Parapente conta com 134 associações e clubes dedicados ao esporte no país
Desse total, 13 estão situados no Rio Grande do Sul
Há algumas décadas, o homem ganhou asas, ou melhor, as construiu. Com a criação do avião, pôde conhecer o céu, mas foi com o parapente e outros esportes aéreos que conseguiu, de fato, voar livremente. O esporte possui duas nomenclaturas diferentes, paraglider, que deriva do inglês, e parapente, de origem francesa. Mas o significado é um só: liberdade.
Ainda que a origem do esporte gere divergências, acredita-se que tenha iniciado com alpinistas europeus que, na década de 1980, utilizavam uma espécie de paraquedas para descer as montanhas após as escaladas. Hoje, o parapente se tornou um planador, permitindo vôos longos apenas impulsionados pelas forças da natureza. Chegou ao Brasil em 1988 e, de forma autodidata, interessados em desvendar a modalidade passaram a praticar e também a ensinar o esporte.
Para o analista de sistemas e morador de Tupandi, Paulo Juliano Horlle, o sonho do homem de voar foi concretizado através do parapente. “Conseguimos isso de uma forma simples e barata. O desafio é depender apenas de nossas habilidades e do nosso conhecimento e isso não tem preço”, destaca ele, que pratica o esporte há 14 anos.
Considerado um esporte radical, o parapente conquista cada vez mais adeptos no Brasil e no mundo. Com o tempo, os equipamentos se tornaram mais leves, mais seguros e com melhor performance, permitindo vôos mais rápidos e sem perder tanta altitude.
Para pilotar um parapente é necessário dedicação e estudo contínuo, relata o médico Felipe Negri Fracasso, residente em Bom Princípio. Filiado ao Clube Ninho das Águias de Voo Livre, de Nova Petrópolis, voa há 22 anos. “Estou sempre estudando e evoluindo, seja pela internet, livros ou revistas especializadas”, comenta.
Tão importante quanto saber voar é interpretar as condições do tempo. Os estudos giram em torno de regulações (normas e diretrizes do tráfego aéreo), meteorologia (massas de ar que dão origem aos ventos, tipos de nuvens e interpretação da previsão do tempo), segurança de voo e navegação, fundamentais para a segurança.
Os custos para iniciar a prática com um equipamento novo oscilam entre 12 e 20 mil reais. A sugestão é começar com um equipamento usado e ir renovando com o tempo. Depois, os gastos são mínimos. “Não temos custo de combustível. É a maneira mais barata de voar”, explica Felipe.
Regulações para a prática
Para quem pratica o esporte, é importante ter o certificado da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC), que atesta o conhecimento do piloto sobre as regras de voo e sobre o espaço aéreo. Apesar da ANAC não emitir ou exigir habilitação para a prática de atividades radicais, recomenda que essa seja adquirida por meio de associações aerodesportivas reconhecidas, a fim de reduzir as chances de acidentes.
De acordo com a Federação Gaúcha de Voo Livre (FGVL), o Rio Grande do Sul possui 13 clubes de voo e sete escolas ativas. Fundada em 1990, a FGVL tem como finalidade difundir e coordenar as atividades desportivas que se enquadram na prática do voo livre, além de representar o esporte gaúcho e promover campeonatos estaduais.
Em âmbito nacional, a Confederação Brasileira de Voo Livre (CBVL) é responsável pela organização dos campeonatos regionais e nacionais. É ela quem atesta o nível do piloto para as competições, sendo que esse deve ser filiado para competir. Constam no site da CBVL 134 federações, clubes e associações cadastrados em todo o país.
Rio Grande do Sul no top 10 brasileiro
Criado para quem ama viajar, o site Dubbi reuniu uma lista com os dez melhores lugares brasileiros para a prática do parapente: Governador Valadares (MG), Areia Branca (RN), Castelo (ES), Balneário Camboriú (SC), João Pessoa (PB), Socorro (SP), Rio de Janeiro (RJ), Formosa (GO), Nova Petrópolis (RS) e Atibaia (SP).
Regiões mais secas costumam render melhores voos e serem as mais procuradas. O Brasil oferece condições de voo o ano inteiro. Protegida por montanhas, morros e picos, a Serra Gaúcha é um dos melhores lugares para saltar no país. O parque Ninho das Águias, em Nova Petrópolis, é considerado um dos melhores pontos para essa atividade, contando com rampas gramadas e de concreto que permitem voos de até 3 mil metros de altitude, além de uma bela vista, é claro.
Para quem busca conhecer o esporte, o lugar possibilita a experiência. Conduzida pelo instrutor Gustavo Agne de Oliveira, do projeto Eu Vou Voar, que fornece o serviço no local, qualquer pessoa interessada pode voar, mesmo não tendo experiência. “O voo oferece contemplação, sensação de bem-estar e eu quis trazer isso para as pessoas, mostrando que existe um esporte que pode ser radical, mas muito bacana e prazeroso”, frisa Gustavo, que pratica a modalidade há 14 anos e, há seis, é instrutor de voo duplo de parapente. Essa modalidade consiste em um voo instrucional de 15 minutos, em que pessoa interessada é acompanhada pelo professor.
Segundo Gustavo, 80% das pessoas que o procuram para o voo duplo são mulheres e 10% do total seguem no curso após a primeira experiência. “Só voando para entender o que é voar. É um desafio. Muitas pessoas têm medo. Costumo dizer que as pessoas têm medo de cair e não de voar, o que acaba atrapalhando. Mas todos saem com um sorriso no rosto, dizendo que valeu a pena”, aponta.
Participação feminina
Apesar de serem maioria na busca pela experiência do voo duplo, as mulheres ainda são minoria no esporte. Atualmente, há cinco mulheres cadastradas em clubes de voo gaúchos, conforme a listagem de sócios das associações na FGVL. “Acho que a mulher ainda se sente responsável por muitas coisas e prioriza a família, a relação e a carreira e não encontra espaço para coisas só suas. Ainda mais quando envolve algum risco, sem um sentido maior que não a própria realização e a conexão com a natureza. O homem está mais acostumado — e mais autorizado — a dedicar tempo para si mesmo, e a sociedade aceita esse comportamento”, opina Roberta.
Moradora de Caxias do Sul, a arquiteta e urbanista Roberta Paula Rech é filiada à Associação Vale do Taquari de Voo Livre (AVTVL). Ela voa de parapente há 15 anos e percebe a falta de mulheres no esporte.
Todos os entrevistados comentam sobre a restrita participação feminina. “Aqui no Brasil é bem restrito o número de mulheres, mas na Europa os céus são mais divididos. Para praticar esse esporte é preciso muita dedicação, frequentemente trocamos o almoço por um voo. A maioria das rampas não têm infraestrutura adequada, às vezes nem uma sombra oferece. Acredito que essas condições adversas acabam desestimulando as mulheres à prática do esporte”, relata Paulo Juliano.
Viagens pelo mundo
Muitos dos praticantes de parapente viajam o país e o mundo em busca dos melhores lugares para voar. Paulo Juliano já voou em mais de 20 pistas e, entre elas, destaca as experiências de Nova Petrópolis/RS, Governador Valadares/MG e Annecy/França. “Já voei em todos os lugares que gostaria e praticamente todos, vistos de cima, são especiais, ou seja, até o quintal de casa passa a ser um sonho”, ressalta.
Roberta, que também já voou em muitas pistas, comenta que o melhor lugar em que já voou foi em Pokhara, no Nepal. “Voar perto de montanhas como a Machapuchare, a mais de 6 mil metros de altitude, é quase indescritível”, salienta. Felipe, por sua vez, complementa que “é difícil definir um melhor lugar, pois cada um deixa uma marca na memória e no coração”.
Desafios e lições
O treinamento para voar de parapente gira em torno de dois a quatro meses, variando conforme a disponibilidade do aluno. A parte prática consiste de treinos no “morrote”, denominação dada para morros usada pelos praticantes. Depois, são realizados os voos monitorados na montanha. Cursos avançados incluem um treinamento de Simulação de Incidentes em Voos (SIV) e, para quem deseja praticar voos duplos, é exigido outro tipo de treinamento.
Voar de parapente demanda poucas aptidões físicas, mas requer atenção. “É um esporte muito mental, quase meditativo, intensamente ligado ao estado de espírito. Você tem que estar presente o tempo todo”, explica Roberta.
Estar com a mente ligada às ações e comandos é o que garante a segurança e um bom voo. “O melhor benefício é o mental e emocional. O voo demanda atenção total, o que nos faz esquecer o mundo exterior e curtir o visual”, acrescenta Gustavo.
Além disso, alguns conhecimentos transpassam o esporte e são levados para a vida. Segundo Gustavo, ter paciência é uma das grandes lições do esporte. “Saber esperar o vento ficar mais fraco envolve paciência, e levo isso como um comparativo para a vida profissional e pessoal, pois não podemos nos frustrar quando as coisas não dão certo”, completa.