Há 42 anos, Inter conquistava o Brasil de forma invicta

Campanha incontestável no Campeonato Brasileiro de 1979 selou década de domínio colorado no cenário nacional

Émerson Santos
Redação Beta
11 min readJun 12, 2021

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Time titular colorado era formado por (de pé) João Carlos, Benítez, Mauro Pastor, Falcão, Mauro Galvão e Cláudio Mineiro; (agachados) Valdomiro, Jair, Bira, Batista e Mário Sérgio. (Foto: Reprodução/CBF)

Por Emerson Santos, Paola Cunha, Régis Viegas e Vinícius Peres.

Algumas coisas no Brasil, hoje, lembram o que fora o país em 1979. Há 42 anos, a agitação política fez com que o general João Figueiredo, último presidente da ditadura militar, assinasse a Lei da Anistia e preparasse o caminho para a nova democracia brasileira. As agitações atuais culminaram, no último dia 29 de maio, em manifesto que reuniu milhares de pessoas nas ruas, mesmo em meio à pandemia, para reivindicar o impeachment de Jair Bolsonaro, ex-capitão do Exército e atual presidente da República.

Na presidência dos Estados Unidos da América, um democrata. Jimmy Carter era o homem mais poderoso do mundo em 1979, em tempos de Guerra Fria contra a União Soviética. Joe Biden é o atual presidente americano, num momento em que as polarizações ainda são evidentes e o mundo protagoniza uma escalada de tensões com a China.

Mas nem tudo é similar entre 1979 e 2021. No futebol, por exemplo, o Internacional dominava o cenário nacional na década de 1970 e chegava para a disputa do Campeonato Brasileiro de 1979 como um dos principais postulantes ao título. O troféu, conquistado naquele ano pela terceira vez, nunca mais voltaria para o Beira-Rio e, em 2021, o clube não apresenta grandes pretensões para a disputa da competição.

A partir disso, é importante retomar aquela conquista irretocável, obtida após 16 vitórias e sete empates. A Beta Redação vai recontar a trajetória do time que conquistou o Brasil sem derrotas, feito jamais repetido por outro clube brasileiro. Para isso, dois dos maiores jogadores da história do Inter conversaram conosco, além de um jornalista que cobriu aquela campanha e torcedores que viveram - no ato - a emoção daquele título inédito.

Mauro Galvão e Falcão entram em campo para a disputa da final do Campeonato Brasileiro de 1979, no Beira-Rio. (Foto: Reprodução/Sport Club Internacional)

Década de domínio colorado no cenário nacional

Em 23 de dezembro de 1979, quando o árbitro paulista José Faville Neto deu o apito final da partida entre Internacional e Vasco da Gama, no Beira-Rio, um jovem zagueiro de 18 anos conquistava o Campeonato Brasileiro em sua primeira temporada como jogador profissional. Seu nome era Mauro Geraldo Galvão e ele vestia a camisa 4 vermelha. “Aquele título me deu uma força muito grande para seguir e foi fundamental para que me firmasse como jogador”, revela o ex-zagueiro, que disputou as Copas do Mundo de 1986 e 1990 com a Seleção Brasileira.

Passados 42 anos daquela campanha, Mauro Galvão lembra que a equipe colorada enfrentou ótimos times ao longo da competição, como o Palmeiras, treinado por Telê Santana. Os colorados eliminaram os palmeirenses na semifinal, após vitória marcante por três a dois, em São Paulo, e gol decisivo de Paulo Roberto Falcão.

Perguntado sobre o que aquele time de 79 tinha e o fez ser campeão invicto do Campeonato Brasileiro, o ex-jogador enfatiza que o momento jogava a favor do clube. “Era uma equipe que vinha de dois títulos brasileiros (1975 e 1976), tinha tradição e era respeitada no cenário nacional”, disse.

Falcão comemora o título de 1979 com a torcida colorada, no Beira-Rio. (Foto: Reprodução/Sport Club Internacional)

Na década de 1970, o Inter figurou entre as quatro melhores equipes do Campeonato Brasileiro em oito temporadas. Além disso, o clube havia conquistado, em 1976, o octacampeonato gaúcho, recorde histórico em série iniciada logo após o hepta gremista de 1968. Segundo Mauro Galvão, foram anos promissores para os colorados, que culminaram no tricampeonato de 1979.

Apesar de o momento não ser favorável ao Inter, pelo retrospecto recente, o ex-zagueiro acredita que o clube foi prejudicado por decisões da arbitragem na reta final da última edição do Campeonato Brasileiro e que, não fosse por isso, o tão esperado título viria em fevereiro de 2021.

Outro fator importante relativo ao Inter de 1979, recorda Mauro Galvão, era a organização da equipe, unindo qualidade técnica e experiência. Os jogadores de meio-campo daquele time personificavam esses aspectos. Falcão estava no Beira-Rio desde 1973. Batista também. Jair havia chegado um ano depois, em 1974.

No estádio colorado, a presença da torcida se mostrava fundamental. Foram oito vitórias e quatro empates jogando em casa naquela campanha. “Era muito difícil vencer o Inter no Beira-Rio”, afirma Mauro Galvão. Mas naquele ano, especificamente, esse se tornou um feito impossível. Em 23 jogos, a equipe conquistou 16 vitórias e não sofreu nenhuma derrota. Apesar disso, ele afirma que os jogadores nunca se preocuparam com a invencibilidade, mas com a conquista do título.

“Hoje temos a noção da importância daquela conquista”, afirma Mauro Galvão, sobre o título alcançado de forma invicta e nunca mais repetido. Ele lembra que, à época, se comentava sobre aquele feito, mas não como é repercutido hoje. “A exposição atualmente é maior e, em termos de dados, a busca era menor naquela época”, enfatiza.

Mas se o Inter não foi campeão brasileiro depois de 1979, Mauro Galvão foi. Ele conquistou a competição pelo Grêmio, em 1996, e pelo Vasco da Gama, em 1997 e 2000. “Foi uma grande satisfação jogar pelo Grêmio”, afirma o ex-jogador, que disse ter defendido as cores gremistas também nas categorias de base. Aquele título marcava o retorno dele ao Brasil, após seis temporadas jogando na Suíça.

Mauro Galvão, à esquerda, com a camisa do Internacional e, à direita, com a camisa do Grêmio, em seu retorno ao Brasil após 6 anos na Europa. (Imagem: Reprodução/GZH)

Fora das quatro linhas, no Brasil de 1979, Mauro Galvão escutava a banda anglo-australiana Bee Gees. Era a época da discoteca e o filme “Os embalos de sábado à noite”, protagonizado por Jhon Travolta e Karen Lynn Gorney, acabara de ser lançado. Nada mais sugestivo do que isso: aquele Inter parecia jogar por música.

Por mais de 700 vezes Inter

Em 1968, ano em que foi instituído pela ditadura militar brasileira o Ato Institucional Número Cinco (AI-5), retirando mandatos parlamentares de oposição ao governo e intensificando a repressão do Estado sobre os cidadãos do país, também teve início a história entre o Internacional e o jogador que mais vestiria a camisa vermelha. Em Criciúma, um jovem ponteiro direito do Clube Comerciário despertava interesse no clube de Porto Alegre. Seu nome, Valdomiro Vaz Franco.

Indicado por Tesourinha, Valdomiro jamais poderia imaginar o que o futuro lhe reservava. Ele chegou no Beira-Rio sob desconfiança da imprensa e da torcida colorada. Jovem desconhecido, de apenas 20 anos, ele enfrentou e superou as vaias para conquistar títulos e se tornar um dos maiores ídolos do clube gaúcho.

Valdomiro em ação com a camisa 7 vermelha na década de 1970. (Foto: Reprodução/Sport Club Internacional)

Para Valdomiro, o título invicto do Campeonato Brasileiro de 1979 foi a consagração maior de um time que dominou o futebol brasileiro na década de 1970. Uma verdadeira máquina de jogar futebol que, segundo o ídolo colorado, começou a ser montada em 1974, com a chegada do técnico Rubens Minelli. Naquele ano, o Internacional terminaria o campeonato na quarta colocação.

Gratidão, orgulho e amor são as palavras mais usadas por Valdomiro ao falar do clube e daquele time de 79. Jogador que mais vezes vestiu a camisa colorada (711), tendo feito 192 gols e conquistado 10 títulos gaúchos e três brasileiros, o ponta-direita eternizou a número 7, em uma época onde o amor ao clube prevalecia sobre o dinheiro.

“Tem que ter orgulho de jogar no Internacional, porque ao jogar no Inter você está jogando em um dos maiores clubes do mundo. Não é do Brasil, é do mundo”, reitera orgulhoso Valdomiro.

Valdomiro veste a camisa do Internacional com orgulho no novo Beira-Rio. (Foto: Mariana Capra/Sport Club Internacional)

Durante a campanha, o ex-jogador garante que o elenco não imaginava que conquistaria algo até hoje jamais alcançado por outro clube. Ser campeão invicto era um assunto que só viria a ser discutido após a partida diante do Cruzeiro, na fase final do campeonato, quando o Inter venceu a equipe mineira por 3 a 2 no Mineirão, em Belo Horizonte.

“Foi depois do jogo contra o Cruzeiro, quando Falcão fez um gol, depois o Bira e eu o último, que notamos que não tínhamos perdido para ninguém”, confidencia Valdomiro.

O ídolo colorado afirma que a proposta de jogo do Internacional nas três conquistas nacionais (1975, 1976 e 1979) tinha semelhanças com o Barcelona treinado por Guardiola décadas depois. Ele lembra que o time era obcecado pela posse de bola e, quando não a tinha, todos marcavam. Segundo seu relato, a equipe treinada por Ênio Andrade jogava da mesma maneira no Beira-Rio ou no Maracanã, contra o Flamengo, sempre buscando o gol.

”A gente fazia um e, enquanto não fazia o segundo, não parávamos. Nunca jogamos para trás. O Zico falava que perder de um a zero para nós, no Beira-Rio, estava bom para ele”, relembra.

Lesionado, Valdomiro ficou de fora da primeira partida da final contra o Vasco da Gama, de Roberto Dinamite, no Maracanã. Chico Spina foi o escolhido para atuar em seu lugar e quis o destino que fosse ele o escolhido para marcar os dois gols da vitória colorada no Rio de Janeiro.

“Nós éramos cobrados pela direção. Empatávamos contra o Flamengo fora de casa e éramos cobrados”, revela Valdomiro, ao comparar a atuação dos dirigentes colorados e o comprometimento dos atletas, hoje e naquela época.

Valdomiro lamenta o jejum de 42 anos do Internacional sem a conquista do Campeonato Brasileiro. Para ele, a falta de profissionalismo da direção e o pouco comprometimento dos atletas com a história do clube e com as competições contribuem para a escassez de títulos. Ele faz críticas aos dirigentes por não apostarem na base e buscarem jogadores acima de 30 anos que, na sua avaliação, jogam apenas pelo dinheiro.

Para comemorar a conquista incomparável, Valdomiro ligava o rádio e escutava Martinho da Vila e Jorge Ben. Os artistas mais ouvidos pelo ex-jogador na época, confidencia, eram influência direta de seu ex-colega de vestiário Escurinho.

Uma fã incontestável de Paulo Roberto Falcão

Noeli Teresinha Dilli estava no auge da juventude no ano de 1979. Aos 24 anos, já era uma torcedora apaixonada pelo clube colorado. Hoje, aos 65, lembra do time invencível com carinho, principalmente do capitão Falcão. “Todos os jogadores eram importantes. Mas sem dúvida ele era craque, líder e competente”, relembra.

Bárbara Roberta, filha de Noeli, conta que a mãe abdicou do sobrenome para homenagear Falcão. Ela e o irmão, Jeverson Roberto, trazem na certidão de nascimento o nome do capitão do tricampeonato colorado.

Da esquerda para a direita, Noeli com a filha Bárbara Roberta e as netas Laura e Júlia. (Foto: Arquivo pessoal/Noeli Teresinha Dilli)

Para Noeli, a partida mais inesquecível daquela campanha foi entre Vasco e Internacional, no Maracanã. Ela relata que não frequentava o Beira-Rio, pois morava em Carlos Barbosa naquela época, mas acompanhava o time pela televisão e pelas transmissões no rádio.

Quando questionada sobre o significado daquele título, a torcedora colorada expressa emoção. “Foi maravilhoso, emocionante, chorei muito de alegria. Foi algo inédito no futebol brasileiro e, até hoje, esse feito é só nosso. Muito orgulho e gratidão aos jogadores, comissão técnica, diretoria e torcida”, destaca.

Ao comparar o time atual do Inter com o elenco campeão de 79, Noeli é taxativa no seu desejo. “Jogar um futebol simples, com garra, ofensivo e competente. Valorizar a camisa e respeitar o sentimento do torcedor do Inter”, pediu a torcedora, que complementa afirmando que “ser colorada é ter todos os sentimentos do mundo”.

Noeli e a neta Laura, já no novo Beira-Rio. (Foto: Arquivo pessoal/Noeli Teresinha Dilli)

O jornalista que acompanhou o time que nunca perdeu

Cláudio José Silveira Brito, ou simplesmente Cláudio Brito, tinha 41 anos quando cobriu, pela TV Difusora, a campanha vitoriosa do Sport Club Internacional em 1979. Para o jornalista, entretanto, os plantéis de 75 e 76 eram muito melhores. “O Internacional tinha muito mais time nos primeiros títulos nacionais do que em 79. Tinha mais elenco, tinha mais talentos. Mas em 79, realmente, o time nunca perdeu”, lembra.

Para Cláudio Brito, o grande diferencial do grupo de 79 era seu treinador Ênio Vargas de Andrade, na época com 51 anos e considerado pelo jornalista um grande comandante, tanto na casamata quanto no vestiário. “Com o Ênio Andrade havia coesão, conjunto, força e comando no vestiário”, pontua.

Falcão ao centro, saindo de campo. Brito em primeiro plano à esquerda, microfone à mão. (Foto: Arquivo pessoal/Cláudio Brito)

Colorado assumido, Brito recorda que entrevistou toda a geração de jogadores naquele período, desde o goleiro José de La Cruz Benítez, até o multicampeão e capitão Falcão. O jornalista participou da cobertura de toda a trajetória do grupo colorado na competição nacional, tanto pela TV Gaúcha, hoje RBS TV, e pela Rádio Gaúcha, como pela TV Difusora, atual Bandeirantes. “A conquista do Internacional significou muito para o clube, o jornalismo esportivo e, principalmente, para o Rio Grande do Sul naquele ano”, ressalta.

Os dois jogos finais entre Inter e Vasco, naquele ano, foram marcantes para Cláudio Brito. A primeira partida, disputada no dia 20 de dezembro, no Maracanã, terminou com vitória colorada sobre o time vascaíno por 2 a 0, com gols de Chico Spina, reserva imediato de Valdomiro. A partida contou com a presença de mais de 58 mil pessoas.

Na grande final, no Beira-Rio, dia 23, a casa colorada teve público de mais de 54 mil pessoas. Novamente o Inter venceu o Vasco, desta vez por 2 a 1, com gols de Jair e Falcão. “Foi acima da média. Eu tenho a impressão de que não estou diminuindo a invencibilidade colorada com isso. O patamar do futebol brasileiro naquele momento não era o melhor, tínhamos voltado de uma fracassada participação na Copa da Argentina, em 1978. Em 79, a geração estava se alterando e isso se refletia nos clubes também”, salientou Brito, hoje aos 72 anos de idade.

No dia da grande final, Brito recorda que a cidade, o estádio e a torcida estavam mobilizados para levantar a tão sonhada taça do tricampeonato brasileiro, considerando o favoritismo colorado naquele jogo.

Mas, independente de ser gaúcho, cronista e torcedor, Brito é taxativo quando o assunto é o craque do time. “Paulo Roberto Falcão. Não há nenhuma dúvida. Falcão, o grande injustiçado da Seleção Brasileira de 1978! Não foi convocado e poderia ter sido, quem sabe, responsável artífice pela construção de um título que nós não conseguimos. Ele participou das eliminatórias, mas ficou fora da Copa do Mundo. Falcão, o grande jogador do Inter”, sublinha.

Equipe de redação da Zero Hora, em dezembro de 2012, no bar. Da esquerda para a direita, Brito, Nilson Souza, Paulo Sant’Ana e Falcão. (Foto: Arquivo pessoal/Cláudio Brito)

Para Brito, outro destaque do grupo colorado naquele ano foi o goleiro paraguaio Benítez, que ganhou repercussão nacional e internacional, afirma o jornalista, pela segurança que passava debaixo das traves.

Mas, afinal, como era fazer Jornalismo na década de 70?

Se hoje as equipes são blindadas por assessores de imprensa e toda e qualquer palavra passa pelo filtro do marketing dos clubes, nos anos 70 o cenário era outro. “Os clubes têm a sua assessoria de comunicação e o clube define quem vai dar entrevista e em que momento irão responder. Naquele tempo era diferente”, explica.

Segundo Brito, o repórter precisava se garantir e ter prestígio com as fontes. “Chegava com o microfone diante do jogador que pretendia entrevistar e entrevistava. A gente já aguardava que o vestiário fosse aberto. Batia na porta se estivesse demorando muito e entrava para a entrevista”, afirma o jornalista ao recordar que, diversas vezes, conversou com jogadores ainda na banheira ou debaixo do chuveiro.

Cláudio Brito, durante a pandemia, trabalhando no formato home office. (Foto: Arquivo pessoal/Cláudio Brito)

Em caráter de curiosidade, Cláudio Brito já foi dirigente do Clube Esportivo Aimoré, de São Leopoldo. Segundo o comunicador, na década de 80, Chico Spina atuou pelo Índio Capilé. “Tivemos a felicidade de contar com um brilhante jogador, campeão nacional com o Inter e que jogou no nosso Aimoré por um período, justamente na metade da década de 80, acredito que quase se despedindo da carreira”, relembra saudoso o jornalista.

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