Falando sobre a representatividade negra nas artes

Atividade Paralela da Bienal Black Art foi marcada por troca de experiências

Maria Júlia Pozzobon
Redação Beta
4 min readDec 3, 2019

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As artistas presentes na atividade. (Foto: Maria Júlia Pozzobon/Beta Redação)

Ocorre até o dia 30 de janeiro de 2020 a 1ª Bienal Black Brazil Art, com edições em Porto Alegre, Florianópolis e Curitiba. Na última sexta-feira, dia 29 de novembro, uma atividade paralela dedicou-se a falar sobre as mulheres negras nas artes, no Museu da Comunicação, em Porto Alegre. A mesa “A arte negra é apenas para o público negro” foi mediada por Malena Mendes, graduada em História da Arte pela UFRGS, e entre as convidadas estavam as artistas Izis Abreu, Aline Gonçales e Mayara Mendes.

Apesar do pequeno público, a conversa foi marcada por trocas de ideias e vivência das artistas. Malena Mendes, que trabalha na Pinacoteca Ruben Berta, contou que recebe poucas crianças negras na visitas de escolas particulares. Certa vez, uma criança negra ficou impactada com a presença dela ali no museu. “Logo que ela me viu, perguntou se eu trabalhava no museu. Quando afirmei que sim, ela me olhou e disse ‘quando crescer quero ser igual a tu””, contou. Malena afirmou que são esses tipos de atitude que fazem com que ela não desista da caminhada contra o preconceito. “Apesar de termos dias difíceis, sei que somos exemplos para outras pessoas, por isso não podemos desistir”, destacou.

Quando a roda de conversa foi aberta para as artistas, Mayara Gomes foi a primeira relatar sua experiência. Ela é formanda em licenciatura em Artes Visuais pela Universidade de Ponta Grossa, no Paraná, e também relatou uma experiência que teve com crianças. A estudante estava realizando um estágio em uma exposição, que tinha obras de artistas negras, e em um certo dia, recebeu alunos de uma escola periférica, na qual 80% dos alunos eram negros, entre 6 e 7 anos de idade.

Mayara Mendes em momento de sua apresentação (Foto: Maria Júlia Pozzobon/Beta Redação)

Mayara contou que quando as crianças entram na exposição, ela realiza uma atividade educativa falando sobre princesas. “Quando abri o livro e mostrei para eles uma princesa negra, uma menina que estava no meu lado, também negra, falou na hora que aquela princesa era feia. Isso me causou um choque”, contou. Questionando as demais crianças do porquê a princesa negra era feia, um menino também negro olhou para Mayara e disse: “Ah, professora, acho que porque ela é preta mesmo”. Na conversa, Mayara questionou-se sobre como dialogar com uma criança negra, que ainda está construindo a fala do que é o racismo e porque eles precisam lutar por essa causa. “Acho muito importante a gente se empoderar nos lugares. Quando surgiu a ideia da Bienal, tinha certeza de que era meu momento”, argumentou.

Aline Gonçalves, publicitária formada pela Unisinos, comentou que falar sobre a negritude é visto como um momento de transição. “Esse trabalho realizado está sendo incrível e de muita coragem em trazer uma Bienal assim para o Sul do Brasil”, comentou. Para ela, essa exposição que traz trabalhos de mulheres negras, está colocando em ênfase todo o talento dessas mulheres. “Nós negras sabemos como é difícil enfrentar o preconceito diário, e muitas vezes ficamos de cara com esse mito da democracia racial, que sabemos que não existe”.

Aline destacou que, apesar de acreditar que as coisas estão melhorando, ainda é um processo que está “engatinhando”, porém está muito melhor do que já foi um dia.“Precisamos reconhecer as nossas potencialidades, por parte de professores nas artes, curadores e não só artistas. Para que toda comunidade negra seja digna de reconhecimento”, finalizou Aline.

Izis Abreu, bacharel em História da Arte também pela UFRGS, trabalha no MARGS e relatou suas experiências. “Eu sou uma mulher negra e não posso pensar sobre outras coisas enquanto o preconceito vive”.

As artistas finalizaram o evento comentando sobre a importância desses encontros negros, para falarem de suas dores e vivências. Entre algumas lágrimas, Malena terminou falando sobre a Bienal Black Art. “Não é só a exposição em si, mas a importância de se criar eventos paralelos, como essa roda de conversa, onde pessoas podem falar e ouvir sobre a negritude, complementando todo o sentido em que a exposição está trazendo”.

A Bienal está dando prioridade para essas mulheres nas exposições e rompendo barreiras nas artes visuais. Aqui em Porto Alegre, a mostra esteve em exposição no Centro Cultural CEEE Érico Veríssimo, até o dia 29 de novembro, e agora segue para o Memorial do RS, no Museu de Comunicação Social Hipólito José da Costa, na Casa de Cultura Mario Quintana e no Museu da UFRGS.

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