Influenciadores digitais negros motivam jovens a entenderem questões raciais

Por meio de conteúdos em sites e redes sociais, blogueiros ajudam população negra a (re)descobrir sua identidade

Thayná Bandasz
Redação Beta
5 min readSep 14, 2017

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Canais de comunicação que permitem troca de ideias, as redes sociais têm sido palco para influenciadores digitais negros produzirem conteúdos relacionados à identidade e à aceitação. É a partir da criação de conteúdo que eles auxiliam outros jovens a se redescobrirem e a fazerem parte das discussões sobre negritude.

No ambiente digital, a conversa é feita de forma horizontal: de negros para negros. Todos são convidados a participar. Exemplo disso foi o movimento #seráqueéracismo, que começou após o assassinato de cinco jovens negros pela Polícia Militar no Rio Janeiro, em 2016. Influenciadores e cidadãos negros utilizaram a hashtag para expor o racismo vivenciado por eles desde pequenos, criando uma rede de discussão sobre o tema.

Já em novembro do ano passado, no mês da Consciência Negra, várias ações de cunho social foram feitas nas mídias sociais. Em uma delas, youtubers brancos cederam espaços em seus canais para que youtubers negros levassem a discussão racial a outros tipos de públicos.

Em 2016, uma pesquisa inédita realizada no Brasil e criada pelo projeto Negros Digitais, em parceria com o site Mundo Negro e a consultoria Zero54, da jornalista Nadja Pereira, mapeou o comportamento e os hábitos dos negros nas mídias sociais.

A pesquisa Novembro negro|Black Millennials of Brazil mostrou que 64% dos negros têm o Facebook como sua principal rede de relacionamento e comunicação, seguido pelo Instagram, com 19%. Esses números refletem a atuação da própria militância do Movimento Negro em sites de redes sociais, já o Facebook têm sido a principal plataforma para o início de discussões e polêmicas acerca da pauta negra.

Pesquisa do projeto Negros Digitais

Para a jornalista Carolina Anchieta, os movimentos dentro dos sites de redes sociais potencializam as discussões das pautas. “É um caminho incrível, que não deve ser desmerecido. O Youtube, principalmente, é um caminho de informação, fazendo melhor até mesmo do que nós, atuantes. O Facebook e o Youtube têm sido canais essenciais para essas discussões”, aponta.

Duda criou o blog Negra e Crespa para falar sobre autoestima. (Foto: Arquivo pessoal de Eduarda Buchmann)

Influenciadores também são influenciados

A blogueira e youtuber gaúcha Eduarda Buchmann encontrou na internet um meio de aceitar seu cabelo e de ajudar outros jovens a se amarem. Ela, que estudava em escola particular, sempre foi uma das únicas negras da turma. Além disso, por sua família ser branca, nunca teve contato direto com pessoas negras na infância. Entretanto, ao conhecer outros negros na faculdade, Duda teve coragem para descartar o alisamento, assumindo o cabelo crespo.

“Eu estava decidida a voltar para os cachos, mas achava que também tinha que fazer química para isso. Fui para o Youtube e lá encontrei a Rayza Nicácio e a Maraisa Fidelis, que me fizeram descobrir que isso não era necessário”, conta.

Em 2013, ela cortou o cabelo e, a partir disso, surgiu a vontade de compartilhar não apenas sua história, mas também de outras pessoas. Assim, os demais poderiam, de alguma forma, se encontrar com sua história negra. “Comecei com o Instagram, que eu chamo de InstaBlog. Depois de um ano, abri o blog e, em seguida, comecei o canal também”, relembra.

Duda criou o blog Negra e Crespa, que começou com temática voltada ao cabelo. Entretanto, logo depois, tornou-se um espaço para conteúdos ligados à autoestima geral da população negra.

“Aquele momento foi crucial, e eu senti que, ali, podia incentivar outras pessoas a se amarem também. Tudo isso valoriza muito a nossa imagem. A internet teve um ‘boom’ inicial, porque ela revolucionou sem a ajuda de outras mídias. Ela revolucionou o momento de representatividade atual, que ainda é pequeno, mas vem aumentado a cada dia”, observa.

A blogueira reconhece que ser considerada uma influenciadora (e ser chamada como tal) envolve grande responsabilidade. “Eu sei que acabo sendo muito influente, porque muita gente fala que, com as dicas de produtos, eu incentivo-as a se amarem do jeito que são. Elas dizem que, através de mim, conheceram um mundo novo. Fico muito feliz”, afirma.

Duda recebe mensagens capazes de mudar seus dias. Entre quem escreve para ela, estão jovens que sofrem bullying na escola, ou que têm família que não aceita o cabelo cacheado. Há inclusive mães que, durante toda a vida, fizeram química, mas largaram o procedimento porque viram a beleza da raiz crespa ou cacheada nos cabelos de seus filhos.

“Cada vez mais, os jovens têm se aceitado. Há mães que incentivam as crianças. Isso tudo está fazendo a nossa sociedade se transformar, aceitar a diferença. Mostra que somos importantes e precisamos ser valorizados, que a gente não perde em nada para outras raças e etnias”, diz.

A importância de se reconhecer

Estudante de Relações Públicas, Patrícia Gomes, 23, também utilizou o YouTube para acessar conteúdos sobre cabelos crespos. Era uma forma de adquirir informação, já que a maioria de suas amigas eram brancas de cabelo liso. A jovem sente-se melhor com seus fios naturais.

Entretanto, foi depois de participar de um projeto na Uniritter que Patrícia passou a consumir conteúdos sobre representatividade e colorismo. O Interfaces proporcionava a alunos de vários cursos um espaço para falar sobre empoderamento negro e para fazer intervenção em escolas.

“Foi onde eu conheci a Natali Nery, a Negra Rosa e tantos outros com assuntos variados. Em função do cabelo, conheci a Rayza Nicácio. Houve uma polêmica de ela não se reconhecer negra e, agora, ela trouxe o assunto de volta. Achei bem legal”, comenta a estudante.

Natali Nery é uma das youtubers negras que Patrícia costuma assistir. (Foto: Thayná Bandasz/Beta Redação)

Patrícia conta que todo esse processo foi acontecendo aos poucos. Ela sempre se viu como negra, mas sentia-se invisível aos outros, principalmente na faculdade. No primeiro semestre, ela não se reconhecia naquele lugar. Só passou a se sentir parte dele quando conheceu o projeto e pôde se reconhecer em outras pessoas.

“Em 2016, eu conheci o projeto e foi onde eu comecei a conseguir me impor sobre temas e a mudar meu pensamento. É uma desconstrução diária, porque a gente reproduz muita coisa”, afirma. Mas foi no ano de 2017 que Patrícia percebeu que muita coisa mudou e que passou a ter mais conhecimento.

“Sempre gostei de ser negra, apesar de saber que, por ser negra, de repente, algumas coisas não aconteceriam. Mas a gente vai se fortalecendo para mudar isso um dia”, acredita.

Segundo ela, a partir do momento em que há pessoas falando sobre assuntos vivenciados ou refletidos por quem escuta, ocorre uma mudança. “Eu assisti, esses dias, um vídeo da Natali Nery, falando sobre várias coisas, e a gente se enxerga, sabe. Tu consegue até criar uma fala diferente”, explica.

Para Patrícia, alguma coisa já está mudando. Ainda levará tempo, mas no momento em que todos entenderem que as pautas raciais precisam ser discutidas, muito coisa mudará.

“Pra mim, é muito importante. No momento em que tu aceita que é negra, tu te reconhece como uma, tua autoestima melhora, tua produtividade também. Vai dar um resultado, sabe, mesmo que demore lá na frente, mas vai dar”, finaliza.

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