Apagão de dados inviabiliza criação de políticas públicas para população LGBTQIAP+

Douglas Glier Schütz
Redação Beta
Published in
6 min readMay 12, 2022

Pela primeira vez, IBGE divulgará dados sobre a orientação sexual da população, mas informações não farão parte do Censo de 2022

Grupos atuam com o objetivo de debater sobre a importância da garantia de direitos para a população LGBTQIAP+ (Foto: Brett Sayles/Pexels)

No Brasil, a cada 29 horas uma pessoa da comunidade LGBTQIAP+ morre.

O dado faz parte do Relatório Mortes Violentas de LGBT+ no Brasil de 2021, desenvolvido pelo Grupo Gay Bahia (GGB). O número de mortes é 8% maior que o do ano anterior. O documento ainda mostra que, dos 300 óbitos, 276 foram homicídios e 24, suicídios.

O Anuário Brasileiro de Segurança Pública, que traz os dados dos anos de 2019 e 2021, também apresenta um panorama sobre a segurança da população LGBTQIAP+.

Durante esse período, houve aumento de 20,9% no registro de agressões contra o grupo, passando dos 1.100 casos registrados. A taxa de homicídios, por sua vez, teve crescimento de 24,7%.

No entanto, os dados não contemplam a comunidade gaúcha. O Rio Grande do Sul (RS) é um dos seis Estados que, até o fechamento do anuário, não tinham registros desses crimes.

O motivo foi a impossibilidade de fazer a busca pelos delitos nos sistemas da Polícia Civil gaúcha, de acordo com a delegada Andrea Mattos. A primeira titular da Delegacia de Combate à Intolerância de Porto Alegre (DPCI) explica que as informações não eram computadas até março de 2021.

Esse não é um problema apenas no Rio Grande do Sul. De maneira geral, o governo brasileiro não possui conhecimento da totalidade da população LGBTQIAP+ para o desenvolvimento de políticas públicas.

Mas a situação deve ser remediada ainda em 2022. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgará pela primeira vez, 11 anos após a instituição da Política Nacional de Saúde Integral LGBT, dados sobre a orientação sexual da população.

A coleta das informações foi realizada em 2019 e estará disponível no dia 25 de maio. O material leva em conta apenas as pessoas maiores de 18 anos.

Apesar disso, o Censo Demográfico de 2022, que se inicia em 1º de agosto, não trará dados sobre a orientação sexual dos brasileiros. Em nota, o instituto afirma que essa “não é a pesquisa adequada para sondagem ou investigação de identidade de gênero e orientação sexual”, pois a metodologia utilizada permite que um morador responda pelos demais residentes.

Em comunicado, IBGE explicou porque os dados de orientação sexual não farão parte do Censo de 2022 (Imagem: IBGE/Reprodução)

Apagamento da diversidade

O descaso com essa parcela da população é permeado por diversos aspectos. Para a psicóloga Carolina Bohn, do Coletivo Ponto Gênero, a cultura do Rio Grande do Sul pode ser um dos motivos que dificultam a promoção do debate sobre políticas públicas para a comunidade LGBTQIAP+.

“A falta de investimentos em espaços de educação qualificada e de acesso à saúde acaba perpetuando uma cultura patriarcal, onde quem está fora do padrão de masculinidade hegemônica não tem as mesmas oportunidades”, afirma Bohn.

A psicóloga também acredita que a falta de investimento e debate sobre políticas voltadas para esse grupo é uma forma de apagamento. Para Carolina, a negação da diversidade mata a população brasileira — e mata mais pessoas negras, LGBTQIAP+ e mulheres.

De acordo com o sistema JOTA PRO Tracking — plataforma de monitoramento político — , existem cerca de 50 projetos de lei no Congresso Nacional que tratam dos direitos da comunidade LGBTQIAP+. No entanto, desde 1988, nenhum projeto para essa população foi aprovado.

A Secretaria Estadual da Saúde do Rio Grande do Sul (SES-RS) afirma que oferece diversos serviços para a população LGBTQIAP+. Segundo o órgão, alguns deles são os de vigilância em saúde para o enfrentamento da violência motivada por homofobia, lesbofobia, transfobia e bifobia e apoio aos municípios para implantação da política de saúde LGBT.

O enfrentamento à violência contra a população LGBTQIAP+ está presente na Política Estadual de Promoção
da Equidade em Saúde do RS (Imagem: Douglas Schütz/Beta Redação)

Apenas em 2019 a Secretaria Municipal da Saúde (SMS) de Porto Alegre instituiu a Política Municipal de Atenção Integral à Saúde da População LGBTQI+.

As principais diretrizes estabelecidas pela Portaria 571/2019 são o respeito aos direitos humanos da população LGBTQI+; a redução ou eliminação das formas de discriminação e violências no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) e a inclusão da temática da orientação sexual e identidades de gênero nos processos de educação permanente desenvolvidos pelo SUS.

Gabriela Tizianel é uma das duas pessoas responsáveis pela área técnica LGBTQI+ da SMS. Médica da família, explica que a criação dessa área é uma grande conquista para o município. Ela também frisa a importância de ter mais de uma pessoa atuando no setor, já que as demais áreas técnicas contam com apenas um profissional da saúde.

“Nos organizamos para alcançar as metas determinadas pela política: dar acesso à saúde, qualificar a informação, promover um serviço de vigilância da violência e trabalhar com educação continuada das equipes”, aponta a médica.

No entanto, essas ações não contemplam toda a comunidade. Porto Alegre, por exemplo, conta com mais de 1 milhão e 400 mil habitantes, mas não se sabe a porcentagem de pessoas LGBTQIAP+. Apesar de ter dois responsáveis pela área técnica, o investimento ainda não é suficiente para suprir a demanda.

A comunidade pela Comunidade

Em São Leopoldo, cidade que fica a 30 quilômetros da capital gaúcha, o Coletivo Ponto Gênero trabalha para reverter a precariedade nas políticas públicas. De maneira geral, o grupo atua nas reflexões acerca de temas como masculinidades, violências de gênero, Lei Maria da Penha e políticas públicas para populações minorizadas.

Os esforços para criar espaços de debate sobre políticas públicas para a população LGBTQIAP+ também vem da área da educação. O psicólogo e mestrando em Ciências Sociais Cauê Rodrigues, que atua no Coletivo, conta sobre o curso Sensibilização em Saúde da População LGBTQIA+, promovido em 2021 pelo Laboratório de Interseccionalidades, Equidades e Saúde (LabIES) da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos).

A ideia do curso surgiu a partir da necessidade de capacitar os profissionais da Saúde do município para trabalhar com a população LGBTQIAP+. Dessa forma, eles estarão qualificados para atuar em um ambulatório com atendimento especializado. O espaço foi solicitado aos representantes políticos durante uma audiência pública, mas ainda não tem previsão de funcionamento.

O objetivo é que sejam oferecidos atendimentos multidisciplinares, consultas médicas, serviços de enfermagem, farmácia e escutas de saúde mental. Para a psicóloga Carolina Bohn, esses centros especializados são essenciais para “dar conta de uma lacuna no cuidado em saúde com essa comunidade”.

Em Porto Alegre, a médica Gabriela Tizianel explica que a inauguração do ambulatório trans na Unidade de Saúde Modelo se deu, também, por conta da parceria com Organizações Não Governamentais (ONGs) e outras figuras da sociedade. “Temos uma parceria e comunicação muito próxima com eles desde o início do processo”, explica.

Tizianel ainda conta que o local já serviu, inclusive, para a “cessação de tabagismo”. Ela espera que em breve seja possível voltar com os grupos de convivência.

Em nível estadual, ONGs e coletivos ocupam assento no Conselho Estadual de Promoção dos Direitos LGBT, de acordo com a SES. O espaço serve para controle e participação dos moradores. Além dessa aproximação, também já foram lançados editais pela política de IST/HIV/Aids para financiamento de projetos.

Para além da área da Saúde, a Secretaria do Estado informa que existe contato entre as pastas. As questões de acolhimento, rede de proteção e atenção à população LGBTQIAP+ vulnerável é trabalhada nas áreas da Assistência Social, Cidadania e Direitos Humanos.

Dentro da política

O caminho ainda é longo, mas além dos direitos já garantidos, a comunidade LGBTQIAP+ também está presente no cenário político gaúcho. Yasmin Prestes, Regininha e Lins Robalo são vereadoras nas cidades de Entre-Ijuís, Rio Grande e São Borja e trabalham pela construção de um Estado mais equitativo e que leve em consideração as necessidades dessa população.

Saiba mais sobre a atuação das parlamentares na matéria Dois anos de TRANSformação nas câmaras gaúchas, de Bábiton Leão.

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