Teve filhos, plantou árvore e escreveu livro na memória de cada um

João Celso Zilio (1956–2020)

Juliana Coin
Redação Beta
3 min readJun 19, 2020

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Final da tarde, o relógio aponta 17 horas. Cheiro de café recém-passado. Silvia grita “Tá pronto”. Celso surge, senta na sala ao lado da esposa e assiste o mesmo programa da tarde de sempre. A rotina diária foi a última lembrança de Celso ao conversar com a esposa antes de ser entubado por conta da dificuldade respiratória: “Tá na hora do nosso café e do teu programa”.

A rotina era a mesma: o café ao lado do companheiro (Foto: Arquivo Pessoal)

Técnico agrícola e técnico em segurança do trabalho, João Celso Zilio, de 63 anos, era apaixonado pela natureza. Viajou de Butiá para Guaíba para trabalhar na empresa CMPC, quando ainda era Riocell. Ao começar a construir sua vida na pequena cidade da região metropolitana de Porto Alegre, Celso plantou um pé de jabuticaba na frente da casa em que moraria o resto da vida com a esposa. “Ele era muito amoroso. Sempre dava ‘Bom dia, coração’. Todos os dias dos últimos 10 anos ele me levava café na cama. Era meu companheiro”, conta Silvia, que com 63 anos relembra os 40 de casados.

As histórias contadas mostram Celso como um homem sensível, que se dedicava a estar próximo em todas as oportunidades possíveis.

Quando Marina morava com os pais, tinha o costume de deixar bilhetes espalhados pela casa, pedindo para que a acordassem em algum horário ou emprestassem dinheiro. Ao organizar o que era dele após o fatídico acontecimento, a filha mais nova do casal encontrou uma pasta com todos esses bilhetes do dia a dia. “Eu não sabia que ele guardava, isso reforçou ainda mais o nosso laço. É como se fosse uma mensagem dele.”

Foto tirada no dia seguinte ao falecimento de Celso (Arquivo Pessoal)

Natural de Lagoa Vermelha, município localizado na região nordeste do Rio Grande do Sul, Celso sempre esteve conectado com a suas raízes. Um mês antes de falecer por Covid-19, visitou os irmãos na cidade natal. As festas e jantas eram comuns, inclusive o aniversário da esposa havia sido comemorado recentemente. “Ele estava muito feliz, tirou foto com os netos, comigo, com todo mundo.” Maurício, o filho mais velho, conta que o pai era apaixonado pelos netos, pedindo foto todos os dias. “Eu descobri que ele mandava para todo mundo, todos os amigos dele.” Antes do isolamento, os netos dormiam um dia da semana com os avós. O apego e o amor eram o que mais marcava essa relação.

No dia seguinte à morte de Celso, um registro fotográfico foi feito pela nora Crislaine Jacobsen Corrêa, esposa de Maurício, mostrando o pé de jabuticaba. Na foto, um raio de luz transpassa as folhas da árvore e ilumina as raízes que Celso plantou em Guaíba. A vida dele sempre estará gravada na terra, fixando as lembranças construídas na sua trajetória. Plantou uma árvore, teve filhos… E o livro escreveu nas memórias de quem o amou.

Celso nasceu em Lagoa Vermelha (RS) e faleceu em Porto Alegre (RS), aos 63 anos, vítima do novo coronavírus.

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Juliana Coin
Redação Beta

Tentando inserir um pouco de realidade num universo de fake news.