Eu conheço o Roque do Centro

Na segunda matéria da série “Vidas da Rua”, a Beta Redação recupera histórias sobre a personalidade mais famosa de Canoas: Roque Augusto Monteiro Farias

João Rosa
Redação Beta
14 min readApr 16, 2019

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Passavam das quatro horas daquela tarde de 11 de abril de 2019. Mesmo com o céu anunciando que, em poucos minutos, cairia uma pancada de chuva, decidi pedalar pelas ruas do bairro Harmonia, em Canoas, em busca do paradeiro de uma das personalidades mais icônicas do município. Após quase 30 minutos de trajeto, me deparo com o Roque sentado em uma poltrona situada próxima às grades de uma residência. Vestia uma camiseta azul desbotada com o emblema do Superman no peito. Foi nesse momento que começaram os primeiros pingos de chuva.

O ex-morador de rua do centro da cidade estava abrigado na Associação Canoense de Auxílio a Doentes e Deficientes Mentais (Acaddem). Perguntei se o responsável pela administração da associação estava no local, pois precisava que alguém autorizasse minha entrada para conversar com o Roque. Uma das funcionárias esticou o braço e apontou que, “quem cuida” do espaço, estava a três quadras acima daquela rua. Antes de subir novamente na bicicleta e me dirigir à sede administrativa, observo atentamente uma das personalidades mais famosas do município da Região Metropolitana de Porto Alegre. Repentinamente, a chuva apertou.

Roque e a aparência que teve por mais de duas décadas enquanto morou nas ruas de Canoas. (Foto: YouTube/Reprodução)

Pedalei abaixo de chuva por cerca de 300 metros até chegar ao número 32 da rua Angelina Gonçalves. “O responsável pela associação se encontra?”, pergunto para uma senhora que baldeava o pátio. “Ele deu uma saída. Vá até a casa dele, ali na esquina, naquele sobrado de madeira”, me responde desconfiada, apesar de simpática. A chuva forte já era uma realidade junto à companhia de ventos fortes.

Com dificuldades, cheguei em frente à casa de dois pisos e me abriguei em um orelhão. Bati palmas e nada. Após 15 minutos de chuva ininterrupta e sem previsão do tempo virar, resolvo utilizar o aplicativo da Uber para retornar para casa, mesmo sabendo que o homem que tanto queria conversar estava a poucos metros de mim. A chuva atrapalhou essa primeira aproximação.

“Ele tinha até uma comunidade no Orkut”

Coloquei minha bike dobrável no porta-malas do carro do Marcos Neumann, 39, motorista que me levou de volta para casa naquele fim de tarde chuvoso. Curiosamente, ele conhece Roque há anos, mais precisamente desde a época em que estudava na Escola Estadual de Ensino Médio André Leão Puente, em Canoas. Isso lá por 1997. Enquanto dirigia, relembrou histórias que ouviu referente à vida do nosso personagem. “Os boatos são que ele era professor de matemática e enlouqueceu depois de uns anos”, comenta o condutor gesticulando bastante. Neumann recorda também que Roque sempre pedinchou por cigarros. “Depois de me pedir cigarros, ele acendia o primeiro. Já o segundo, dizia que era pra depois”, relata rindo. E ainda acrescentou: “ele tem uma inteligência fenomenal”.

A página “Canoas Mil Grau” produziu vários memes inspirados no “mito” canoense. (Foto: Facebook/Reprodução)

Ao ser questionado se sabia que o personagem era motivo de memes na internet, além de frequentemente ser mencionado na “Canoas Mil Grau”, página do Facebook com mais de 170 mil curtidas, imediatamente o motorista dispara: “O Roque tinha até comunidade no Orkut chamada Eu conheço o Roque do Centro, reunindo milhares de membros”, lembra enquanto tocava Shiny Happy People, do R.E.M., no rádio do carro. Neumann também relata um pouco mais sobre a história de Roque no áudio a seguir.

Fim da viagem. Agradeci Neumann por compartilhar as histórias e também pela ótima playlist. A chuva enfim tinha parado. No entanto, eu estava ensopado.

Infinitas versões

No dia seguinte, sexta-feira, 12 de abril, fui até a antiga morada de Roque: o centro de Canoas. Por lá, muitos sabem e lembram da existência daquele homem que vivia sujo, barbudo e com cabelos compridos. Cristiano Ribeiro, 42, há duas décadas taxista do ponto em frente à Prefeitura, comenta que Roque sofria bullying quando vivia nas ruas.

Sobre a suposta profissão de Roque, o taxista relembra dos boatos de que ele lecionava. “Ele era professor de Estudos Sociais, apesar de ser esquizofrênico”, argumenta. Cristiano recorda que conversava com o ex-morador de rua e que ele o respondia, com naturalidade, principalmente quando a questão em debate dizia respeito a uma equação matemática. “Ele sempre me respondia tudo, até os cálculos mais difíceis”, enfatiza.

Seguindo em direção à Avenida Victor Barreto, chego no conhecido Café Imperial, localizado ao lado do chamado “Paradão” de ônibus do Centro. Ao entrar no estabelecimento, pergunto se alguém ali conhece o Roque e sou direcionado para Marcos Zambiazi, 35. Trabalhando há 16 anos no local, ele rememora, em poucos segundos, dos momentos em que Roque ficava parado na entrada do café. “Todos os dias, pela manhã, ele esperava por um copo de café com leite e um pão com manteiga. Era sagrado!”. O comerciante também acrescenta: “se não alcançasse rápido, ele entrava na lancheria”. Assim como o motorista de táxi, Marcos afirma que Roque tem problemas mentais e que atuou como professor na escola La Salle, em Canoas.

Ao deixar o Café Imperial, vou ao encontro da vendedora de mercadorias Terezinha Damaceno, 50, que há 26 anos ocupa as vias públicas da região central da cidade. Questionada se conhece alguma história sobre o Roque, ela imediatamente lembra da época em que pedia as respostas das cruzadinhas para ele. “Eu perguntava algo e ele respondia prontamente”, relata ao reafirmar que Roque era, de fato, professor de matemática, além de fumante assíduo. “Fumava um cigarro atrás do outro, bem assim”, imita a mulher juntando o dedo polegar com o indicador e levando-os em direção à boca rapidamente para frente a para trás.

Roque estava sempre descalço no período em que viveu como morador em situação de rua, inclusive no inverno. (Foto: Facebook/Reprodução)

Ele tinha um medo de cobra, que nossa…”

Há 30 anos, Enio Viegas, 69, atua como chaveiro no centro de Canoas. Entretanto, não vê Roque há tempos. Na última vez que o viu, ele estava bem vestido e até “engravatado”. Enquanto confeccionava uma chave em sua máquina, Enio dispara: “ele era filho de gente bem rica e tinha até faculdade, porque quando perguntavam a capital de algum país do mundo, ele sempre respondia”, recorda.

Já Jorge Sandro Brangel, 60, há 14 anos dono da Lancheria Passarela, ao lado do Centro de Formação de Condutores São Francisco, confessa que sente saudades do Roque. “Era meu amigão. Eu gostava muito dele, de verdade. Ele me cativava”, comenta Jorge com muito carinho. O comerciante também conta que não conseguia ficar bravo com Roque, mesmo quando fazia suas necessidades pessoais em frente ao bar. “Ele dormia em diversos pontos do centro e, para fazer as necessidades, não tinha lugar”, assinala Brangel, ao recordar que Roque tinha a preferência de se aliviar em frente a uma livraria evangélica que fica ao lado do seu estabelecimento.

Em determinadas ocasiões, o proprietário pegava uma cobra de brinquedo e assustava Roque para que ele não fizesse sujeira na fachada da lancheria, relembra com bom humor e saudosismo. “Ele tinha um medo de cobra que nossa… Não conseguia ficar bravo… logo eu já mandava ele fazer uma conta que eu não sabia e tava tudo certo. Ele era incrível!”. O comerciante finaliza dizendo que o amigo fazia questão de comprar cigarros avulsos com os trocados que ganhava nas ruas.

Assim como Roque viveu por muitos anos, estima-se que outras 100 mil pessoas se encontrem em situação de rua no Brasil, segundo pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). O estudo aponta também que os grandes municípios abrigam a maior parte dessa população. Das 101.854 pessoas em situação de rua registradas em 2015, 77,2% habitavam cidades com mais de 100 mil pessoas.

Após conversar com diversas pessoas e perguntar a elas o que sabem sobre a vida de Roque, retorno à Acaddem, local onde, atualmente, ele vive. A intenção agora é saber, realmente, a respeito do passado da lenda que todo canoense conhece — mas não sabe quem é.

Roque Augusto Monteiro Farias

Em meio ao trajeto até a associação, vem à tona a minha versão sobre aquele canoense que, por muitos anos, observei largado nas ruas. Contudo, após ouvir relatos, ainda pouco sabia sobre o homem que, cerca de 20 anos atrás, era barbudo e tinha os pés sempre escuros de sujeira.

Depois de chegar à Acaddem, sou levado até o presidente Júlio César da Rosa, 52, que desta vez se encontrava no local. O espaço onde Roque vive hoje compreende seis casas no loteamento Porto Belo, no bairro Harmonia, localizado no distrito noroeste de Canoas. Além disso, a associação foi criada a partir da Reforma Psiquiátrica — iniciativa que tem como base a elaboração de um novo estatuto social para o indivíduo em sofrimento psíquico, segundo informações do Ministério da Saúde.

Moradores da associação receberam o time de Vôlei Canoas em 2015. (Foto: Paulo Pires/Diário de Canoas)

O objetivo do local, desde 2011, é atender pessoas com transtornos mentais graves, egressas de hospitais psiquiátricos. Em especial, pessoas que perderam vínculos familiares e sociais ou moradores em situação de rua com transtornos mentais severos que, quando inseridos em projetos terapêuticos, são acompanhados por profissionais de Centros de Atenção Psicossocial (CAPS). “Não somos nós que dizemos quem vem ou quem não vem; quem faz isso são os CAPS e a Diretoria de Saúde Mental de Canoas. Nós apenas recebemos as pessoas e preparamos elas para uma futura reinserção na sociedade”, revela Júlio.

Após explicar as atribuições da associação, o presidente da Acaddem e também curador de Roque, lê a ficha do homem e descreve que o ex-morador em situação de rua deu entrada na associação há oito anos. Nascido em Porto Alegre, no dia 5 de março de 1963, Roque Augusto Monteiro Farias, diagnosticado com esquizofrenia, é filho de Tereza Monteiro Farias, falecida em meados dos anos de 1990.

Conforme o artigo Esquizofrenia: um dos Mistérios da Mente, publicado pelo Hospital Albert Einstein, em 2009, 1% da população mundial tem esquizofrenia. No Brasil, o distúrbio afeta mais de 2,5 milhões de indivíduos, que apresentam algum transtorno mental em alguma fase da vida e podem precisar da atenção de um hospital psiquiátrico.

Segundo informações de Júlio César, à época em que Roque deu entrada na Acaddem nosso personagem morava com a mãe na rua Maia Filho, próxima à localidade onde hoje vive. “Um conhecido do Roque me contou que, depois que a sua mãe morreu, ele ficou com o corpo dela dentro de casa por uns três dias”, relata. O presidente da associação ainda acrescenta que Roque ganhava comida de uma vizinha logo após o falecimento de Terezinha, até que começou a morar no centro de Canoas.

Agradeci as informações, agendei encontro para o dia seguinte e me despedi.

“Ele começou a ficar ruim da cabeça de tanto estudar, disse a mãe dele”

Após fazer uma busca no Facebook, encontro uma postagem com mais de 3 mil compartilhamentos e 590 comentários feita por João Silva, em 8 de maio de 2012. Com cerca de 2,6 mil curtidas, o post traz opiniões a respeito de Roque. Rolando as mensagens, chego no comentário de Leandro Pazzeto, 51. Após conseguir contato, Leandro declara que conhece Roque “desde os tempos de escola”, isso há mais de quatro décadas.

Leandro conviveu com Roque, mas sente por não ter ajudado. (Foto: Reprodução Facebook)

Ele refere-se à Escola de Ensino Fundamental ULBRA Paz, localizada na rua Jacob Longoni, número 10, no bairro Estância Velha, distrito nordeste de Canoas, mesma região na qual morava a família de Roque no início dos anos 1970, segundo relata. Leandro também comentou que ficou anos sem saber do paradeiro de Roque, até encontrar ele “sujo e maltrapilho” no Centro.

Através de mensagens via áudio do WhatsApp, ele compartilha o contato da mãe, Gleci Carvalho Figueiró. De acordo com Leandro, ela passaria informações mais detalhadas, afinal, conheceu e conviveu com a família de Roque.

Entro em contato por telefone com Dona Gleci, 71. Moradora da Estância, ela afirma que conhece Roque desde os 14 anos. Roque e o seu filho Leandro estudaram juntos no colégio da Ulbra. Segundo ela, Roque começou a apresentar problemas mentais assim que começou a cursar “Direito na Unisinos”, em São Leopoldo. De acordo com Gleci, ele é filho único e morou na rua Santos Ferreira, na altura da Estância Velha, com a mãe e com a avó. “A história dele é que ficou ruim da cabeça de tanto estudar e começou a esquecer as coisas”, expõe no áudio a seguir.

“Ele lia com eloquência”

Após entrar em contato com a Unisinos e, até mesmo com a La Salle, universidades que supostamente receberam Roque como aluno, conforme Dona Gleci e outras fontes, descubro que o cadastro dele em ambas as instituições de ensino não existe, diferentemente do colégio da Ulbra. Na escola, o nome do homem aparece em registros na quarta série no ano de 1974 e 1975. Gleci ainda relembra que Roque “era um guri muito bom, querido e educado” e que “gostava muito dele”.

Voltando a visualizar as centenas de comentários a respeito do personagem, chego no relato do vereador de Canoas, Emilio Millan Neto (PT), que o conheceu na juventude e na fase adulta. O parlamentar elogiou sua mãe, Terezinha, e a avó, Dona Gasparina Lemos, e disse que o homem “lia com eloquência” estudos voltados à religião adventista e frequentava semanalmente a Igreja Adventista do Sétimo Dia, localizada na rua São Joaquim, 127.

A postagem, feita há sete anos, até hoje é comentada e compartilhada. (Foto: Facebook/Reprodução)

Emilio revela que a avó de Roque era filha de militar e tinha uma casinha de madeira numa grande chácara com muitos pés de abacate. Sobre a mãe de Roque, o vereador comenta que também apresentava alguns “distúrbios”, mas nada parecido com os de Roque. “Ele era muito avião, pois estudava muito a Bíblia e sempre se destacava em relação aos outros estudantes… tinha as respostas na ponta da língua”, recorda. “O meu sogro conheceu Roque desde o berço. Vou te passar o número dele”, diz.

“O início da vida dele foi perfeito”

“Alô, o senhor Jardelino de Oliveira, por gentileza”, solicito. “É ele mesmo”, responde o senhor de 71 anos. “Era um guri muito inteligente e se sobressaia em relação aos outros, mas foi crescendo e as coisas foram mudando”, recorda ao ser indagado sobre a trajetória de Roque. “Ele via uma mulher seminua na televisão e surtava… ia para o quarto e fazia a maior algazarra”, comenta o senhor, pausadamente, por telefone.

“O início da vida dele foi perfeito”, menciona o senhor dizendo também que Roque tinha muito afeto da Dona Gasparina e dos vizinhos. Com o passar dos anos, acabou se tornando agressivo e teve de deixar de morar com a avó, pois certa vez “atirou uma xícara” na senhorinha, que acabou tendo o rosto cortado. A partir daí foi morar com a mãe no bairro Guajuviras e, logo depois, passou a morar na rua. “A gente tinha muita pena dele, até quando xingávamos após esses atos violentos”, finaliza o senhor.

Me despeço e decido que no dia seguinte vou ouvir a versão do próprio Roque Augusto Monteiro Farias sobre sua vida.

“Ele faz questão de tomar banho”

O forte sol de sábado deixava a tarde mais clara que o comum, quando novamente peguei minha bicicleta e parti em direção ao Porto Belo, rumo à casa em que Roque reside há oito anos. Após pedalarmos alguns quilômetros, eu e o fotógrafo Deivid Duarte chegamos à sua atual residência. Lá estava Roque, com os pés limpos e esticado num sofá de dois lugares que não o comportava devido ao tamanho de ambos.

O ex-morador de rua leva uma vida muito diferente daquela que vivenciou no Centro de Canoas. (Foto: Deivid Duarte/Beta Redação)

Nos deparamos com uma pessoa com cerca de 1,80 metros de altura, mas agora com cabelo, barba e unhas aparadas, além de roupas limpas e um tom de pele até mais claro devido à higiene diária. Um visual totalmente diferente daquele que todo cidadão de Canoas conhece. Ele se levanta, meio que por obrigação, e vem nos cumprimentar, depois que o coordenador Dalvi Rocha, 50, o chama.

“Oi, tudo bem, Roque?”, saúdo.

“Oi, tudo bééém!”, repete e dispara em um tom de voz duas vezes mais alto.

Ele senta ao meu lado. Cruzando e descruzando as pernas a todo instante e bufando a cada minuto, ele intercala esse movimento com uma espécie de soluço. Ao observar a lenda canoense de perfil, noto a grande quantidade de pelos saindo das orelhas e penso que talvez este seja um dos motivos para ele falar tão alto — ou não.

Roque cruzando e alternando as pernas a cada segundo, além de bufar. (Gif: João Rosa/Beta Redação)

“Te tratam bem aqui?”

“Tratam, tá?”

“O que tu gosta de fazer?”

“Naaada, naaada!”

“Só fica pegando um solzinho?”

“Só no sol.”

“Qual comida tu mais gosta?”

“Não sei!”

“Tu lembra um pouco do teu passado?”

“Lembro, lembro, lembro…”

“Onde tu morava antes?”

“Na Estância Velha. Morei bastante tempo.”

“Onde tu estudou?”

“Na Ulbra.”

“Quanto tempo?”

“Três ou quatro anos, eu acho.”

“Tão pouco tempo, assim?”

“Mais, sete ou oito.”

“Tu gostava de estudar lá?”

“Gostava.”

“Tinha amigos?”

“Parece que tinha.”

“Quais matérias tu mais gosta: matemática, geografia ou estudos sociais?”

“História!”

“Gostava desta?”

“Fala com eles, tá?”

“Mas eu quero falar contigo.”

“Faaaala com eeeeles!”, responde gritando fazendo menção aos restantes dos moradores que escutavam a conversa na volta.

Roque começa a apresentar sinais de irritação e não consegue desenvolver a conversa, o que não surpreendo, considerando que Júlio alertara sobre essa possibilidade antes mesmo do encontro. O presidente comenta que, vez ou outra, costuma passear com Roque no Centro e que o leva até o Café Imperial. Lá ele toma o mesmo café com leite e come o mesmo pão com manteiga que sempre pedia. “As pessoas ficam cochichando se ele é o Roque mesmo e eu digo que sim”, enfatiza.

“Tu sabe bastante sobre as capitais, não é, Roque?”, pergunta o curador. Ele responde em sua própria voz no áudio a seguir as capitais de alguns países, mas erra (surpreendentemente) a raiz quadrada de 144.

Digo que o “pessoal do Café Imperial mandou um abraço” para ele. Porém, Roque dispara com um “nada me interessa, tá?”. Percebo que quando falo do Centro, ele parece reprovar o período em que viveu nas ruas. Afinal, ele não sabia o que era banho e sequer tinha uma cama limpa para dormir. “Não gosta mais do Centro?”, insisto. Ele responde com um simples “não”. Futebol também não é algo que chama atenção dele. “Não sei”, quando pergunto se gosta do esporte ou se é colorado ou gremista. Já música ele responde com um singelo “gosto”.

A cama onde Roque passa as noites e tem uma vida digna há oito anos. (Foto: Deivid Duarte/Beta Redação)

Antes do café da tarde, o Dalvi solta: “Vamos emagrecer um pouco?”, pergunta encostando a mão na barriga de Roque. “NÃO!”, grita. O coordenador comenta que Roque faz diariamente as quatro refeições e “come bastante”, o que, inclusive, o preocupa, pois ele “está ganhando muito peso” e leva uma vida sedentária. “Sempre acorda em torno de 7h e dorme lá pelas 20h”, relata.

Se nas ruas Roque ficava meses sem banho (se lavava apenas quando o Serviço Social da Prefeitura o recolhia temporariamente), na Acaddem, que tem como principal papel reinserir cidadãos à sociedade, “ele faz questão de tomar banho todo santo dia”, revela Dalvi. Além disso, Roque se barbeia a cada três dias e "toma pouco remédio", finaliza.

Roque se alimenta muito bem e está, até, acima do peso. (Foto: Deivid Duarte/Beta Redação)

Hoje, Roque não fuma, tem uma cama, pede para tomar banho diariamente, toma café da manhã, almoça, toma o lanche da tarde e enche a barriga no jantar. Ao contrário de que muitos acham, o mais famoso cidadão canoense nunca deu aula na vida e não tem família rica, tampouco foi traído por uma esposa que nunca existiu. O “mito”, como é chamado carinhosamente pela população, vive de forma digna, há oito anos, longe das ruas.

Agora eu posso dizer que eu conheço o Roque do Centro.

Roque Augusto Monteiro Farias é conhecido como o personagem mais famoso de Canoas. (Foto: Deivid Duarte/Beta Redação)

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João Rosa
Redação Beta

Jornalista, produtor de eventos e apaixonado por cinema, Copa do Mundo e Rolling Stones.