Esportistas buscam alternativas para minimizar os prejuízos causados pela pandemia

Impacto técnico e financeiro foi bastante sentido pelos profissionais no último ano

Mateus Friedrich
Redação Beta
7 min readJun 18, 2021

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Indústria do esporte teve prejuízos irreparáveis nesse último ano. (Foto: Mateus Friedrich / Beta Redação)

Quando o novo coronavírus chegou ao Brasil e paralisou todas as atividades esportivas, em março de 2020, muitos profissionais da área temeram pelo futuro. E com razão. Mais de um ano se passou, a pandemia “não foi embora”, como alguns pensavam, e a situação segue caótica em todo o país, apesar de muitas atividades terem sido retomadas — com restrições. O futebol e o basquete, por exemplo, voltaram já no segundo semestre do ano passado, mas sem a presença dos torcedores, que são a razão da existência dos clubes e instituições.

Os primeiros meses de paralisação total das atividades foram os mais preocupantes para os esportistas, que conviviam com a incerteza da volta das disputas e, principalmente, com o temor de um prejuízo financeiro que poderia se tornar irreversível. Clubes de menor orçamento precisaram fechar as portas, enquanto os grandes clubes do futebol brasileiro adotaram medidas para minimizar os prejuízos provocados pela Covid-19, como redução de salários e até corte de funcionários.

O Sport Club Internacional, um dos principais clubes do futebol brasileiro, demitiu dezenas de funcionários e reduziu o salário dos atletas em 25% nos meses sem competições, entre abril e julho de 2020. Essa medida atingiu o plantel masculino e também o elenco feminino, e foi adotada porque o clube gaúcho estimou, para 2020, uma perda de R$ 100 milhões nas receitas.

Isa Haas é zagueira do time profissional do Internacional. Ela, assim como todo o elenco, teve redução de 25% no salário no início da pandemia. (Foto: Mariana Capra / SC Internacional)

Zagueira do time profissional feminino do Inter, Isadora Haas, a Isa, de 20 anos, lembra que o período sem jogos foi complicado para o grupo. “Como trabalhamos em um esporte coletivo, treinar sozinha durante quatro meses, através de lives, não é o melhor dos mundos. Tivemos uma perda importante, mas como todo atleta profissional, lapidando e voltando à rotina, uma semana bastou para normalizar. Durante esses quatro meses, tivemos um corte de 25% (no salário), mas depois normalizou”, frisa.

A jogadora acrescenta que também houve redução no investimento dos patrocinadores das atletas durante esse período. Com a flexibilização do governo e a retomada dos campeonatos, no segundo semestre, a rotina de Isa e suas colegas foi, aos poucos, voltando ao normal. “Como somos testadas de dois em dois dias, mantemos todos os protocolos gerais de combate à Covid-19, então a nossa rotina não é muito alterada”, complementa.

Mesmo com as dificuldades enfrentadas e as medidas adotadas para minimizar os prejuízos financeiros causados pela pandemia, os grandes clubes e instituições esportivas do Brasil conseguem se manter. Entretanto, escolinhas e projetos de iniciação não têm a mesma “sorte”. Na F-10 Escolinha de Futebol, situada em Montenegro (RS), o número de alunos atualmente é 49,7% menor que em fevereiro de 2020, antes do novo coronavírus chegar ao Brasil.

Responsável pelo setor administrativo da escolinha, Tânia Maria Schons Kayser, que também é divulgadora da Federação Internacional de Educação Física (FIEP-RS) no município, explica que as atividades da escola de futebol foram paralisadas em março e retomadas somente em outubro. No início deste ano houve nova paralisação, e somente em maio os alunos puderam voltar aos treinamentos novamente.

A F-10 atendia 193 alunos em fevereiro do ano passado, antes da paralisação das atividades. Na primeira retomada, a escolinha chegou a ter, no máximo, 80 alunos. Agora, no retorno mais recente, 96 jovens voltaram aos treinos. “Sem formação de base, a marca deste período de pandemia terá consequências por muitos anos”, alerta Tânia.

Bandeirinha teve auxílio da CBF nos primeiros meses da pandemia

Enquanto os jogadores de futebol precisaram treinar individualmente em suas casas durante alguns meses de 2020, antes de voltar para seus clubes, outros profissionais do esporte tiveram que se reinventar para superar as dificuldades impostas pela pandemia. Assim como os centros de treinamento, as academias também não puderam abrir durante um período.

A situação preocupou os profissionais do setor, como Michael Stanislau, que é proprietário de uma academia de treinamento personalizado em Montenegro. Formado em Educação Física, ele também atua como árbitro assistente pelo quadro da Confederação Brasileira de Futebol (CBF). “No início, a gente não tinha dimensão que a pandemia duraria tanto. Sabíamos que era algo sério, mas não tinha dimensão”, afirma.

Árbitro assistente Michael Stanislau contou com o suporte da CBF nos primeiros meses da pandemia. (Foto: Mateus Friedrich / Beta Redação)

A maior parte da renda de Stanislau é através das mensalidades dos alunos da academia. A outra fatia é referente às partidas em que trabalha nas competições da CBF e da Federação Gaúcha de Futebol (FGF). Ele salienta que está sempre “prevenido” para meses de crises e contratempos financeiros, como aconteceu no início da pandemia.

Para não perder muitos alunos e evitar o fechamento definitivo da academia, ele adotou algumas medidas no final de março de 2020. “Transformei as aulas presenciais em on-line e baixei a mensalidade de todo mundo para R$ 80,00 (alguns alunos pagavam R$ 150,00 e outros R$ 200,00). Sabia que muita gente ficaria sem emprego ou com redução de renda. Tive até que tirar do bolso um pouco para bancar as contas do mês, mas considerei mais justo fazer isso”, declara.

A renda normal de Michael Stanislau só foi retomada na metade de julho, com o retorno do futebol. Além disso, o árbitro assistente teve um auxílio de três meses da CBF com uma taxa de arbitragem durante o período sem competições. “Isso supriu minhas contas. Quando o futebol retornou, fiquei mais tranquilo, não passei por mais nenhum problema”, destaca.

A grande maioria dos árbitros brasileiros concilia a rotina da arbitragem com outro emprego, exceto os árbitros do quadro da Fifa, que atuam somente neste segmento. Por falar em rotina, Stanislau relatou como tem sido o dia a dia da arbitragem do país durante a pandemia. “Viajamos sempre juntos e sentados lado a lado, e só saímos do hotel mesmo para comer ou para o jogo. Os hotéis têm restrições quanto ao funcionamento e a capacidade, em alguns até mesmo o café da manhã é servido nos quartos. Por mais que sejamos testados semanalmente, cuidamos muito para não gerar aglomerações”, completa.

Ciclista larga a bike para viver vendendo bicicletas

No ano de sua estreia na principal categoria do ciclismo gaúcho, o atleta Rodrigo Barreto viu seu esforço de anos ser interrompido pelo novo coronavírus. De início, pedalar era apenas um hobby, que passou a ser uma paixão em pouco tempo. O ciclista de Montenegro começou a levar o esporte tão a sério que, no início de 2020, fundou a equipe Reaction Cycling Team, em parceria com Rafael Rosa, um dos expoentes da modalidade no Rio Grande do Sul.

Os planos de Rodrigo, que viria a estrear na categoria Elite, foram frustrados. Quando tudo parou em virtude da pandemia, ele precisou se reinventar. Perdeu seus apoiadores, não pôde treinar e, no seu outro emprego (produtor de eventos), a situação era idêntica. “No começo, foi muito impactante, porque o entretenimento parou de imediato e o esporte também. Isso me afetou muito financeiramente, não tinha de onde tirar dinheiro para pagar as contas”, lamenta.

Em pouco tempo, porém, recebeu um convite de um amigo, antigo colega de equipe no ciclismo, para trabalhar com ele em sua loja de bicicleta, em Pelotas. Sem muitas opções, mudou-se para Pelotas e ficou dois meses trabalhando com o amigo, mas precisou voltar para casa. “Por questões financeiras, não deu certo, o lucro era muito pequeno”, conta.

Sem provas para competir, Rodrigo Barreto recebeu um convite inesperado e hoje trabalha na maior loja de ciclismo da América Latina. (Foto: Arquivo pessoal / Rodrigo Barreto)

Quando voltou para Montenegro, retomou os treinamentos, mas não tão intensos como eram antes da pandemia. Foi aí que surgiu a oportunidade que mudaria sua vida. Rodrigo recebeu um convite da Bike Point, a maior loja de ciclismo da América Latina e uma das 10 maiores do mundo. “Fui fazer um teste com eles e desde então não voltei mais. Estou há 11 meses na loja (em Criciúma-SC). A pandemia, para mim, foi péssima na questão das competições, mas o impacto que teve na minha vida foi fantástico”, salienta.

“Nunca imaginei que conseguiria viver apenas de ciclismo. E, para minha surpresa, ganhei uma nova profissão, me tornei um profissional em venda de bike e produtos”, celebra.

O impacto econômico provocado pela pandemia no esporte

A Sports Value, empresa brasileira de marketing esportivo, estimava um prejuízo de aproximadamente US$ 15 bilhões na indústria do esporte profissional global por conta da pandemia em 2020. Nesse cálculo, foi considerado vendas de ingressos e de produtos, direitos de televisão e patrocínios. Apesar do prejuízo estratosférico, esse valor equivale a apenas 2% do mercado esportivo global, que movimenta anualmente US$ 756 bilhões.

Com a pandemia afetando todos os continentes do planeta, os Jogos Olímpicos de Tóquio, que aconteceriam em julho e agosto de 2020, foram adiados para o mesmo período de 2021. A mudança gerou prejuízos enormes para a economia e também para os atletas, que se prepararam durante anos para o evento. Muitos esportistas não chegarão no Japão em suas melhores condições físicas e técnicas por conta da pandemia, que atrapalhou o calendário de treinos e competições neste último ano.

Em relação ao impacto financeiro que o adiamento das Olimpíadas vai causar para o governo japonês e para o Comitê Olímpico Internacional (COI), o gestor esportivo gaúcho Luciano Elias, que trabalhou como gerente de sede na última edição dos Jogos, no Rio de Janeiro, em 2016, calcula um prejuízo de R$ 13,1 bilhões com a mudança de data, devido às renegociações de diárias, hospedagens e contratos com fornecedores.

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