Gravidez precoce pode estar ligada a anticoncepcionais de curta ação

Além disso, 10% dos partos em 2020 foram de jovens entre 10 e 19 anos no Rio Grande do Sul

Vitória Pimentel
Redação Beta
6 min readMay 3, 2022

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Índice de jovens grávidas entre 10 e 14 anos vem aumentando. (Foto: Arteida MjESHTRI/Unsplash)

Ao menos 19 mil bebês brasileiros têm mães entre 10 e 14 anos, de acordo com o Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA). No Rio Grande do Sul, o cenário se repete. Em 2020 foram registrados 36 partos por dia de jovens entre 10 e 19 anos, conforme dados do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos.

A alta taxa de gravidez precoce pode ser reflexo dos contraceptivos indicados para essa faixa da população — e os anticoncepcionais de curta ação, como a pílula, não são as melhores opções para as adolescentes, pois requerem dosagem diária. Isso é o que afirma a vice-presidente da Comissão Nacional Especializada em Anticoncepção da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), Ilza Monteiro.

Pesquisas de referência na área já consideram que os implantes e os dispositivos intrauterinos (DIUs) são mais apropriados, pois não requerem manutenção constante.

“Países que conseguiram aumentar o uso desses métodos tiveram impacto importante nas taxas de gravidez não planejada em adolescentes. Um país grande como os Estados Unidos, que saiu de 5% para 19% na última avaliação em 2017, hoje tem a menor taxa histórica de gravidez não planejada na adolescência”, aponta Ilza Monteiro.

Apesar disso, é comum a recomendação da pílula nos consultórios ginecológicos. Aos 15 anos de idade, Laís Genro foi orientada a tomar anticoncepcional diariamente. Por cinco anos, ela usou o segundo método contraceptivo mais utilizado pelas brasileiras. Cerca de 27% das mulheres que não desejam engravidar optam pela pílula, de acordo com a última Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde (PNDS), de 2006.

A Dra. Ilza Monteiro é livre-docente em ginecologia na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). (Foto: Febrasgo)

Para diminuir a taxa de gravidez na adolescência, algumas estratégias vêm sendo adotadas. Na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a orientação para os futuros ginecologistas é priorizar os métodos de longa duração para quem não deseja ou tem contraindicação a gravidez, conforme a professora do Programa de Pós-graduação em Ginecologia e Obstetrícia, Jaqueline Lubianca.

No caso das jovens que já engravidaram, é oferecida a possibilidade de colocar o DIU imediatamente após o parto. “Ter tido uma gravidez na adolescência é o principal fator de risco para uma nova gestação nesta idade”, explica Lubianca, também coordenadora do Ambulatório de Anticoncepção do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA).

Em janeiro de 2022 foi lançado o Plano Nacional de Prevenção Primária do Risco Sexual Precoce e Gravidez de Adolescentes. O programa desenvolvido pelo Ministério da Família, da Mulher e dos Direitos Humanos tem o objetivo de conscientizar a população sobre os riscos e as consequências da gravidez precoce.

Efeitos colaterais do anticoncepcional hormonal

Por sete anos, náusea e tontura fizeram parte do cotidiano de Nathalia Martins, estudante de geologia da UFRGS. Consumindo pílulas anticoncepcionais desde os 17 anos, hoje ela não consegue mais ingerir comprimidos. “A experiência com o anticoncepcional foi tão ruim que até hoje eu não consigo tomar nenhum remédio em pílulas, só líquido”, desabafa Nathalia.

Quando procurou um ginecologista na Unidade Básica de Saúde (UBS) de Viamão pela primeira vez, em 2015, ela foi indicada por um clínico-geral a fazer a injeção anticoncepcional trimestral. Com medo de agulhas e sem a assistência de um especialista na área, decidiu começar a tomar a pílula por conta própria.

Por dois anos fez uso da mesma marca que sua prima, até descobrir que o medicamento é indicado para o tratamento da Síndrome do Ovário Policístico (SOP). Com medo de estar usando um remédio muito forte, ela escolheu uma nova marca sozinha. Dessa vez, o resultado foram náuseas e tonturas mais intensas. Decidiu abandonar o método e seguir usando apenas os preservativos.

As reações que Nathalia sentia eram comuns. Na bula do medicamento constam também sintomas como dor abdominal, aumento de peso corporal, dor de cabeça, depressão ou alterações de humor e dor nas mamas.

Já para Laís Genro, que seguiu corretamente todas as orientações de sua médica, a diminuição da libido e o inchaço foram fatores determinantes para abandonar o método. “Eu não sentia nada, era como se eu estivesse morta”, afirma. Há três anos, ela usa apenas o método de barreira (preservativo). O resultado da vida sem hormônios é claro: Laís se sente muito mais enérgica e disposta.

Outra questão influenciadora na decisão das mulheres em adotar o DIU é a midiatização de notícias sobre casos de trombose em mulheres que usam pílulas, explica a pesquisadora Ilza Monteiro.

Pesquisas mostram que mulheres que usam anticoncepcional com drospirenona, gestodeno ou desogestrel têm risco de 4 a 6 vezes maior de desenvolver tromboembolismo venoso do que as mulheres que não usam, de acordo com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Solução gratuita

Para prevenir a gravidez indesejada, Laís e Nathalia encontraram a mesma solução: o uso de DIU e preservativos — essenciais para a proteção contra infecções sexualmente transmissíveis (ISTs). Enquanto Laís está na fila para inserir o dispositivo na Unidade de Saúde Modelo, em Porto Alegre, Nathalia já está finalizando seu primeiro mês com o novo contraceptivo.

“Hoje eu me sinto muito mais segura com o DIU do que me sentia com a pílula”, afirma Nathalia. Depois de declarar seu desejo em inserir o DIU, o atendimento foi ágil. Com o exame citopatológico e a ultrassonografia transvaginal em mãos, o médico fez a inserção ainda na primeira consulta na UBS de Viamão.

Mas mesmo com a procura do DIU por mulheres mais jovens, o número de inserções do dispositivo pelo sistema público de saúde vem diminuindo. O pico de inserções foi no ano de 2015, quando 1.516 porto-alegrenses aderiram ao método. Coincidência ou não, este foi também o último ano em que o Ministério da Saúde fez a compra dos dispositivos para distribuição.

(Imagem: Vitória Pimentel/Beta Redação)

Outros métodos possíveis

Apesar da variedade de contraceptivos existentes, não faz muito tempo que os ginecologistas começaram a se interessar mais pelos métodos contraceptivos de longa duração (ou LARCS — long-acting reversible contraceptives).

De 15 anos para cá, houve aumento na procura de informações sobre esse tipo de contraceptivo, segundo a pesquisadora do Centro de Pesquisas em Saúde Reprodutiva de Campinas, Ilza Monteiro. A médica afirma que a situação mudou quando as próprias pacientes começaram a perguntar sobre o DIU.

Apesar da pílula ser largamente recomendada, existem hoje dez métodos contraceptivos gratuitos no SUS. Para acessá-los, basta informar seu interesse no posto de saúde do município. A Beta Redação separou abaixo uma lista dos métodos existentes. Leia mais detalhes sobre eles aqui.

(Imagem: Vitória Pimentel/Beta Redação)

Sobre o DIU

O dispositivo intrauterino de cobre é um método não-hormonal que tem 99% de eficiência e duração de 10 anos. A colocação é feita no consultório por médico ou médica capacitada.

Após o procedimento, é necessário apenas o exame ginecológico para verificar a posição do DIU. É essencial que a mulher faça visitas anuais ao ginecologista para examinar o posicionamento do dispositivo.

Apesar de ser oferecido para a população, ainda existem barreiras causadas pela falta de informação, como o compartilhamento de mitos que envolvem o DIU. Mas cabe destacar que ele não aumenta a chance de infecções; não atrapalha na amamentação; não é um método abortivo; não afeta a fertilidade e nem atrapalha as relações sexuais.

Quem pode usar?

O DIU pode ser usado por jovens a partir dos 12 anos de idade, desde que já tenham iniciado a vida sexual. A mulher não precisa ter tido uma gestação anterior, nem pedir autorização do(a) companheiro(a).

Há contraindicação em casos muito específicos, apenas para mulheres que tenham: malformação uterina; miomas intra uterinos que impeçam a colocação do dispositivo ou que facilitem sua expulsão ou infecções pélvicas ativas no momento da colocação.

Como funciona o processo pelo SUS?

  1. Para fazer a inserção do DIU, você deve procurar a Unidade Básica de Saúde do seu município.
  2. Na consulta ginecológica, indique seu desejo em inserir o DIU.
  3. Caso não tenha um exame citopatológico (também conhecido como Papanicolau), você será indicada a realizá-lo.
  4. Com o exame em mãos, o dispositivo poderá ser inserido no próprio consultório.
  5. O procedimento dura de 20 a 30 minutos, em média.
  6. Depois de colocado, a manutenção é uma visita anual de rotina ao seu ginecologista.

Atenção: O uso de preservativos é a única forma de se proteger contra as ISTs. Proteja-se, use camisinha.

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Vitória Pimentel
Redação Beta

Jornalista pela Unisinos. Gosto de contar histórias e tenho interesse em tecnologia. Tutora de um gatinho amarelo.