Idosos contam como enfrentam período de isolamento

Exercícios, animais de estimação, artesanato e fotografia são focos da rotina de pessoas com mais de 60 anos no RS

Thaís Lauck
Redação Beta
6 min readMay 19, 2020

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Olhar aguçado demonstra o amor pela fotografia durante o isolamento social (Fotos: Octacílio Freitas Dias)

Há dois meses, a hashtag #ficaemcasa ganhou força ao redor do mundo como uma maneira de incentivar as pessoas a se isolarem em suas residências. A ação visa combater a propagação da Covid-19 e é reforçada, principalmente, entre os idosos, que integram o grupo de risco.

No Rio Grande do Sul, segundo a Projeção de População do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), os idosos correspondem a mais de 20% da população. Ou seja, são mais de 2 milhões de pessoas atingidas diretamente pela medida preventiva. Sabe-se que o isolamento é importante para a segurança dos idosos, o que exige grandes mudanças na rotina, tendo em vista que a orientação é, exceto em casos necessários, não ultrapassar o portão de casa.

“Foi difícil me acostumar”, confessa o industriário e representante aposentado Lauro Aloísio Specht, 83 anos. Antes do isolamento, Specht passava as tardes de terça a domingo jogando carta em um bar perto de sua casa, em Dois Irmãos; visitava amigos e fazia caminhadas pela cidade. “Ele cuidava até o tempo que levava nos trajetos”, conta a filha Regina Braun, aos risos, afirmando que ele sempre foi muito ativo.

Animais de estimação, Hani e Lina também ajudam Lauro a passar o tempo. “Se entram no quarto, só dão trabalho”, diz ele, às gargalhadas (Foto: Arquivo Pessoal)

Com a necessidade de ficar em casa, Lauro se adaptou à nova realidade. “Agora já me acostumei. Me cuido bastante”, diz ele, falando sobre as mudanças. “De manhã cedo, faço bicicleta, todos os dias. Só falhei um domingo para jogar carta com as filhas”, conta ele, se referindo a Regina, que mora na mesma casa, e Margarida Thome, que mora em outra residência, mas no mesmo pátio. “No carteado, o álcool gel está sempre do lado”, afirma Margarida.

Com um quarto espaçoso e uma área coberta ao redor, Lauro acaba se entretendo por ali mesmo. “Faço minhas caminhadas pelo quintal e na varanda, vou e volto umas dez vezes. Também bebo bastante líquido”, diz ele, que tem um filtro com água e uma bandeja cheia de frutas disponível nesse mesmo cômodo. “Quinta-feira é meu dia da faxina”, conta, orgulhoso. “Já nos oferecemos para fazer isso, mas ele quer cuidar do cantinho dele”, diz Margarida, comentando que o pai é muito independente, exceto para o controle dos medicamentos, que é feito por Regina.

Lauro completa 84 anos nesta quarta, dia 20. Mesmo sem poder sair de casa, ele segue fazendo suas caminhadas, mas agora na varanda (Foto: Arquivo Pessoal)

Para garantir a segurança do pai e avô, a família redobrou cuidados. Proprietários de uma empresa alimentícia que fica entre as residências, os familiares comentam que esse fator também ajuda no atual momento. “Só saímos para ir ao mercado ou em casos estritamente necessários; e ao retornar, higienizamos tudo”, conta Margarida.

Quem também está obedecendo à orientação de ficar em casa é a dona Evani Erci Keller, 76 anos, de Campo Bom. Ela se considera uma pessoa caseira, mas, neste momento, não nega a saudade da rua. “A vó gosta de correr rua, mas estamos de olho”, reforça, cuidadosa, a neta Patrícia Vidal, que mora em outra casa, mas no mesmo pátio.

Fazer tricô é um dos passatempos de Evani (Foto: Arquivo Pessoal)

Artesã há quase 30 anos, dona Evani faz parte da AArtebom, Associação de Artesanato do município. Antes da necessidade de isolamento ela gostava de ajudar, pelo menos uma vez por semana, no comércio dos artesanatos, expostos pelo grupo no Largo Irmãos Vetter. “Toda sexta-feira a tarde eu vendia artesanato na praça. Era um passatempo para mim”, conta ela, que também aproveitava o momento para rever e conversar com as amigas. “Sinto falta disso”, acrescenta Evani, que agora se dedica, exclusivamente, a trabalhar e vender sob encomenda. Ela faz tricô e ponto cruz. As mãos, ágeis e ao mesmo tempo delicadas, dão forma às roupas que levam consigo o carinho e a doçura da avó — que também já possui um bisneto.

Quando não está produzindo, dona Evani se mantém ocupada deixando o lar em ordem. “Passo a vassoura na casa, depois passo de novo…”, dispara ela, bem humorada, contando ainda que faz caminhadas pelo pátio — onde também mora a filha Clara Keller — e se distrai com Sig, o cachorrinho de estimação.

Bem humorada, Evani entrou na brincadeira de Clara e Patrícia, que a “prenderam” em casa (Foto: Arquivo Pessoal)

Juntas, a filha Clara e a neta Patrícia realizam as compras da casa, entre alimentos e produtos de higiene e limpeza. “Estamos nos responsabilizando por isso. Tomamos todos os cuidados necessários com a higienização das mercadorias, atendendo às normas estabelecidas pela saúde — tudo para mantê-la em segurança”, conta Patrícia, confessando que as vezes é preciso atenção redobrada com a avó. “Ela adora caminhar em volta da casa, varrer o pátio. Embora a gente diga para ela não fazer, quando vemos está fuçando em algo”, completa.

Patrícia divulga o trabalho da avó nas redes sociais (Foto: Reprodução Facebook)

Com tempo de sobra e muita disposição, a produção da dona Evani está a milhão. Com a ajuda da neta, o seu trabalho se espalhou pelas redes sociais, atraindo encomendas motivadas também pela chegada do frio. Quem quiser acompanhar o trabalho dela, pode conferir no Facebook ou ainda tirar dúvidas pelos telefones (51) 9 9162–3009 e 3598–5484.

Já um dos passatempos de Octacílio Freitas Dias, que é fotógrafo aposentado, é andar pela cidade onde mora, Dois Irmãos, e registrar flores, pássaros e cenas do dia a dia, imagens bem diferentes daqueles feitas ao longo da carreira nos jornais Última Hora, Jornal do Comércio e Correio do Povo, e nos mais de 30 anos dedicados ao setor de comunicação da prefeitura de Porto Alegre.

Octacílio está respeitando as orientações do isolamento, mas nem por isso deixou de fotografar (Foto: Thaís Lauck/ Beta Redação)
Registros feitos por Octacílio Freitas Dias, de 82 anos. (Fotos: Arquivo pessoal)

Mesmo diante dos efeitos do isolamento, o olhar aguçado e a paixão pela fotografia mantiveram a câmera fotográfica ativa. Desde o início da quarentena, seu Octacílio captou mais de 600 imagens, entre elas, muitas de pássaros, nos fazendo lembrar de uma liberdade hoje cerceada para humanos. “Tiro as fotos de dentro do quintal de casa, da calçada ou de dentro do carro mesmo, quando levo a Leila [Santos, sua esposa] no mercado, por exemplo”, conta ele.

Pássaros são personagens constantes nas imagens captadas por Octacílio

Além da fotografia, Octacílio também arregaçou as mangas e aproveitou o tempo ocioso para organizar alguns espaços da casa. “Nos primeiros dias, limpei a garagem, tirei uma tonelada de lixo (risos), reorganizei tudo — os móveis, minhas ferramentas”, conta ele, que também se ocupa fazendo caminhadas pelo pátio, conversando com os vizinhos pela grade e cuidando do jardim. “Até do muro do vizinho, coberto por uma trepadeira, eu cuidei”, conta, orgulhoso.

Morando sozinhos, Octacílio e Leila contam com a ajuda de vizinhos para realizar compras nos supermercados. “Estão sendo muito atenciosos conosco”, agradece.

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