Estiagem diminui produtividade, mas eleva o preço das frutas cítricas no RS

Safra de 2020 foi bastante afetada pela falta de chuvas. Expectativa dos citricultores é boa para este ano, e extensionista projeta colheita de 404.433 toneladas no estado

Mateus Friedrich
Redação Beta
7 min readJun 23, 2021

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Redução da produção, causada pela estiagem, elevou o preço médio das frutas cítricas no último ano. (Foto: Mateus Friedrich / Beta Redação)

Sustento de milhares de famílias gaúchas, o citros (grupo de frutas cítricas) depende de inúmeros fatores para render uma boa safra. Em 2020, a estiagem que se arrastou por vários meses do verão afetou a qualidade das frutas. A falta de chuvas do ano passado deve ter impacto também na colheita deste ano, assim como a pandemia do novo coronavírus (que proporcionou inflação considerável nos custos de produção). Apesar disso, a expectativa dos citricultores é boa para os próximos meses.

De acordo com um levantamento realizado pela Emater no último ano, a região do Vale do Caí — onde 13 municípios têm a produção de bergamotas para fins comerciais — possui 2.196 famílias que se dedicam a esta produção, predominantemente em Montenegro. O extensionista da Emater/RS-Ascar, Marcos Schäfer, frisa que a previsão inicial era colher 109 mil toneladas de bergamotas em 2020. Porém, em decorrência da estiagem, as perdas foram de até 50% da produção nas bergamotas de ciclo precoce e normal.

Extensionista Marcos Schäfer estima a produção de 404.433 toneladas de citros no Rio Grande do Sul este ano. (Foto: Arquivo Pessoal / Marcos Schäfer)

Em relação às variedades de bergamotas de ciclo médio e tardio, que normalmente são mais valorizadas no mercado, Schäfer calcula que as perdas chegaram a 30% no último ano, com pequena variação de município para município, em função da má distribuição de chuvas no período. “No total, a safra de bergamotas, que estava estimada em 109 mil toneladas, foi reduzida para aproximadamente 71 mil toneladas no Vale do Caí”, pontua o extensionista.

De acordo com Schäfer, a laranja é produzida nos 20 municípios do Vale do Caí, por 1.373 famílias de agricultores. A produção inicial, segundo ele, foi estimada em 55.434 toneladas no início da safra de 2020. Com a falta de chuvas, as perdas chegaram perto de 20%. Em resumo, a safra colhida, de fato, foi de aproximadamente 47.118 toneladas.

Já a lima ácida tahiti, também conhecida como “limãozinho verde da caipirinha”, é produzida por 398 famílias de agricultores em 16 municípios da região do Vale do Caí. A estimativa inicial, segundo Marcos Schäfer, era colher 10.825 toneladas da fruta. Porém, a redução da safra chegou a 30%, resultando em 7.577 toneladas colhidas. Para este ano, o extensionista projeta produção normal no Vale do Caí, na Serra e na metade Sul do estado, e redução de safra em torno de 30% nas regiões de Frederico Westphalen e Erechim. “Isso significa que, se confirmar essas perdas, produziremos em torno de 404.433 toneladas de citros em todo o estado em 2021”, acrescenta.

Os preços variam bastante durante o ano. Como as condições climáticas afetaram diretamente a colheita em 2020, o valor das frutas aumentou consideravelmente do início da safra até o final. A bergamota montenegrina, por exemplo, uma das mais conhecidas do Vale do Caí: no início da safra passada, no começo de julho, o preço do kg da fruta estava estipulado em R$ 1,50 de acordo com dados da Ceasa; no dia 17 de novembro de 2020, o quilo da bergamota montenegrina chegou a R$ 3,67.

“A variação dos preços também ocorre em função do calibre [tamanho] da fruta vendida, que é muito variável dependendo o mercado, além da variação pela quantidade ofertada pelos citricultores em determinada região. Neste ano, a tendência é que no início da safra seja um preço bem alto, próximo ao do ano passado, mas com o avanço da colheita vai baixando, porque o ano é de safra cheia (quando não há intempéries que reduzem a produtividade, como estiagem, granizo e geada tardia)”, explica Schäfer.

Falta de chuvas do verão de 2020 prejudicou consideravelmente a produção no Vale do Caí. (Foto: Mateus Friedrich / Beta Redação)

Produtor de laranja projeta queda de 25% na produção deste ano

Morador da localidade de Esperança, em Maratá, município vizinho de Montenegro, no Vale do Caí, Airton Ziech foi um dos milhares de agricultores prejudicados pela falta de chuvas na safra passada. Apesar disso, a avaliação do produtor de laranja é positiva, tendo em vista que o preço das frutas subiu. “Foi melhor que em 2019, o valor subiu bastante em 2020. Mas a produção caiu consideravelmente de dois anos para cá, por causa das estiagens. Teve fruta que não pegou o tamanho ideal, outras pegaram fora de época. A seca interferiu mais na fruta, no pé nem tanto”, explica.

Otimista com a safra deste ano, Airton faz um comparativo com 2020 e lembra que nessa época do ano passado ainda havia estiagem. “Começou a chover antes este ano e agora os pés de laranja estão bem verdes. Acredito que vai dar uma florada boa”, destaca o produtor.

O marataense observa que, além da queda de produção das frutas, outro fator contribuiu para a subida dos preços dos citros: o aumento do consumo, tanto do suco quanto da fruta in natura. “Devido à pandemia, o suco e a fruta foram muito mais comercializados que em anos anteriores”, diz.

Em 2020, Airton colheu 25% a menos de laranja em relação a 2019. Ele estima que neste ano a colheita também seja 25% inferior à do ano passado. “As chuvas irregulares causaram muitos problemas de floração. Tenho pé de laranja que tem quatro tipos de laranja. Esperamos recuperar a produção nos próximos anos, porque o pé estava pronto, só faltou a chuva”, finaliza.

Citricultor sente impacto da pandemia nas vendas de 2021

Janquiel Ulrich está preocupado com a alta significativa dos custos de produção neste ano. (Foto: Mateus Friedrich / Beta Redação)

Os agricultores do Vale do Caí sofreram com a estiagem na produção do citros em 2020. Contudo, a diminuição na produtividade das frutas resultou no aumento dos preços durante a safra. Natural de Lajeadinho, localidade situada no interior de Montenegro, o citricultor Janquiel Ulrich está no ramo desde pequeno — quando ajudava os familiares — e vem percebendo uma situação oposta neste ano em comparação com 2020.

“No último ano, tivemos mais problemas na produção da bergamota precoce devido à falta de chuva, mas os preços foram bons e as vendas também. Fomos prejudicados no início pela seca, e não pela pandemia. Já em 2021 tem sido o inverso. Não tivemos problemas com a falta de chuva, mas as vendas estão menores, assim como os preços. Sentimos que a pandemia está, de certa forma, prejudicando as vendas neste ano devido ao enfraquecimento da economia”, compara.

Além da estiagem e da pandemia, o produtor cita a maior oferta de outras frutas — em relação a preços e faturamento — como um dos fatores que “desvalorizaram” a bergamota nos últimos meses. “Caqui e maçã são as principais, além de mamão e banana. Os preços da bergamota no mercado caíram aproximadamente 45% em 2021”, relata.

Outra questão que vem preocupando Janquiel em 2021 é a alta significativa dos custos de produção. “Insumos, como adubos, inflacionaram mais de 50%. O diesel subiu bastante este ano, assim como a luz e a manutenção das máquinas agrícolas. Tudo isso impacta muito nas receitas dos produtores”, lamenta.

Apesar de a estiagem comprometer parte da produção em 2020, principalmente em relação ao calibre dos frutos, o citricultor colheu 260 toneladas de bergamotas no último ano. Ele lembra que os preços foram em torno de 40% maiores que em 2019. “No ano retrasado, o valor médio do quilo da bergamota montenegrina girava em torno de R$ 1,50. Já em 2020, o preço médio subiu para aproximadamente R$ 2,20. Neste ano, a tendência é que os preços sejam menores novamente”, projeta.

“Teremos frutas de alta qualidade, vamos trabalhar para valorizá-las”, diz agricultora

O citros foi valorizado nos últimos 12 meses, seja bergamota, laranja ou limão. Da mesma forma que comprometeu a produção, a estiagem também foi benéfica para os produtores, já que elevou o valor das frutas cítricas. Assim como a pandemia, que deixou os custos de produção mais “salgados” para os agricultores, mas também teve impacto no mercado, com o maior consumo de suco e fruta in natura.

Os agricultores Elisandra Kehl e Everton Kehl estão com boas expectativas para a safra 2021. (Foto: Arquivo Pessoal / Elisandra Kehl)

Entre prós e contras, a agricultora Elisandra Kehl, atual presidente da Associação da Citricultura do Vale do Caí, está com boas expectativas para a safra 2021. “Apesar do preço não estar tão bom ainda, acredito que até a entrada da bergamota montenegrina podemos ter uma melhora nos valores. Teremos frutas de alta qualidade, então vamos trabalhar para valorizá-las”, assegura.

Elisandra explica que a colheita da bergamota montenegrina começa no mês de junho e se estende até outubro. Neste ano, ela espera que o citros na região do Vale do Caí ganhe ainda mais relevância, a partir da grife AmeCitrus, que será lançada em breve. “É o que a nossa região precisava para marcar o mercado da citricultura em todo país. A AmeCitrus nasceu de um projeto do Sebrae em conjunto com 90 produtores, a fim de qualificar e produzir frutas com excelência”, exalta a agricultora.

O projeto também visa dar maior oportunidade para os produtores realizarem vendas em mercados conceituados, mostrando a força da agricultura familiar. “A produção irá respeitar a carência dos defensivos agrícolas e também o meio ambiente”, completa a presidente da Associação da Citricultura do Vale do Caí.

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