seu desenvolvimento pessoal. Como atleta, sua jornada iniciou na modalidade Mountain Bike, onde foi campeão gaúcho nos anos de 1998 e 1999. Depois dessa fase, Vanderlei passou a praticar o Ciclismo de Estrada, trocando a bicicleta de trilha por uma speed. Assim, em menos de três anos, treinando e pedalando sem apoio e sem patrocínio, foi convidado por uma equipe de Belo Horizonte a competir profissionalmente.
“Agora também faço parte da equipe Apuana Team, que criei junto com minha esposa, Nadir Duarte. Tanto a formação da equipe quanto a criação do nome foram ideias dela. Apuana é uma palavra indígena que significa ‘veloz’ e ‘o homem que corre’, o que tem tudo a ver com a bike. Hoje, nosso grupo cresceu e já temos várias categorias, como Juvenil, Master, Elite, Feminina, entre outras. Também estamos sempre disputando o Campeonato Gaúcho, a Copa União e provas internacionais no Uruguai e na Argentina”, conta Vanderlei.
O atleta, que compete há 23 anos na modalidade Ciclismo de Estrada, acumula várias vitórias. Uma delas foi no dia 12 de setembro, na 2ª etapa do Campeonato Gaúcho 2021, em Santa Rosa, onde conquistou o segundo lugar na categoria Elite Masculina. A prova, também conhecida como a “Clássica da Soja”, consistia em um trajeto de 77 km. O percurso iniciou no Parque de Exposições Alfredo Leandro Carlson (Parque da Fenasoja) e terminou no município de Porto Mauá, que faz fronteira com a Argentina. Ao todo, 250 atletas participaram divididos em 19 categorias.
Ao falar sobre a conquista, Vanderlei classifica a prova como "emocionante". “Fiquei muito contente porque eu sou da região de Santa Rosa, a minha mãe mora lá, a minha família é de lá e eu nasci lá. Então, ficar em segundo lugar na categoria Elite foi um grande feito, ainda mais porque tenho 40 anos e já deveria estar concorrendo na Master B, porém sigo firme na Elite com a gurizada de 20 e poucos anos. Além disso, ciclistas de todo o estado estavam na competição e ainda conseguimos colocar três atletas da equipe Apuana no segundo, terceiro e quarto lugar do pódio”, comemora.
Agora, Vanderlei já tem um novo desafio ciclístico agendado: está se preparando para participar da Volta Binacional de Ciclismo 2021, que será realizada nos dias 30 e 31 de outubro e 1º e 2 de novembro em São Lourenço do Sul. Apaixonado pelo esporte, o ciclista leva muito a sério a vida de atleta. Para se manter competitivo, treina todos os dias da semana, conciliando a rotina do pedal com a vida particular e com a sua loja em São Leopoldo, a Apuana Bike.
“Geralmente treino das 11h às 13h, percorrendo cerca de 70 a 100 km por dia e 500 a 600 km por semana. Só de treinamento e competições pedalo, em média, de 25 a 30 mil km em um ano. O maior percurso que já fiz foi uma volta de 289 km pela Serra gaúcha em um tempo muito bom de 8 horas e 30 minutos. Além dos treinos, também trabalho na minha loja durante a tarde. Para conciliar essa rotina com a família, considero importante que a parceira goste de pedal também, porque faz parte da vida do ciclista profissional estar sempre treinando e viajando muito”, frisa.
Outra questão importante para manter um bom ritmo na bicicleta, segundo Vanderlei, é cuidar da alimentação. Em relação à saúde, o ciclista salienta que essa atenção com o corpo é fundamental para um bom desempenho e para melhor qualidade de vida. “O meu combustível é a alimentação, então cuido muito o que eu como. Quando faço exames, estou sempre com os níveis de colesterol ‘ruim’ e os triglicerídeos reduzidos. Em um pedal de uma hora e meia, por exemplo, já é possível eliminar muitas toxinas prejudiciais e garantir inúmeros benefícios”, afirma.
Para quem possui uma vida agitada, como a de Vanderlei, a prática do ciclismo também pode servir como uma válvula de escape para os problemas do dia a dia. “Em cima da bicicleta consigo reduzir o estresse de ter uma empresa e um monte de coisas para fazer. Essa sensação que o ciclismo proporciona, de pedalar e sentir o vento no rosto, não tem explicação, só quem anda de bike sabe”, finaliza o atleta.
Pedalar também é sinônimo de lazer
Esporte para uns, hobby para outros. No caso de Elias Weber, 45 anos, engenheiro mecânico e morador de Sapucaia do Sul, pedalar é uma paixão que surgiu na infância, mas foi só na adolescência que o ciclismo entrou, de fato, em sua vida. “Com 16 anos consegui comprar minha primeira bicicleta usada, uma speed, para andar no asfalto. Como eu tinha um amigo que praticava, a primeira rota que fizemos foi de Sapucaia do Sul até o Autódromo de Tarumã, ida e volta, pela RS-118. Depois disso, nunca mais parei”, conta o ciclista, que pedala por lazer nos finais de semana.
Até o momento, o recorde alcançado por Elias foi de 150 km num único dia. Segundo ele, o trajeto iniciou no município de Canela e terminou na cidade de Arroio do Sal, no litoral gaúcho. Outro percurso extenso foi de Sapucaia do Sul até a praia de Imbé, um caminho de aproximadamente 130 km.
“Foram experiências bem legais. Nessas viagens mais longas, é preciso estar preparado e trabalhar o psicológico para enfrentar situações adversas. Acredito que quando a gente está mentalmente bem o rendimento é muito melhor do que quando estamos preocupados, nervosos ou estressados”, comenta Elias, reforçando que, nas estradas, o cuidado deve ser redobrado. “Acho perigoso porque, infelizmente, a maioria dos motoristas não respeitam. Por isso, considero importante usar muita sinalização e escolher rodovias com poucas entradas e saídas, como a Freeway, por exemplo”, enfatiza.
Para evitar a presença de carros, barulhos e buzinas, que tanto prejudicam os ciclistas, Elias opta, hoje em dia, pela tranquilidade de pedalar em meio à natureza, subindo morros e desbravando trilhas, acompanhado por amigos. “A modalidade que tenho praticado agora é a Mountain Bike, com uma bicicleta apropriada para andar em estradas não pavimentadas. Então, sempre no sábado ou no domingo, acordamos cedo e vamos pedalar por cerca de 3 ou 4 horas pelo interior de Sapucaia do Sul, São Leopoldo, Novo Hamburgo, Gravataí ou em outras cidades da Região Metropolitana. Na média, os pedais costumam ser de 50 km”, salienta.
Além da chance de conhecer novos lugares, o ciclismo ainda proporciona, segundo o engenheiro, inúmeros benefícios para a saúde mental. “Quando estou pedalando, consigo esquecer um pouco os problemas e aproveitar o momento. Também acho que o ciclismo ensina, assim como os outros esportes, a controlar a ansiedade. Na bicicleta é preciso dosar a força, a velocidade, aprender que não vai ser fácil, que vai doer, que vai sentir cansaço, sede, fome e calor. Então é preciso ter paciência para chegar no objetivo. Às vezes, a gente se programa para subir em uma montanha ou conhecer uma cachoeira, mas não basta só chegar, também é preciso apreciar o caminho. Acho muito boa essa conexão consigo mesmo e com a natureza”, ressalta o ciclista.
Ao contrário do que muita gente pensa, pedalar pelas estradas rurais pode ser mais seguro do que pedalar pelas ruas da cidade, devido a pouca quantidade de carros trafegando por essas áreas. Contudo, mesmo com essa vantagem, o ciclista precisa estar atento a alguns cuidados antes de pegar a bicicleta e ir para a terra, como conhecer o trajeto e usar equipamentos de segurança de boa qualidade.
Após tantos anos, Elias conta que já passou por vários sustos e, por esse motivo, sempre que vai pegar a bike coloca o capacete. “Já tive a experiência de cair um tombo e me machucar porque estava sem os equipamentos. Então, agora, mesmo se eu for só até a esquina de casa, coloco o capacete. Além desse acidente, em um outro dia, na época em que eu ainda pedalava com a speed, um pneu de caminhão estourou na rodovia. A minha sorte é que foi do lado oposto porque, se o pneu tivesse estourado do meu lado, provavelmente eu teria me machucado. Por isso, o uso dos equipamentos de segurança é fundamental”, afirma.
Dicas para iniciantes
Com tantas opções, é comum bater aquela dúvida na hora de escolher a bike ideal, já que existe um tipo para cada cenário e solo. Nas estradas, por exemplo, as speeds reinam. Em trilhas e montanhas, as mountain bikes são as favoritas. Há ainda as bicicletas urbanas e as fixas, que se adaptam melhor nas cidades. Além disso, existem muitos outros modelos com finalidades específicas.
Por isso, para quem está pensando em começar no pedal, Elias explica que é importante conhecer os tipos de bicicleta e as diferentes modalidades. “Estudar sobre o assunto vai ajudar o ciclista iniciante na hora da escolha, mas antes de comprar é preciso saber qual é o real objetivo para não acabar fazendo um investimento que depois não será aproveitado”, destaca.
Outra dica é encontrar um grupo ou um amigo que, de preferência, tenha os interesses alinhados e que esteja no mesmo nível de pedal. “É importante não pular etapas, como pedalar em uma rodovia ou enfrentar um trajeto difícil sem ter experiência. Isso pode ser desmotivador. Se a vontade é iniciar só para fazer uma atividade física, um pedal mais leve, para tirar fotos e curtir, é importante encontrar um grupo que tenha essa proposta também”, aconselha Elias.
Ciclismo urbano: a bike como meio de transporte
Fazer da bicicleta um meio de transporte é uma escolha cada vez mais comum entre os brasileiros. Mário Lúcio Pedrosa, 22 anos, mineiro que mora em Porto Alegre há quatro anos, conta que, antes da pandemia, utilizava a bike para se deslocar até o trabalho e a faculdade todos os dias. Morador do bairro Centro Histórico, Mário trabalha em uma corretora de valores mobiliários no Bom Fim e estuda economia na UFRGS, também no Centro. Contando a ida e a volta, eram cerca de 4 a 5 km diários percorridos pelas ruas da capital gaúcha.
“Eu sou natural de Timóteo, cidade do interior de Minas Gerais, e, portanto, tudo era mais fácil de se fazer de bicicleta. Me acostumei desde o ensino fundamental a utilizá-la como meio de transporte e essa cultura permanece até hoje. Em Porto Alegre, sempre que posso, utilizo a bike para me locomover, porém, com a pandemia, estou trabalhando e estudando a distância, então a bicicleta tem ficado mais de lado”, comenta.
Mesmo pedalando com menos frequência atualmente, a relação e a história de Mário com a bicicleta sempre foi intensa. Na adolescência, o estudante e analista de custódia andou muito de bike, inclusive por esporte. “Em Minas, os percursos para estudar eram de aproximadamente 8 km diários em área urbana. Para a prática do ciclismo, eu rodava cerca de 200 km por semana, sendo dois treinos de 50 km durante a noite e um passeio de, em média, 100 km nos finais de semana. Pedalar é doloroso, mas é muito gratificante ter a sensação de sentir o chão vibrando, o vento no rosto e a necessidade de se esforçar para sair do lugar”, afirma.
Para o ciclista, outra razão para andar sobre duas rodas são as vantagens para a saúde. “Quando eu praticava ciclismo por esporte, eu me sentia melhor fisicamente e tinha muita disposição. Eu possuía mais fôlego, constância e ritmo em tudo o que fazia. Neste período, também não tive nenhuma doença relevante”, diz Mário, que apesar de reconhecer os benefícios de andar de bicicleta, também ressalta os perigos diários. “Em um dia de semana, pedalando de noite em área rural, acabei não vendo um monte de terra que estava jogada no meio da rua e bati de frente, voando cerca de 10 metros. O capacete quebrou na hora e o óculos rasgou a minha testa. Neste dia, fui levado para o hospital por uma pessoa que estava passando de carro e levei cerca de 15 pontos”, conta.
Por isso, de acordo com Mário, para quem pensa em adotar a bicicleta como meio de transporte, alguns cuidados básicos são necessários. “É importante escolher muito bem a bike. Ela deve fazer sentido para o tamanho e tipo de corpo do ciclista. Também existem inúmeras formas de ajuste que devem ser respeitadas para evitar dores e manter a postura adequada, inclusive para garantir a capacidade de driblar problemas inesperados que surgirem ao longo do percurso. Além disso, o capacete deve ser um equipamento de segurança obrigatório para toda e qualquer pessoa porque ele salva vidas. Já salvou a minha”, pontua.
Procura por bikes cresce na pandemia
Desde o início do período pandêmico, um dos esportes que mais têm se destacado é o ciclismo. A possibilidade de se exercitar ao ar livre e sem aglomeração, somada ao fato da bicicleta ser um meio de transporte rápido e acessível, fez com que a procura pelo equipamento disparasse no Brasil.
Segundo um levantamento realizado pela Aliança Bike (Associação Brasileira do Setor de Bicicletas), o ano de 2020 registrou um aumento de 50% nas vendas de bikes em comparação a 2019. Entre os modelos mais vendidos estão as urbanas e as mountain bikes, com valores que oscilam entre 800 e 2 mil reais.
Contudo, se o ano de 2020 confirmou a onda de crescimento do mercado de bicicletas no Brasil, o primeiro semestre de 2021 aponta que o segmento continua em alta. Nos meses de janeiro a junho deste ano, as vendas de bicicleta no país aumentaram 34% em relação ao mesmo período do ano passado. Os dados também são do monitoramento realizado pela Aliança Bike, que ouviu 180 lojistas de 20 estados.
O atleta Vanderlei Melchior, dono da loja Apuana Bike, localizada na Avenida Imperatriz Leopoldina, nº 2955, em São Leopoldo, estima que o período compreendido entre 2020 e 2021 registrará um aumento de 70% nas vendas de bicicletas. “Muitas pessoas, que nunca pedalaram antes, começaram a praticar na pandemia, então a procura por bikes realmente cresceu bastante”, comenta. Além da venda de bicicletas, a loja também faz revisão, lavagem, pintura, manutenção, entre outros serviços. O horário de atendimento é de segunda a sexta-feira, das 8h30 às 11h30 e das 13h30 às 19h.