Plantio para consumo próprio surge como alternativa para economizar nas compras
União entre qualidade de vida e economia tem sido saída para fugir dos altos preços no supermercado
Uma alimentação mais saudável, a praticidade de ter alimentos ao seu alcance e economizar nas compras do mês são alguns dos benefícios de quem planta ou cria animais para consumo próprio. Segundo os últimos dados divulgados pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2019, mais de 12,8 milhões de brasileiros realizavam produção para consumo próprio.
Há quase uma década, essa prática faz parte da vida de Maria Helena Lubenov, de 43 anos, formada em Ciências Contábeis. Ela conta que ao mudar-se para Salvador do Sul, município da Serra Gaúcha, começou a enxergar as vantagens em cultivar os próprios alimentos junto aos sogros Irio Luiz Lottermann, de 63 anos, e Maria Gessi Lottermann, de 64 anos, ambos agricultores.
“Quando fui morar com os meus sogros eles já plantavam, mas muito pouco comparado a agora. Eles não enxergavam o valor em plantar e eu comecei a incentivar, mostrando como eles eram pessoas mais saudáveis e mais ativas do que pessoas da mesma idade”, diz.
Durante esse tempo, a plantação evoluiu muito, e, atualmente, além do cultivo, eles criam animais para extrair leite, ovos, carne e outros derivados. Tudo isso visando a uma melhor qualidade de vida e a economia na hora de fazer as compras no mercado durante o mês. Na horta e na roça, há tudo que se pode imaginar: alface, repolho, beterraba, cenoura, pepino, berinjela, feijão, aipim, milho, cana de açúcar, milho de pipoca e muito mais.
A alta no preço dos produtos fez Maria Helena repensar, também, a criação dos animais. Com o aumento do valor da ração, ela cogitou parar de criar porcos e frangos: “Os animais consomem R$ 450,00 em ração mensal durante uns sete meses, R$ 3.150,00 até ele ficar pronto. A carne dura em torno de seis meses, às vezes mais. Se pararmos para analisar, atualmente 1kg de carne está em torno de R$ 25 a R$ 30 por quilo. Por mês, daria uns R$ 900,00 para cada família. Lá em casa, seria mais ou menos R$ 1.800,00 para nós e para a casa da minha sogra. Então continua sendo muito válido”, calcula Helena.
Sobre os resultados econômicos no bolso, o valor é bem expressivo. De acordo com a contadora, na casa dela e dos sogros, eles conseguem economizar, durante o mês, em torno de R$ 200 a R$ 500 reais em verduras, frutas, ovos e leite; e em torno de R$ 800 em carne. Atualmente, a produção é feita totalmente para consumo próprio: “Não plantamos e produzimos alimentos como arroz e farinha de trigo, pois a região não é adequada”, explica.
“Ainda produzimos a nossa lenha. Metade é para consumo próprio e a outra vendemos. Conseguimos economizar com o gás de cozinha, que chega a durar de quatro a cinco meses”, conta Helena.
Em São Leopoldo, a agricultora e bióloga, Solange Manica, de 60 anos, também acredita no plantio para consumo como forma de economizar um dinheiro durante o mês. “Desde 2006 iniciamos o processo de plantar em casa. Desejávamos compor uma pequena agrofloresta produtiva. Atualmente, quem cuida de tudo sou eu e meu filho, que inclusive se tornou vegano há dois anos”, salienta. Com uma plantação voltada às Plantas Alimentícias Não Convencionais (PANCs) e frutas, a bióloga conta que é possível sentir no bolso a economia, chegando a 50% se comparado com outras épocas.
Além de consumir os produtos, Solange consegue ter retorno financeiro, porque vende para famílias e na Feira do Alimento Saudável de São Leopoldo. “São 25 famílias as quais entrego mensalmente frutas, plantas e temperos. Com essas entregas e na feira consigo, de lucro, já tirando as minhas despesas com as embalagens, etiquetas e gasolina, em torno de R$ 2.000 por mês”, afirma. Entre os cultivos da horta estão: Peixinho da Horta, Capuchinha, Physalis, Hibisco, Cardamomo, Açaí Juçara, Bacupari, Banana da Terra, três espécies de Pitayas e as mais diversas plantas.
Tanto para Helena, quanto para Solange, o que dificulta uma maior produtividade é a mão de obra. De acordo com a agricultora, por exemplo, ela possui espaço para plantio, mas não tem mais pessoas para cuidar. “Temos muita terra na chácara. Porém, atualmente, são poucas as pessoas que têm tempo disponível para atuar na roça e pomares. A maior dificuldade de cultivar tudo ou quase tudo é a mão de obra para o campo”, reforça Manica.
Já no caso da Helena, como a produção é toda artesanal e manual, demanda muito mais tempo para fazer tudo. “No plantio e colheita, é tudo feito de forma artesanal, lavrado com boi e capina feito de enxada. A questão da agricultura familiar é muito particular, tem pessoas aqui que não plantam porque trabalham fora. Se dependesse só de mim eu não conseguiria. Minha sogra é aposentada e ainda precisa trabalhar fora. Com um salário mínimo não tem como viver. O meu sogro é quem cuida da manutenção dos animais, manejo e organização das roças para plantarmos. Ele também organiza as datas adequadas. Nós ajudamos no que podemos e, no final, vale a pena pela qualidade e pela economia”, conclui.
Educação financeira é importante, mas não é tudo
Para muitos brasileiros, conseguir economizar e poupar não tem sido uma missão muito fácil. Isso porque com a alta dos preços no mercado e a conta de luz tendo aumento significativo, com um salário mínimo de R$1.100, comprar e pagar contas se tornou ainda mais difícil. Com uma renda mais baixa, e no momento atual, a educação financeira é importante.
De acordo com o consultor financeiro pessoal, Diego da Rocha Machado, de 34 anos, essa questão é importante, mas não é a principal solução. “A educação financeira, acima de tudo, é um aspecto mais pessoal. Às vezes falam que se as pessoas no Brasil tivessem uma educação financeira mais forte o país iria prosperar mais. Mas não é bem assim, tem todo um contexto para analisar. A distribuição de renda no país é tão complexa que não tem como colocar nas costas da educação financeira essa responsabilidade de prosperidade. A educação financeira vai sim impactar na vida das famílias, talvez poupar mais no dia a dia, mas são pequenas questões”, explica Diego.
Ainda segundo Diego, com a renda média do brasileiro baixa e o preço da cesta básica de alimentos cada vez mais alto, o perfil de compra acaba se modificando. “É difícil lidar com essa questão porque, muitas vezes, são famílias contando com um salário e tendo que escolher os produtos básicos e abrir mão de muitas coisas. É escolher entre comprar um tênis novo para o filho ou comprar arroz e feijão. São cenários muito diferentes e difíceis”, conclui.