Identidade, autenticidade e perseverança: a luta de um povo

José do Patrocínio acompanhou de perto, durante toda a sua infância, a violência contra escravos

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6 min readMay 30, 2019

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Por Bábiton Leão

Patrocínio ficou conhecido pela sua luta contra a escravatura. (Foto: Reprodução/Wikimedia Commons)

Por Bábiton Leão

José Carlos do Patrocínio foi orador, farmacêutico, escritor, jornalista e ativista. Nasceu em 9 de outubro de 1853, em Campos dos Goytacazes e faleceu em 29 de janeiro de 1905, no Rio de Janeiro. Era filho do vigário da paróquia de sua cidade natal, com Justina do Espírito Santo, uma jovem escrava “mina”, de apenas 15 anos. O vigário jamais reconheceu a paternidade, mas enviou Patrocínio para morar em sua fazenda na Lagoa de Cima, onde ele passou a infância como liberto, porém, vivendo com os escravos e acompanhando todos os tipos de castigos que lhes eram impostos.

Aos 14 anos, depois de ter terminado sua educação primária, pediu ao pai para ir para o Rio de Janeiro, onde trabalhou e estudou, buscando ser alguém importante. Em 1885, iniciou sua carreira na imprensa, profissão na qual brilhou ao ponto de ser considerado o maior jornalista de sua época. Participou ativamente da luta contra a escravidão e a favor da Lei Áurea.

Uma vida de batalhas

Vindo de uma criação nem tão sofrida quanto a de outros descendentes de africanos, mas, nem por isso, mais fácil, Patrocínio desde pequeno buscou ser alguém de relevância. Chegou muito jovem à Capital Federal, trabalhando inicialmente como servente de pedreiro na Santa Casa de Misericórdia. Atraído pelo combate às doenças, resolveu cursar Farmácia, ingressando na Faculdade de Medicina em 1868, lá permanecendo até 1874.

Depois de formado, Patrocínio teve de deixar a república de estudante em que residia. O amigo João Rodrigues Pacheco Vilanova convidou-o a morar na casa de sua mãe, no então tradicional bairro de São Cristóvão. Casada com o capitão Emiliano Rosa Sena, grande proprietário de terras e imóveis, o inquilino foi contratado como professor dos filhos pequenos do casal. Na residência, funcionava o “Clube Republicano”, ao qual Patrocínio passou a frequentar, convivendo com personalidades como Quintino Bocayuva, Lopes Trovão, Pardal Mallet — que teriam importante participação da vida pública brasileira nos anos seguintes. Maria Henriqueta, uma das filhas do casal, e Patrocínio, apaixonaram-se e, vencida a resistência familiar inicial, casaram-se em 1876.

Em parceria com Dermeval da Fonseca, Patrocínio iniciou carreira jornalística publicando o quinzenário satírico Os ferrões, entre 1º de junho e a 15 de outubro de 1875. Ambos assinavam sob os pseudônimos “Notus Ferrão” e “Eurus Ferrão”. Em 1877, Patrocínio passou a trabalhar como redator na Gazeta de Notícias, tradicional veículo da imprensa de então, encarregado da coluna “Semana Parlamentar”, assinando-a sob o codinome “Prudhome”. Nela iniciou a campanha pela abolição da escravatura no Brasil, em 1879, formando um grupo de jornalistas e oradores, entre os quais Joaquim Nabuco, João Clapp, Lopes Trovão, Paula Nei, Teodoro Fernandes Sampaio, Ubaldino do Amaral e o proprietário da Gazeta daTarde, Ferreira de Menezes — todos integrantes da Associação Emancipadora.

Em 1880, com Joaquim Nabuco, Patrocínio fundou a Sociedade Brasileira Contra a Escravidão. No ano seguinte, com a morte de Ferreira de Menezes, Patrocínio junta recursos ao apoio do sogro, para comprar a Gazeta da Tarde. Junto a João Clapp, André Rebouças e Aristides Lobo, passou a articular a Confederação Abolicionista, congregando todos os clubes antiescravagistas do Brasil. Em paralelo às atividades jornalísticas, também teve participação no auxílio e fuga de escravos e coordenou campanhas de arrecadação de fundos para alforria, com comícios em teatros, promoções de espetáculos ao vivo e manifestações em praças públicas.

A convite da poeta Paula Nei, Patrocínio visitou o Ceará em 1882, participando de inúmeras manifestações de apoio à causa abolicionista. Dois anos após, o Ceará foi a primeira província brasileira a decretar o fim da escravidão.

Retorna de visita à terra natal, onde foi recebido em triunfo, levando consigo a mãe, já idosa, para o Rio de Janeiro. Justina do Espírito Santo morre em 1884 e, ao seu funeral, comparecem escritores, jornalistas e políticos, companheiros de causa de Patrocínio. O sepultamento tornou-se, assim, um grande ato em favor da abolição, ao qual compareceram o jurista Ruy Barbosa, o ministro Rodolfo Dantas, além de Campos Salles e Prudente de Morais — que, em futuro recente, chegariam à presidência do Brasil.

A luta pela abolição da escravatura

Em 1886, Patrocínio entrou para a política, eleito vereador no Rio de Janeiro. Deixou a Gazeta da Tarde no ano seguinte, para fundar e dirigir novo periódico, A Cidade do Rio. Intensificando sua atuação política, ele continuou liderando campanhas populares pela abolição, e fazendo da redação de seu jornal uma escola para novos jornalistas — que se consagrariam nos anos seguintes.

Com Ruy Barbosa, Patrocínio promoveu grande manifestação em 3 de maio de 1887, reunindo multidão nas ruas do Rio de Janeiro. Nessa época, chega ao Parlamento projeto final pela abolição, encaminhado pelo ministro Rodrigo Silva. O gesto fez Patrocínio aproximar-se do Paço Imperial e tornar-se amigo da princesa Isabel. Em 13 de maio de 1888, com Isabel como regente, porque Pedro II estava em viagem pela Europa, foi assinada a Lei Áurea, pondo fim à escravidão no Brasil.

O Brasil foi o último país da América a extinguir a escravatura. (Foto: Joaquim José Insley Pacheco/Wikimedia Commons)

Em meio à celebração que toma conta das cercanias do Palácio Imperial, Patrocínio se ajoelhou frente à princesa e beijou-lhe as mãos, em gesto logo repetido por inúmeros outros abolicionistas, e que inaugura o que é considerado o “culto isabelista” — em que grande número de libertos passa a saudar a filha do imperador como a sua libertadora — num momento em que já se projetava o “terceiro reinado”, com Isabel sucedendo ao pai, Pedro II, e ao avô, Pedro I.

Meses após, Patrocínio participou na organização de grupo chamado “guarda negra”, formado por ex-escravos, que defendia a abolição e Isabel e o Império, lutando, portanto, contra os republicanos, inclusive com enfrentamentos físicos em que a capoeira foi o instrumento em episódios na Capital Federal.

Eram tempos em que, conquistada a abolição, as atenções se voltavam à campanha pela implantação da república no Brasil. Patrocínio, então, entrou em confronto com os republicanos, particularmente com o jornalista Silva Jardim, recusando qualquer adesão ao novo movimento. Ocorreu, assim, um afastamento dele aos amigos da Confederação Abolicionista e um gradual esvaziamento do jornal A Cidade do Rio.

Após a proclamação da República, em que a família real é enviada ao exílio, Patrocínio entrou em conflito com o governo do marechal Floriano Peixoto e viu parte de seus antigos apoiadores voltar-se contra si. Embora tenha, posteriormente, apoiado o novo regime, um manifesto divulgado em seu jornal em 1892, dirigido ao presidente, leva Floriano a mandar prendê-lo. Deportado para o Cucuí, no Alto Rio Negro, no Amazonas, lá permaneceu por cerca de um ano.

Ao retornar, pelo jornal a oposição ao governo Floriano Peixoto, apoiando a chamada revolta das armadas, em 1893. Com o jornal fechado por ordem governamental, começa a sua inviabilidade: embora tenha sido reaberto em 1895, acaba por encerrar atividades em 1902. Sem fonte de renda e sem recursos, Patrocínio foi viver em Inhaúma, reduzindo sua influência política e voltando o seu interesse para a aviação — então, incipiente no país.

Deu início, assim, à construção de um dirigível de 45 metros, ao qual batizou como “Santa Cruz”, mas o sonho de voar jamais foi concluído. Morreu aos 51 anos, vítima de tuberculose.

Fontes

ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS. Perfil de José Hipólito da Costa. Rio de Janeiro: ABL, 2018.

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE IMPRENSA — site

BUENO, EDUARDO. Silva Jardim e José do Patrocínio. Canal Buenas Ideias no YouTube.

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A Beta Redação integra diferentes atividades acadêmicas do curso de Jornalismo da Unisinos em laboratórios práticos, divididos em cinco editorias.