Guerra Híbrida avança na Rússia e traz preocupações às eleições brasileiras

Cristina Bieger
Redação Beta
Published in
7 min readMay 6, 2022

Com os esforços do governo federal, o Brasil subiu 53 posições e passou ocupar a 18º lugar no Índice Global de Segurança Cibernética de 2020

Nas guerras híbridas, a desinformação é uma das armas de ataque. (Imagem: Flickr)

O estrondo inicial de uma guerra, seguido de explosões, balas zunindo e aviões e tanques tomando céu e terra, é algo que não será esquecido por quem viu de perto seu país ser atacado — não só pela intensidade, mas pelo medo, e por sabermos que este, é o prólogo da destruição.

Entretanto, outros ataques mais silenciosos têm se tornado cada vez mais comuns como táticas das chamadas guerras híbridas, conflitos que envolvem, além das estratégias de campo, a propagação e difusão de desinformação e ciberataques.

Esse estilo de guerra, utilizado pela Rússia na batalha contra a Ucrânia, visa meios eletrônicos e informáticos do chamado ciberespaço. Em sua definição mais comum, podemos descrevê-la como ataque ou intrusão ilícita a um computador ou uma rede.

Para o engenheiro da Computação Guilherme Carvalho, pós-graduado em Segurança Cibernética, pode haver vários níveis de ataques. “Os ataques podem ser desde o nível mais simples, como um ataque de ransomware em alguma empresa pequena, sequestrando seus dados, até ataques a órgãos políticos, públicos e governamentais, impossibilitando o funcionamento de serviços essenciais e tudo que envolva a parte relacionada à tecnologia”, explica.

O ataque de ramsoware torna inacessível dados armazenados de computadores e servidores. Os dados da vítima são bloqueados e o hacker exige uma taxa de resgate — normalmente em criptomoedas -, como o Bitcoin, prometendo liberar o acesso aos dados após o pagamento.

Já a cientista social Rosemary Segurado, pós-doutora em Comunicação Política, comenta que esse tipo de ação do governo russo já era visto desde a Guerra da Criméia, em 2014. Segundo ela, a Rússia vêm se dedicando, ao que podemos chamar de ciberataque ou ciberdefesa, no caso da perspectiva deles. “O que vemos é que a tecnologia de informação vem sendo usada para fins militares, e servindo de base para ofensiva desses ataques hackers. Então, ao derrubar uma rede de celulares ou cortar a internet, você instala pânico na população, sem poder se comunicar com seus familiares e amigos, isso vai desestabilizando também emocionalmente”, completa.

Entenda o contexto que levou a Rússia a criar estratégias para a guerra cibernética. (Vídeo: Cristina Bieger/Beta Redação)

Para Maurício Santoro Rocha, doutor e mestre em Ciência Política, além dos níveis que já conhecemos da guerra — terra, ar e mar — , precisamos acrescentar hoje o aspecto cibernético, e em um futuro próximo, o espaço sideral, na tentativa de derrubar satélites.

“À medida que a tecnologia avança, os vários níveis em que a guerra é travada também crescem”, comenta.

Em uma guerra, a verdade é a primeira a morrer

“Agora, em paralelo a isso, a gente tem uma disputa de propaganda de todos os governos que estão envolvidos na guerra. Cada um deles contando a sua versão dos fatos, cada um vendendo a sua narrativa do confronto, e é nesse aspecto da guerra da informação, da guerra de propaganda que os russos de maneira geral estão perdendo”, afirma Maurício.

Para o cientista político, o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky virou uma personalidade internacional, e encontrou uma maneira muito forte emuito poderosa de passar a mensagem dele”, pontua Maurício.

Analisando ambos os governos, a Rússia se mostra como um regime mais autoritário e que se fechou desde o início da guerra, além da forte repressão contra jornalistas, impedindo a entrada e saída de informações. Em contrapartida, a Ucrânia, como um regime democrático, mesmo que falho, permite o trabalho da imprensa internacional, possibilitando contar a história direto do campo de batalha, observando a guerra sob a perspectiva dos ucranianos, tendo um impacto narrativo mundial muito mais poderoso.

Rosemary define a população russa sob um forte bloqueio informacional e de censura. Ela acredita que o compartilhamento de notícias falsas sobre a guerra e a desinformação são fatores que estão contribuindo, em grande medida, para o crescimento de popularidade do presidente Putin.

“Esse crescimento se dá justamente por um cerceamento, muitas prisões, protestos de pessoas que eram contrárias à guerra, uma imprensa cerceada e um bombardeio de desinformação. É um povo que vê seu país envolvido em uma guerra e ele sequer tem acesso à informação para poder formar um ponto de vista e uma opinião sobre esses fatos”, explica.

Para Maurício, “quando a guerra começa, os lados envolvidos, os vários Estados e grupos que fazem parte daquele conflito tentam contar a sua história e claro que vão tentar também manipular, mentir e distorcer fatos. E com a disseminação da internet e das redes sociais, aumentou essa capacidade de contar versões alternativas daquilo que está acontecendo no campo de batalha”, completa.

Eleições: um faroeste selvagem

A guerra híbrida traz algumas inqueitações quando pensamos no período eleitoral brasileiro, do qual estamos nos aproximando. Traçando um paralelo com o que vem acontecendo no Leste Europeu e com a disseminação de fake news no Brasil, que teve um boom de crescimento desde as eleições de 2018, a realidade ainda preocupa.

A disseminação de fake news continuam sendo preocupação para as eleições de 2022 (Arte: Cristina Bieger/Beta Redação)

Um levantamento feito pela agência de checagem de informações Lupa, em conjunto com os professores Pablo Ortellado (USP) e Fabrício Benvenuto (UFMG), no meio do segundo turno das eleições presidenciais de 2018, mapeou as imagens mais compartilhadas em uma amostra de 347 grupos de WhatsApp e descobriu que apenas 8% eram verdadeiras.

Rosemary acredita que essa disseminação de notícias falsas deve continuar, inclusive, que será novamente um ponto forte nas eleições de 2022. Para ela, quanto mais próximo do pleito, mais isso deve se intensificar, principalmente por apoiadores do presidente Jair Bolsonaro, que já usou esse mecanismo nas eleições de 2018.

“Nós vimos também na pandemia o quanto de notícias falsas e desinformação sobre vacinação, sobre número de mortos, sobre uso de máscara, sobre o distanciamento social foram transmitidas à partir do Palácio do Planalto e muitas vezes inclusive do próprio Ministério da Saúde”, expõe Rosemary.

Maurício define as eleições brasileiras de 2018 como uma espécie de faroeste selvagem, ou vale-tudo. Para 2022, descreve um cenário ligeiramente diferente e com um esforço maior em tentar coibir e controlar essas práticas abusivas de disseminação de fake news e do uso ilegal da internet.

"Foi a primeira vez que um presidente foi eleito no Brasil sem ter grande tempo de televisão, simplesmente usando a internet, então aquilo foi uma lição muito poderosa para todos nós, para analistas, para políticos profissionais, da força da internet”, explica.

“Temos que estar atentos a todas as possibilidades, principalmente com os avanços tecnológicos, o uso dos lip fakes, dos vídeos e alterações de imagens e de voz, que podem se tornar um componente muito presente, tanto nesta eleição quanto nas próximas disputas eleitorais aqui no Brasil”, completa.

Iniciativas importantes, cuidados necessários

Durante a pandemia, em 2020, vimos a criação de um consórcio de veículos jornalísticos para a checagem de informações, auxiliando no combate à desinformação. Rosemary destaca a importância dessa iniciativa e de adotarmos, como população, procedimentos jornalísticos em nosso dia a dia.

“É muito importante que a própria população se conscientize disso. As iniciativas de educação digital, educação midiática são importantes — a incorporação de procedimentos de verificação por parte da população, para que a gente não seja também um agente transmissor de desinformação”, explica.

Maurício concorda com a questão de que a educação pública brasileira é um elemento importante e precisa ser mais bem trabalhada. Para ele, o desafio atual do país é o combate à desinformação, fruto de anos de polarização e divisão ideológica, onde as pessoas são propensas a acreditar em tudo que esteja à favor de suas ideias e posicionamentos.

“É um desafio a todos nós, como vamos analisar essa informação que está chegando, a responsabilidade na hora de compartilhar e publicar nas redes sociais, e eu acho que não estamos lidando com isso com a devida seriedade que o tema merece”, completa Maurício.

Entre os países da América, o Brasil fica em 3º no que diz respeito à segurança cibernética. (Arte: Cristina Bieger/Beta Redação)

Com relação a segurança dos nossos dados na rede, fator posto à prova com a guerra cibernética, Guilherme Carvalho, especialista em Segurança Cibernética, comenta que nunca estaremos totalmente seguros no mundo digital. Às vezes, o vazamento de dados pode ser inevitável. Mas, existem cuidados e medidas que podem ser seguidos para amenizar os impactos.

“Cuidar com o que você publica nas redes sociais, evitar responder provocações e ameaças, mudar as senhas periodicamente, cuidar com sites que pedem muitas informações, saber reconhecer os boatos, ter atenção nas compras online, cuidar ao usar computadores públicos, evitar utilizar Wi-Fi público, proteger os dispositivos móveis e escolher com cuidado os aplicativos, assim é possível minimizar os riscos de um problema maior com nossos dados, que hoje em dia são vistos como o novo petróleo”, recomenda.

O Brasil subiu 53 degraus e passou da posição 71 para a 18 no Índice Global de Segurança Cibernética 2020, divulgado pela União Internacional de Telecomunicações (UIT), agência especializada em tecnologias de informação e comunicação da Organização das Nações Unidas (ONU).

Entre os países da América, o Brasil está na 3ª colocação, atrás somente dos Estados Unidos e do Canadá. Ao todo foram 193 países pesquisados.

“A posição conquistada pelo nosso país demonstra o compromisso crescente do governo brasileiro para enfrentar e reduzir as ameaças à segurança cibernética, mesmo diante dos desafios enfrentados com a pandemia da Covid-19”, revela Guilherme.

Além das fake news, outra preocupação para as eleições de 2022 é o Telegram, uma plataforma que vem ganhando força entre os brasileiros e permite a criação de grandes grupos de difusão de mensagens. Para entender melhor os riscos, leia a matéria da repórter Cristina Bieger, O risco de disseminação de fake news pelo Telegram nas eleições brasileiras.

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