Ipanema FM: A rádio que faz falta

Comunicadores e ouvinte lembram da importância da emissora para o cenário cultural do RS, além da saudade que deixou

Luã Fontoura
Redação Beta
6 min readJul 4, 2023

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Inicialmente nomeada como Difusora FM e localizada na Rua José Bonifácio, a rádio rock de Porto Alegre — conhecida como Rádio Ipanema — deveria ter completado 40 anos de existência no último dia 12 de maio. Pegando os ouvintes de surpresa, a Ipanema anunciou o fim dos seus trabalhos no dia 11 de maio de 2015, ficando apenas com programação musical no ar, sem seus comunicadores. Mas o que tornava a Ipanema tão diferente e especial?

Logo oficial da Rádio Ipanema (Alemão Vitor Hugo/Arquivo Pessoal)

Em 1986, o então comunicador da rádio Alemão Vitor Hugo, acabara de se formar na faculdade de Jornalismo pela PUCRS, e foi apresentado a Nilton Fernando, na época nome forte na Ipanema. Nilton havia questionado Vitor sobre seu diploma, dizendo que não precisava de um para trabalhar com o rádio. Porém, recém-formado, Alemão defendeu até o fim sua graduação: “Na nossa conversa, eu ia defender com unhas e dentes o meu diploma… Tava saindo da faculdade e ele disse que não precisava ter diploma de universidade para trabalhar no rádio, na TV, no jornal. E eu dei meus argumentos. E depois eu pensei assim, nunca mais vou ver esse cara, nunca mais vai me chamar, e ele acabou me chamando em dezembro de 1986, para fazer a redação de jornalismo, já que a Meri Mezzari tava saindo pro Correio do Povo”.

Foi ali que o jornalista e comunicador notou que o ambiente era diferente, já que foi chamado para trabalhar mesmo depois de contrariar Nilton. “Eu notei, né, o cara me chama, mesmo discordando de mim, então eu vi que tinha esperança ainda nesse mundo. Então, a partir de 2 de janeiro de 1987, a Bandeirantes e a Ipanema assinaram a minha carteira e eu fiquei lá 29 anos, 5 meses e 15 dias.”

Alemão Vitor Hugo, um dos comunicadores da rádio, divertindo sua audiência nos estúdios da 94.9. (Foto: Alemão Vitor Hugo/Arquivo Pessoal)

A Ipanema também tinha um diferencial muito grande em relação às outras rádios de Porto Alegre. Antigamente, era comum que divulgadores de gravadoras andassem pelas rádios, levando um disco novo com a música do momento para que fosse ao ar. Na Ipanema não era feito apenas isso, mas também se tocava outras músicas deste mesmo disco. “Os caras traziam o disco, já com aquela música pra você tocar. A gente rodava aquela música, mas tinham outras a serem tocadas no disco, e isso ia pro ar. Eles ficavam loucos, porque tinham que mostrar era aquela música. Titãs, Legião Urbana, Barão Vermelho, Ira… A música brasileira, além da MPB, começou a ter o rock and roll também no Brasil, e a gente queria saber de tudo.”

Outro diferencial eram os “amigos” da rádio, que viajavam para o exterior e traziam discos exclusivamente para irem ao ar na Ipanema. Alemão lembra que Jimi Joe, músico gaúcho e também comunicador na Ipanema, tinha um amigo cujo pai viajava e trazia os discos sobre os quais se lia em revistas apenas. “A gente fazia uma lista, e o cara trazia, nos entregava na mão, e aí a gente começou a rodar muito rock, e isso ai também influenciou muito as bandas gaúchas a fazerem o seu próprio som, a partir dessas novidades. Não é uma coisa que é lançada mundialmente hoje, antigamente era lançado nos Estados Unidos e na Europa, e chegava aqui três, quatro meses depois, às vezes um ano… Então, era muito difícil. E isso marcou bastante também, porque a Ipanema ajudou a fazer crescer o rock gaúcho.”

Alemão não esquece da importância da rádio para a cena musical local, e lembra dos momentos que viveu na 94.9, em especial, quando se tornou comunicador. “A rádio era maravilhosa, era uma coisa legal que Porto Alegre teve… Um momento marcante foi quando a gente fez televisão, o [programa] Folharada, em 1997. Eu tinha 10 anos de rádio, ninguém me conhecia na rua, mas quando começou o Folharada, em dez dias, eu já sentia aqueles olhares. E isso me ajudou muito a entrar no ar na Ipanema, uma coisa que eu relutei muito pra fazer.”

“Fiz jornalismo por causa do rádio, mas não pude trabalhar na rádio que eu queria”

Graduada pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Tainá Rios era uma ouvinte assídua da Ipanema e fez sua monografia sobre a 94.9. O interesse por estudar a rádio iniciou quando ela resolveu investigar o que era o rock gaúcho, querendo entender qual era a diferença entre o rock gaúcho e nacional. Ela conta que sempre trouxe o lado cultural para seus trabalhos da faculdade. “Ao longo de toda a trajetória da faculdade, nos trabalhos de rádio, entre outros, eu sempre trouxe essa parte cultural pros documentários, sempre quis trazer essas questões, essas minhas dúvidas, esse meu gosto pela música, pela parte cultural, pelo rock”.

Tainá junto do orientador do trabalho final, Felipe Boff, e dos professores Taís Furtado e Sabrina Franzoni, no dia da apresentação de seu TCC sobre a Ipanema (Foto: Tainá Rios/Arquivo Pessoal)

Em 2014, época que a Ipanema ainda estava no ar, Tainá queria investigar o rock gaúcho, e a Ipanema tinha como slogan “a rádio rock de Porto Alegre”. “Eu pensei em unir as duas coisas, unir/descobrir o que é o rock gaúcho, diferenciando ele do resto do país, dentro então da rádio rock, que se diz em Porto Alegre, a rádio que é gaúcha. Então ali eu descobri que rock gaúcho era só coisa de gaúcho mesmo, que gosta de dizer que é tradicionalista, não vi nada de diferença. Então foi aí que eu vi beleza, então vamos estudar essa identidade rock em Porto Alegre, dessa rádio gaúcha, então foi aí que me interessou”, comenta.

Tainá apresenta o seu trabalho de final de curso no estúdio de rádio da unisinos (Tainá Rios/Arquivo Pessoal)

A estudante já estava imersa no mundo da Ipanema FM — lendo biografias, investigando trabalhos que a comunicadora Katia Suman já havia feito, além de ter conversado com a equipe da rádio na época — quando a emissora anunciou o fechamento.

Para ela, foi um choque. Tainá ficou com medo de que o trabalho tivesse acabado ali, mas no fim, o foco acabou mudando. “A partir daquele momento, a gente [Tainá e o orientador Felipe Boff] decidiu que iria investigar este fim, analisando o discurso desse fim, uma rádio que tá acabando, tínhamos um norte para estudar se o FM tem futuro. O rádio tem futuro ou não tem? Então, o trabalho mudou. Meu objeto de pesquisa seguiu sendo a Ipanema FM, mas aí então eu mirei analisar o discurso dos fãs, dos ouvintes da rádio, a galera que ficou órfã da rádio”, diz.

O tema do trabalho de conclusão: “O rock morreu? Da construção de uma identidade ao fim da Ipanema FM” (Foto: Tainá Rios/Arquivo Pessoal)

O interesse por falar da rádio no trabalho de conclusão veio por ser uma fã. O gosto musical, as playlists, a afinidade, os comunicadores da Ipanema chamavam a atenção de Tainá. Se hoje é formada em Jornalismo, é por causa da rádio. “Escolhi fazer Jornalismo porque eu amava a rádio”, conta. “A Ipanema pra mim faz bastante falta. Eu não ligo mais o rádio, não tenho mais o costume de ‘opa, meio-dia, tá na hora do ala-minuta’, que era a mesa redonda, com os últimos integrantes ali. Não faço mais isso, não tenho mais esse costume. De vez em quando eu lembro, ‘bah, vou ligar o rádio’, mas não fico mais atenta aos programas. Então, faz bastante falta, tanto profissional, quanto pessoalmente. Eu não pude trabalhar na rádio que eu queria trabalhar”, finaliza.

Oito anos após o fim da Ipanema, diversas rádios seguem no ar com sua programação musical, seja qual for o seu estilo de preferência, mas nenhuma delas trará de volta o mesmo ambiente que a Ipanema apresentava, muito menos o que mais chamava a atenção: a relação com os ouvintes e, claro, muita música boa.

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