Violência doméstica preocupa autoridades na quarentena

Apesar de não haver correlação confirmada, redes de atendimento estão sob alerta

Thaís Lauck
Redação Beta
7 min readMay 5, 2020

--

No primeiro trimestre de 2020, 26 casos de feminicídio foram registrados no Rio Grande do Sul, de acordo com a Secretaria de Segurança Pública (SSP/RS). Outras 84 mulheres sofreram tentativas de homicídio. Os números deixam o Estado em alerta e exigem que as redes de atendimento intensifiquem trabalhos preventivos, buscando identificar pessoas em situação de risco.

Um dos questionamentos que surge ao olharmos para estes dados é se o aumento se deve ao período de isolamento social exigido pela pandemia do coronavírus, o que, pelo menos até agora, não foi confirmado por órgãos de segurança pública. Coincidência ou não, cidades atuam fortemente no enfrentamento à violência contra a mulher, como é o caso de Dois Irmãos, no interior do estado, onde também foi identificado aumento no número de violência doméstica.

Conforme levantamento da delegacia de Polícia Civil do município, que atende também Morro Reuter, entre os meses de março e abril foram registrados 33 casos de violência doméstica, todos contra mulheres. Destas, 26 solicitaram medida protetiva. “Só na segunda quinzena de março, registramos 12 casos”, relata a inspetora Simone Arenhardt Ries. No total, somados os dois meses, foram 10 ameaças, 5 lesões corporais, 9 vias de fato (agressão física sem marcas aparentes), 4 perturbações da tranquilidade, 2 descumprimentos de medida protetiva, 1 injúria e 2 estupros, sendo um deles contra uma pessoa vulnerável. Conforme Simone, a maioria das mulheres já tinha sido vítima de violência outras vezes. Em março, a maior parte das vítimas tinha entre 30 e 39 anos, enquanto os agressores tinham entre 30 e 49 anos. Já no mês seguinte, a maioria das vítimas tinha entre 20 e 29 anos, e os agressores, entre 30 e 39 anos.

Dados divulgados pela delegacia de Dois Irmãos (Arte: Angela Bender)

Conforme a delegada Ariadne Langanke, os casos de violência doméstica, sejam eles contra a mulher ou qualquer outra pessoa que integra os grupos vulneráveis, são tratados como prioridade pela equipe. Neste período de pandemia, inclusive, a polícia reforçou a divulgação do seu número de WhatsApp, que recebe denúncias a qualquer hora. O número é o (51) 9 8543–7318. A ferramenta, assim como o Disque 100 e Ligue 180, serve para facilitar o acesso aos pedidos de socorro. “Também é importante lembrar que casos de violência contra a mulher, onde a vítima não deseja solicitar medida protetiva, podem ser registrados na Delegacia Online RS”, diz a delegada, chamando atenção, ainda, para outra situação. “Em casos de agressão, seja ela verbal ou física, onde a vítima está sendo agredida naquele momento, o primeiro contato deve ser o 190, que é o número de emergência da Brigada Militar”, finaliza Ariadne. Para orientações, além do número de WhatsApp, a comunidade também pode entrar em contato com a delegacia através do (51) 3564–1190.

Inspetora Simone e delegada Ariadne, de Dois Irmãos, relataram aumento de casos de violência contra a mulher na segunda quinzena de março (Foto: Thaís Lauck/ Beta Redação)

Questionada se o aumento dos números na cidade está ligado diretamente ao isolamento, a delegada Ariadne pondera. “O período coincide, sim, com o do isolamento social, mas não podemos afirmar que os casos se devem a essa situação”, comenta, reconhecendo, porém, que há fatores gerados pela pandemia que podem influenciar nas relações familiares, como a falta de emprego, dificuldades financeiras e desestabilização emocional das pessoas. “Todos estão apreensivos com tudo isso”, diz ela, comentando, também, sobre uma situação identificada ao longo do mês de março. “Alguns agressores detidos chegaram à delegacia com visíveis sinais de embriaguez”, relata.

Além da Polícia Civil, outro serviço que atua no combate à violência contra as mulheres na cidade é a Coordenadoria da Mulher, localizada no prédio do Departamento de Assistência Social. Aberta de segunda a sexta-feira, das 7h30 às 13h30, também recebe denúncias. O telefone para contato é o (51) 3564–8875.

De acordo com a coordenadora Ivete Rambo, serviços como visitas e atendimentos psicológicos às vítimas foram suspensos durante a pandemia, o que dificultou o trabalho do grupo, porém, tenta-se suprir esta lacuna reforçando a divulgação do Ligue 180 e do Disque 100 e atuando em parceria com as equipes das unidades de saúde dos bairros, que seguem realizando visitas às residências do município. “Toda vez que esses grupos identificam situações de violência, emitem o alerta para a coordenadoria”, diz Ivete, destacando que uma ação preventiva realizada em março, nas unidades de saúde, também pode ter colaborado no enfrentamento à violência durante a pandemia. “Realizei, junto com a psicóloga Denise Frey, do CREAS(Centro de Referência Especializado de Assistência Social), uma série de palestras para homens e mulheres. Acredito que a abordagem gerou reflexão dentro dos lares”, comenta.

Ivete lamenta suspensão de visitas às vítimas de violência (Foto: Thaís Lauck/ Beta Redação)

Sobre os canais de denúncia, Ivete elogia a eficácia do Disque 100. “Hoje, é o canal mais rápido de atendimento às mulheres. O último caso foi registrado no dia 3 de março e recebemos a ocorrência já no dia seguinte. Localizamos a vítima e o agressor, e logo depois eles foram ouvidos pela polícia”, comenta.

Além deste, outros três casos chegaram diretamente à sala da Coordenadoria na primeira quinzena de março. Depois de lá, mais nenhum, o que preocupa a equipe. “Sabemos o quanto é difícil para uma vítima denunciar o seu agressor. E agora a situação ficou ainda mais difícil, pois muitas delas ainda dependem financeiramente dos companheiros”, analisa Ivete.

Conselho Tutelar disponibiliza número de plantão

Com olhar especial destinado a crianças e adolescentes, o Conselho Tutelar do município segue atuando em regime de plantão. De acordo com a coordenadora Ronete Klein, denúncias devem ser realizadas pelo celular (51) 99199–1869. O número fica disponível 24 horas, todos os dias, inclusive sábados, domingos e feriados. “Recebemos poucos chamados ao longo deste período de isolamento social. A maioria deles envolve menores já acompanhados pelo Conselho”, informa Ronete, lembrando que as visitas presenciais estão suspensas mas, quando necessário, é realizado contato com as famílias para saber se estão enfrentando alguma dificuldade.

Números da violência contra a mulher no RS

Indicadores de violência contra as mulheres no RS (Fonte: Secretaria de Segurança Pública- SSP/ Arte: Angela Bender)

De acordo com dados da Secretaria de Segurança Pública (SSP) do Rio Grande do Sul, o número de feminicídios aumentou no Estado em 2020, se comparado com o mesmo período de 2019. Em janeiro foram registrados 10 casos, contra 3 no mesmo período do ano passado. Já em fevereiro, foram 5 contra 1. Em março, cada ano registrou 11 mulheres assassinadas. Ainda conforme a SSP, as tentativas de feminicídio aumentaram de 24 para 28 em fevereiro, e diminuíram em janeiro e março.

As estatísticas também apontam aumento nos crimes de ameaça no mês de fevereiro. Foram 3.388 em 2020, contra 3.214 em 2019. Em compensação, no mês seguinte houve uma queda significativa, de 3.457 para 2.689. As denúncias de lesão corporal e estupro também aumentaram em janeiro e fevereiro, mas caíram em março.

ONU fez alerta sobre violência doméstica

No início de março, a Organização das Nações Unidas (ONU) chamou atenção para o tema da violação de direitos humanos. Em vídeo, o secretário-geral da ONU, António Guterres, reforçou a preocupação com mulheres e crianças. “A maior ameaça está precisamente naquele que deveria ser o mais seguro dos lugares: as suas próprias casas”, disse ele, ressaltando a importância do isolamento no combate à Covid-19, mas ponderando sobre os cuidados que a situação exige. “Nas últimas semanas, à medida que as pressões econômicas e sociais e o medo aumentaram, assistimos a um crescimento horrível da violência doméstica a nível global”, completou, pedindo que os governos invistam em “formas seguras para que as mulheres consigam procurar apoio, sem alertar os agressores”, como serviços online.

No Brasil, há pelo menos dois canais para denúncia que funcionam em nível nacional: Disque 100 e Ligue 180. Eles são administrados pela Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos (ONDH). De acordo com informações do governo federal, ambos funcionam diariamente, 24 horas. As ligações podem ser feitas de qualquer lugar do país, gratuitamente, inclusive de forma anônima. Depois de recebidas, as denúncias são analisadas e encaminhadas a órgãos competentes, como delegacias e Ministério Público das cidades onde ocorreram os fatos. O documento é muito semelhante a uma ocorrência online registrada através do site da Polícia Civil.

Canais de denúncia estão sendo divulgados fortemente pelas redes de atendimento à vítimas de violência (Foto: Governo Federal)

No Disque 100 podem ser denunciados fatos envolvendo crianças, adolescentes, idosos, pessoas com deficiência, população LGBT e moradores de rua, por exemplo. Já o Ligue 180 é a Central de Atendimento à Mulher em Situação de Violência. No período de 17 a 25 de março, os canais receberam mais de 7 mil ligações, de acordo com dados divulgados pela ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, e pela secretária nacional de Políticas para as Mulheres, Cristiane Britto. Só o 180 registrou aumento de 9% de ligações em comparação à primeira quinzena do mês.

Divulgação do Aplicativo Direitos Humanos Brasil permite que pessoas façam denúncias online (Foto: Governo Federal)

Os dois canais também contam com páginas para denúncia na internet (Disque 100 - Ligue 180). Além disso, podem ser acessados pelo aplicativo Direitos Humanos Brasil, disponível para Android.

--

--