“Estamos no século XXI e vivendo um sistema de transporte do século passado”

Adriano Paranaiba, doutor em Transportes, defende a integração de tecnologia nos sistemas de transporte para melhorar sua qualidade

Thiago Borba
Redação Beta
9 min readApr 29, 2020

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“Temos que levar esses aplicativos, essas tecnologias, para o transporte de massa também” (Foto: Luciano Lanes/Prefeitura Municipal de Porto Alegre)

Aplicativos que monitoram o trajeto dos ônibus não são novidade em Porto Alegre — o CittaMobi já faz isso, por exemplo. Entre outros benefícios, se o passageiro sabe o momento exato que sua condução irá chegar, ele não precisa ficar na rua, exposto ao mau tempo ou à insegurança. Contudo, as possibilidades tecnológicas disponíveis podem trazer ainda mais qualidade no transporte.

O Citybus 2.0, da cidade de Goiânia, é um serviço similar ao Uber Juntos, mas oferecido em vans. Através de um aplicativo, o usuário solicita um transporte e o sistema do Citybus 2.0 vai criando as rotas em tempo real de acordo com os pedidos que chegam. Essa solução melhora eficiência do uso dos veículos, já que reduz o número de viagens com poucos passageiros, e leva para o usuário a comodidade de escolher o ponto de embarque e descida, além do preço mais acessível.

Um sistema assim abre a possibilidade de mais ligações entre bairros atualmente sem linhas diretas de ônibus. O Centro de Porto Alegre concentra um grande número de terminais, para onde várias linhas convergem. Serviços que criam rotas de acordo com a necessidade dos usuários podem levar o passageiro de sua casa direto para seu local de trabalho, sem precisar ir até o Centro para trocar de condução.

Esse é um exemplo de solução sugerida por Adriano Paranaiba. Economista liberal, doutor em Transportes pela Universidade de Brasília (UnB), professor de Economia no Instituto Federal de Goiás (IFG), Adriano atua também como editor-chefe do Periódico Acadêmico do Instituto Mises Brasil e é pesquisador na área de economia dos transportes e mobilidade urbana. Conversou com a Beta Redação, via WhatsApp, para a matéria Transporte público está a beira do colapso econômico. Na entrevista a seguir, ele fala sobre a falta de planejamento das paralisações dos transportes públicos, entre outros pontos.

Beta Redação: A demanda por transporte de passageiros caiu muito neste período de quarentena. Em Porto Alegre, por exemplo, há fontes que registram queda de 50%. Como os gestores podem enfrentar essa situação?

“Não houve um planejamento de como seriam tratados diversos setores que são essenciais, como o transporte coletivo” (Foto: arquivo pessoal)

Adriano Paranaiba: A queda de demanda do transporte público é resultado de uma falta de planejamento na decretação das quarentenas. Isto comprometeu muito, porque não houve um planejamento de como seriam tratados diversos setores que são essenciais, como o transporte coletivo.

Beta Redação: Como solucionar a equação da queda de passageiros, redução do número de linhas, aglomeração nos ônibus — acentuada pela diminuição no número de ônibus rodando devido à necessidade de redução de custos — e valor das passagens?

Adriano Paranaiba: É uma negociação a respeito dos prazos dos contratos de concessão para beneficiar a empresa para ela continuar tendo estímulo de manter o serviço. Existe uma proposta da Associação Nacional de Transporte Urbano de uma criação de um crédito que seria, depois, abatido com as passagens, seria uma antecipação de passagens para garantir receita. O grande problema por trás de tudo isso é um efeito de causa e consequência. Foi decretada quarentena sem uma preocupação com os serviços essenciais que devem ser oferecidos.

Beta Redação: Quais medidas deveriam ter sido tomadas para adequar o transporte urbano à situação de quarentena?

Adriano Paranaiba: Tinha que ter sido feita uma previsão de redução de demanda, uma conversa com as empresas sobre como seriam os pontos de parada, como seriam os terminais. Porque uma coisa que está acontecendo muito é que o pessoal falou ‘Tem que diminuir a frota de ônibus, não pode viajar ninguém em pé, tem que ter espaço entre as cadeiras’, mas para as pessoas entrarem nesse ônibus, vamos dizer, seguro, elas estão se aglomerando nos terminais. Então não houve nenhuma contrapartida de como vamos fazer isso. Se há previsão de redução de demanda, tinha que ser falado: “Nós vamos compensar essa redução como? Vamos prolongar o contrato da concessão? Vamos dar um subsídio?”. Não foi feito nada. Não foi falado nada. Eu sou contra subsídio, mas nem isso foi pensado. É por isso que disse que a quarentena não foi pensado. E tem um outro problema. Existem atividades não essenciais que foram proibidas que atrapalham as atividades essenciais. Em alguns lugares do Brasil, por exemplo, oficina ficou proibida de funcionar. Como é que vai consertar o ônibus, como vai consertar carro se fechou a oficina? Não houve nenhum lugar no Brasil que a gente tivesse um planejamento para a quarentena.

Beta Redação: O sistema de transporte público já vinha enfrentando dificuldade, principalmente a partir da entrada dos aplicativos como Uber e Cabify. O que esse período de quarentena pode trazer como consequência para o sistema de transporte público, uma vez que põe em xeque, mais uma vez, sua eficiência e viabilidade?

Adriano Paranaiba: Uma proposta interessante para solucionar esse problema é ter incentivo ao micro transporte. Várias cidades no mundo já adotam o micro transporte. Uma cidade que está fazendo uma experiência muito interessante é Goiânia, onde tem um serviço chamado Citybus 2.0. Ele faz serviços de micro transportes com ônibus menores, justamente um serviço que atende bem à questão da pandemia. Veículos menores, com menor custo de operacionalização. E durante a pandemia foi estendida sua área. Eles tinham uma área específica de atendimento e essa área foi ampliada porque, justamente, se viu a importância desse serviço. Então poderia se flexibilizar a existência desses micro transportes.

“Uma proposta interessante para solucionar esse problema é ter incentivo ao microtransporte” (Foto: Beta Redação/Thiago Borba)

Beta Redação: Existem alternativas para o modal ônibus+trem+táxis e aplicativos, tanto para substituí-lo quanto para melhorá-lo?

Adriano Paranaiba: Nós temos que entender que estamos no século XXI e vivemos um sistema de transporte que é o mesmo desde o século passado. O formato da construção das linhas, o jeito de se acreditar como funciona a origem e destino, não são mais os mesmos da década de 60 e 70. As pessoas hoje tem uma disponibilidade de viagens, de fatores, muito mais complexos do que só o caminho trabalho-casa, que demandam uma complexidade. A gente poderia estar trabalhando muito mais com a uma maior adoção de aplicativos pois eles conseguem capturar essas informações dispersas das pessoas que usam o sistema. Com isso, nós teríamos uma redução de custos para as empresas de ônibus. Elas não teriam que ficar rodando até meia noite com o ônibus vazio, porque existe dentro das concessões a obrigação da periodicidade, da frequência. Que é uma coisa que gera muito custo e pesa justamente no bolso das pessoas que compram passagem.

Beta Redação: Quais são os principais problemas que causam a ineficiência do transporte público aqui no Brasil, e especialmente em Porto Alegre?

Adriano Paranaiba: Nós trabalhamos ainda com um modelo de concessão de transporte que ainda remete a uma sociedade do século passado. A sociedade moderna é ágil, dinâmica, tem formas diferentes de se relacionar, ou seja, não trabalhamos só com a ideia origem-destino para ter transporte. Os aplicativos têm a potencialidade de capturar isso. E temos que levar esses aplicativos, essas tecnologias, para o transporte de massa também, para que ele se torne mais inteligentes. Não é para acabar com o transporte coletivo e ter só Uber e aplicativo. Não. Nós temos que pegar o ganho dessas tecnologias e levar para os nossos transportes de massa, que aí a gente consegue integrar muito bem a questão de trem, de metrô, de ônibus, de Uber. Imagina a gente poder fazer uma integração inteligente disso. Melhoraria até a questão tarifária para o setor de transporte, e melhoraríamos a oferta.

Beta Redação: Em um vídeo no seu canal no Youtube, o senhor comenta que o planejamento das cidades feito pelas prefeituras acaba fazendo com que elas cresçam muito para regiões afastadas do centro, e que isto seria uma má administração do espaço. Além disso, ajuda a aumentar a necessidade de transporte de passageiros. Poderia me explicar como isso ocorre?

Adriano Paranaiba: Esse problema se dá porque quem faz o planejamento de uso do solo é diferente do setor da prefeitura que faz o planejamento do transporte público. Se você faz um planejamento que aumente, e Porto Alegre tem um problema muito grande de o uso do solo porque proíbe prédios muito altos, você vai fazer uma cidade que vai acabar tendo mais superfície, ela vai espraiando, que é o termo que a gente chama em mobilidade e urbanismo. Você vai fazendo com que os bairros tenham que ficar cada vez mais distantes do Centro, porque para novas habitações não pode ter um adensamento no caso da construção de prédios altos. Isso faz com que o custo operacional da linha de transporte aumente também. Porque há um compromisso do contrato de oferecer um serviço público. Existe esse problema, o contrato não é para uma determinada linha, o contrato é para oferecer o transporte para a cidade, então se a cidade aumenta, o contrato vai mudando, o contrato vai tendo que se adaptar. Na verdade, a empresa tem que se adaptar às exigências do contrato, então ela vai cada vez fazendo linhas maiores, e isso traz mais custo.

Beta Redação: Por outro lado, concentrar demais a cidade em uma pequena região não criaria um ambiente “claustrofóbico”, uma vez que estaríamos cercados por edificações muito altas?

Adriano Paranaiba: Não existe esse negócio de claustrofóbico. Nas metrópoles, você pode muito bem liberar o uso do solo para prédios mais altos e ainda manter o recuo, mesmo eu sendo contra. Sou contra essa questão de manutenção de recuo, mas o recuo poderia manter um pouco a distância dos prédios. Não ia criar essa questão claustrofóbica, muito pelo contrário. Ela ia deixar as pessoas mais próximas do centro, você ia trazer as pessoas mais pobres mais para próximo do centro. Isso faria com que o custo de transporte, o custo de vida melhorasse muito. Essa questão de ser claustrofóbica, então as pessoa não pode morar dentro de uma casa porque dentro da casa você vai sofrer de claustrofobia, não pode ter telhado, não pode ter parede na casa. É uma discussão abjeta essa de achar que não pode fazer prédio alto muito próximo porque vai ter um problema claustrofóbico, não vai ver o sol. Cidades como São Francisco, Manhattan e a própria cidade de Goiânia têm uma liberação de uso do solo, e você tem prédios construídos e as pessoas estão cada vez mais comprando apartamentos desses prédios mais altos. Eles são bem valorizados, as pessoas os buscam justamente porque têm o benefício de estarem mais próximos do centro, mais próximo do trabalho e da redução do custo de transporte.

Beta Redação: Para aqueles que precisam duas, três, algumas vezes mais conduções para chegarem aos seus destinos, há alguma perspectiva de melhoria?

Adriano Paranaiba: A melhoria é você realmente trazer as pessoas para mais próximo. Não adianta falar que a gente vai fazer mais metrô, vai fazer trem, porque o custo operacional disso, o tempo gasto, ainda continua. A gente tinha que trazer as pessoas, acabar com a periferia trazendo as pessoas para dentro da cidade. Isso vai dar mais dignidade ao cidadão, dar mais condições de vida, mais opções de trabalho para as pessoas. Essa questão de querer resolver uma coisa sem resolver a outra, querer resolver transportes sem resolver o que causa o problema do transporte, nós vamos continuar patinando nos problemas que nós temos até hoje.

Beta Redação: Quando observamos os ambientes das startups podemos constatar que existem parcerias entre algumas dessas empresas a fim de combinar seus produtos/serviços para criar uma solução melhor para o mercado. Essa prática pode ser aplicada para o transporte público também?

Adriano Paranaiba: Esse tipo de solução tem tudo a ver com transporte. O transporte precisa de parcerias com as startups para oferecer mais serviço. Mas principalmente antes de oferecer mais serviço, melhorar a inteligência do serviço que eles oferecem. E outra, é fazer a combinação de outros serviços, para que a empresa não dependa exclusivamente da tarifa, porque é isso que deixa o transporte público caro, você jogar na conta da tarifa do consumidor, do usuário, todo o custo de construção e de operação. Então não adianta nada a gente fazer um grande metrô, uma grande infraestrutura de transporte, se isso vai ficar extremamente caro para o usuário, que muitas vezes são as pessoas mais pobres que precisam desse transporte de massa. Porque as pessoas que têm melhores condições compram seu carro e não têm uma demanda pelo transporte público.

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