Isolamento social é desafio para pais separados com guarda compartilhada

Orientações de especialistas ressaltam que o mais importante é manter a segurança dos filhos

Ketlindesiqueira
Redação Beta
8 min readMay 5, 2020

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Pais encontram alternativas para enfrentar esse período. (foto: Ketlin de Siqueira/ Beta redação)

Devido a pandemia do novo coronavírus, as pessoas foram orientadas a ficar em casa. Como consequência disso, se torna um desafio manter o direito de visita quando pais separados dividem a guarda dos filhos, considerando que a principal recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) para conter o avanço da Covid-19 é o isolamento social.

É o caso de Adelar Silveira, 45, que não vê o filho de seis anos há um mês. Ele optou por entrar em um acordou com a ex-esposa, pois além de ser secretário de Saúde do município de Boa vista do Sul, mora com o pai, que tem 85 anos. Por proteção, combinou que não visitará a criança enquanto durarem as medidas de isolamento. Apenas terá contato com o filho através de vídeo chamada.

“Com muito esforço tenho resistido à vontade de ir visitar o meu filho. É melhor manter essa distância, para não ter consequências graves”, ressalta Adelar, que mantém contato diário com o filho pela internet ou telefone.

A mãe do menino de seis anos, a comerciante Andreia Zuchi, 42, conta que ficou preocupada quando surgiram os primeiros casos da doença em outros estados do Brasil, mas quando os índices da COVID-19 emergiram no Rio Grande do Sul, "entrou em desespero". Por isso concordou com seu ex-esposo em deixar seu filho somente com ela até que se amenize o contágio.

“Num primeiro momento não sabia o que fazer, mas a prioridade é a saúde do meu filho, então se precisar ficar sempre cuidando dele, não tem problema algum. Temos que pensar que a outra pessoa ama o filho e quer o bem dele tanto quanto você. Temos que conversar e pensar no que é melhor para a criança”, comenta Andreia.

Até esta terça-feira, 5 de maio, as secretarias estaduais de saúde contabilizaram 114.715 infectados e 7.921 mortos. O Rio Grande do Sul já soma 1.815 casos confirmados, com 79 mortes em decorrência do novo coronavírus.

Recomendações a garantia dos direitos à proteção

A Lei 13.058, de 2014, que alterou o Código Civil, estabeleceu como regra a guarda compartilhada para filhos de casais separados. Ela só não acontece quando um dos pais, ou ambos, não têm condições de exercer o poder familiar, ou quando um ou outro abre mão desse direito.

Advogada especialista em Direito da Família, Andrea Aldrovandi, diz que os pais devem pensar primeiro no bem estar do filho antes de tomar qualquer decisão (Foto: Arquivo Pessoal)

A advogada e professora universitária Andrea Aldrovandi, 43 anos, especialista em Direito de Família e Sucessões, ressalta que em tempos de pandemia, a guarda compartilhada deve ser efetivada com bom senso e diálogo entre os genitores, visando o “melhor interesse” e a proteção integral das crianças e adolescentes, conforme o artigo 227 da Constituição Federal e os artigos 1° ao 5º do Estatuto da Criança e do Adolescente.

“De fato, o contexto atípico da pandemia não costuma estar previsto em nenhuma negociação de guarda ou convivência. Por essa razão, há uma maior movimentação dos pais sem saber como lidar com essa situação”, diz a advogada .

O agravamento dos conflitos levou o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) a incluir a disputa pela guarda entre os principais pontos de preocupação para a garantia dos direitos à proteção dos menores durante a pandemia.

As orientações, no total de 18, são pertinentes ao período em que toda a sociedade empreende esforços para a contenção da pandemia do COVID-19, reafirmando que, enquanto permanecer a situação de risco, deve se intensificar tal proteção integral de crianças e adolescentes — devido a sua condição peculiar de desenvolvimento, com proteção integral e na defesa do melhor interesse destes.

Conanda realiza 18 orientações para proteção integral de criança e adolescentes durante a pandemia ( Vídeo: Ketlin de Siqueira/ Beta redação)

O Conanda considera que é imprescindível que as três esferas de governo elaborem planos de contingência visando conter a disseminação do novo coronavírus e que toda medida adotada deve ter a perspectiva de proteção global dos direitos humanos de crianças e adolescentes e da absoluta prioridade de garantia desses direitos — utilizando o máximo de recursos disponíveis para a efetivação de políticas sociais públicas que permitam as garantias de condições dignas de existência e a promoção de seu desenvolvimento integral.

No documento, o Conanda recomenda ainda, como melhor solução para não expor a saúde da criança e do adolescente ao risco, que o menor fique somente com um dos pais, e as visitas e períodos de convivência sejam substituídos por contatos via telefone e internet. Outra alternativa sugerida seria adotar o esquema previsto para as férias, em que os filhos ficam o máximo de tempo com cada genitor, havendo menos trocas de casa.

De acordo com a advogada Andrea Aldrovandi, a guarda e a fixação do regime de convivência entre pais e filhos (que é conhecido como direito de visitas) envolvem o direito fundamental de convivência familiar. Os genitores, dentro do possível, em atendimento às recomendações sanitárias, devem observar se o deslocamento da criança pode colocá-la em risco. Não sendo possível dar continuidade ao contato pessoal, a substituição por contatos virtuais é uma possibilidade.

“A recomendação do Conselho Nacional é uma das opções, mas não pode ser generalizada como a melhor para todos os casos. Por exemplo, existem pais que moram muito próximos, em cidades que não foram tão atingidas pela pandemia. Nesses casos, em que não há tanta exposição da criança ao risco, podem ser preservados os contatos pessoais”, explica Andrea.

Pais optam pelo direito à convivência

A comerciante Helenice Scopel, 43, separou-se há três anos do comerciante Marcos César Viola, 46. Desta união tiveram dois filhos — Eduardo, 14, e Ricardo, 17. Para ela, é injusto ter que lidar com todas as responsabilidades durante a pandemia, então decidiu entrar em um acordo com o ex-marido para que os adolescentes estejam pelo menos uma vez por semana na residência do pai.

“Os filhos não deveriam ser assumidos por apenas um dos genitores. Acho necessário compartilhar os cuidados, além disso, os meninos me dizem que sentem saudades do pai. Apesar de morarmos na mesma cidade, sempre que meus filhos saem de casa usam máscara e levam álcool gel . Eles vão uma vez por semana na casa do pai e voltam no mesmo dia”, comenta Helenice.

Antes, Marcos César via seus filhos diariamente ou a cada dois dias. Agora, conta que está tomando todas as precauções necessárias quando seus filhos vão para sua casa, principalmente, evitando o contato físico nas visitas semanais.

“Mudei minha relação com eles, éramos muito próximos um com outro. Abraços, beijos, no momento não existem mais, pois estamos mantendo o distanciamento recomendado, usando máscara, lavando as mãos com água e sabão e, se necessário, usando álcool gel. Conversei com eles e com minha ex-esposa sobre o isolamento que é necessário neste momento, porque é para o bem de todos”, salienta Marcos.

Momento de preservar a saúde mental dos filhos

A psicologa Patrícia Manica ressalta que nesse período de isolamento social é importante tomar algumas medidas para preservar a saúde mental do filhos de pais separados ( Foto: Arquivo Pessoal)

De acordo com a psicóloga Patrícia Manica, 27 anos, o período atualmente vivenciado é essencial para conversar com a criança sobre o que está acontecendo, sempre tentando esclarecer suas dúvidas e mostrando o que deve ser feito, de forma positiva. Essas explicações podem ser feitas de forma lúdica, com muito cuidado para não gerar ansiedade na criança. Nos casos de guarda compartilhada é necessário explicar aos filhos o porquê do afastamento em relação a um dos pais, pensando na preservação da saúde de todos.

“É um momento em que vivemos com ansiedade. As notícias e redes sociais falam muito sobre a pandemia. Evitar o excesso de informação e ter cuidado com o que passa na televisão são medidas importantes para quem está com uma criança em casa”, comenta Patrícia.

Com a recomendação de isolamento social, psicólogos podem realizar atendimentos mediados por tecnologias de comunicação à distância desde a Resolução do Conselho Federal de Psicologia (CFP) nº 11, publicada em 2018. Devem ser observadas, no entanto, as exigências previstas pela profissão.

“Muitos psicólogos optaram por realizar atendimentos on-line durante a pandemia, a fim de preservar a saúde de todos (paciente, terapeuta). Dessa forma, o auxílio profissional torna-se fundamental para ajudar as crianças, os adolescentes e até os pais a superarem esse momento da melhor forma possível, e com certeza preservando a saúde mental”, ressalta Patrícia.

A psicóloga conta que os pais tem a procurado, a fim de enfrentar esse momento da melhor forma possível. Ela salienta que mesmo com a distância entre os familiares e com o contato sendo mantido apenas através do telefone, o essencial é cuidar da saúde para que se possa superar este período.

A questão da pensão alimentícia

Qualquer mudança no valor da pensão deve ser determinada por decisão judicial, após o juiz verificar o binômio necessidade e possibilidade. (Foto: ketlin de Siqueira/Beta Redação)

Com a economia em crise e muitas pessoas perdendo seus empregos ou fechando seus estabelecimentos, é possível pedir a revisão do valor da pensão, especialmente se houver mudança que altere a possibilidade de pagamento do valor anteriormente acordado. No entanto, deve-se lembrar que os alimentos precisam atender ao binômio necessidade e possibilidade.

Como explica a advogada Andrea Aldrovandi, se houver modificação nas possibilidades (rendimentos) daquele que paga a pensão e nem nas necessidades da criança que recebe o valor, deve ser mantido o mesmo pagamento da pensão.

“É importante frisar que, salvo nas hipóteses em que há o desconto da porcentagem sobre os rendimentos, qualquer alteração de valor dependerá de decisão judicial, mas tanto para decidir a pensão quanto para o regime de convivência, a conclusão é a mesma: a solução vai ser dada caso a caso”, finaliza a advogada

Cenário antes da pandemia: aumenta o número de divórcios com guarda compartilhada, mas mãe ainda predomina na responsabilidade pelos filhos

Mantém-se a predominância das mulheres com a guarda dos filhos, que atingiu a proporção de 65,4%.( Foto: Ketlin de Siqueira; Beta redação)

De acordo com a pesquisa Estatísticas do Registro Civil 2018, divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística-IBGE, houve um aumento significativo do percentual de divórcios concedidos em primeira instância entre casais com filhos menores em cuja sentença consta a guarda compartilhada dos filhos. Dos 166.523 divórcios concedidos para casais com filhos menores, em 2018, 24,4% tiveram guarda compartilhada. Em 2014, essa proporção era de 7,5%.

O número de divórcios concedidos em primeira instância ou por escrituras judiciais aumentou 3,2% entre 2017 e 2018, passando de 373.216 para 385.246. Assim, a taxa geral de divórcios aumentou de 2,5% (2017) para 2,6% (2018). Por tipo de arranjo familiar, 46,6% das dissoluções se deram entre as famílias constituídas somente com filhos menores de idade; 27,8% foram entre casais sem filhos; 17,3%, entre famílias somente com filhos maiores e 7,8%, entre famílias com filhos menores e maiores de idade. Ainda assim, mantém-se a predominância das mulheres na responsabilidade da guarda dos filhos, que atingiu a proporção de 65,4%.

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